por Raquel Rezende
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), o Brasil avançou na participação dos negros na economia brasileira nos últimos anos. Os números mostram que mais da metade dos negros brasileiros (53,5%) pertencem, hoje, à classe média, incluindo a classe C. Entre os 10% mais ricos do Brasil, um em cada quatro chefes de família é negro ou mestiço. E entre os 1% de brasileiros muito ricos, a proporção de chefes de família negros ou mestiços subiu de 9% para 15%, de acordo com os Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS).
Algumas iniciativas contribuem para esse crescimento, como a parceria entre o Instituto Adolpho Bauer (IAB), o Coletivo de Empresários e Empreendedores Negros de São Paulo (CEABRA/SP) e o Sebrae para lançar o projeto Brasil Afroempreendedor, Desenvolvimento e Fortalecimento do Empreendedorismo Afro-Brasileiro. Durante dois anos, o projeto vai buscar atingir mais de 1,2 mil afroempreendedores, em 12 estados do Brasil, construindo parcerias para a formulação da Política Nacional de Fortalecimento do Empreendedorismo Afro-Brasileiro.
Inserida neste contexto de empreendedorismo e atuando no mercado têxtil, a empresa Xongani procura contribuir para o resgate e valorização da cultura africana no Brasil através da moda. As empreendedoras Cris Mendonça e Ana Paula Xongani, mãe e filha, uniram-se para começar a empresa em 2010. Segundo elas, o mercado não dava conta de atender à diversidade dos gostos dos brasileiros afrodescendentes e a Xongani nasceu com o objetivo de atender esta carência.
Na empresa, mãe e filha dividem as funções da seguinte forma: Cris é responsável pela produção, criação e confecção das peças e Ana Paula faz a pesquisa de tecidos e o design das peças. A Xongani produz sapatos, anéis, brincos, colares e se propõe a atender ao que os clientes pedem, desenvolvendo peças exclusivas. Ana Paula explica que o termo Xongani vem do Changane – língua do Sul de Moçambique, na África – e significa algo como: arrumem-se, enfeitem-se ou fiquem bonitas(os). “É nesta região que buscamos os tecidos que é nossa principal matéria-prima. Queremos oferecer o colorido dos tecidos para ressaltar a beleza de crianças, mulheres e homens brasileiros com as fortes e alegres cores que caracterizam o design africano”, afirma Ana Paula. O processo de produção da Xongani é artesanal e, por isso, todos os produtos da empresa têm o status de peça única, garantindo exclusividade aos clientes.
Também atuando no ramo da moda, a loja Coisas de Jorge começou há quatro anos, quando Maurício Aquino, que é devoto de São Jorge, usava camisetas com o santo e diversas pessoas perguntavam onde ele havia comprado. Percebendo a oportunidade de mercado, ele começou a comprar as camisetas em grandes quantidades e revendê-las. Os pedidos foram aumentando e, para atender à demanda, Maurício resolveu abrir uma loja em sociedade com Rosemeire dos Santos. “A Coisas de Jorge nasceu da vontade de levar às pessoas um pouco mais sobre a história de São Jorge Guerreiro. E isso é feito com muito humor e reverência nas camisetas de São Jorge customizadas, com imagem, desenho e oração de São Jorge”, explica.
A loja – que fica no bairro Casa Verde, uma das regiões com forte tradição da cultura afrobrasileira na cidade de São Paulo – comercializa também camisetas com todas as linhas de Orixás. Maurício conta que procura participar das principais feiras e eventos para divulgar a marca. “Diferentes pessoas usam as camisetas de São Jorge, não só aquelas que participam de religiões de matrizes africanas”, comenta.
“Os afrodescendentes participam da economia criativa, da gestão empresarial e estão preparados para empreender”, afirma Adriana Barbosa, idealizadora e promotora da Feira Preta, na capital paulista. Para ela, os exemplos de microempreendedores que participam da feira mostram que o negro brasileiro busca hoje uma nova realidade, através do negócio próprio e, assim, conquista independência financeira.
A Feira Preta é dirigida aos afrodescendentes e a todos os interessados na cultura negra. Este movimento começou pequeno na Praça Benedito Calixto, em São Paulo, com o propósito de reunir todas as linguagens artísticas e expositores que tivessem produtos e serviços voltados a uma estética negra. Hoje, após 11 edições da feira, o encontro se consolida como um marco para o empreendedorismo afro, atraindo mais de 100 mil visitantes ao longo de sua história e contabilizando uma movimentação monetária na ordem de R$ 3 milhões.
Criada pela empreendedora Adriana Barbosa, em 2002, o evento agrupa dezenas de empreendedores de diferentes regiões do País. A 12ª edição da Feira Cultural Preta, que é considerada a maior feira de cultura negra da América Latina, vai acontecer no dia 15 de dezembro, no Palácio de Convenções do Anhembi, em São Paulo. Segundo Adriana, o objetivo é mostrar à sociedade o que está sendo produzido para o segmento negro, incentivando o desenvolvimento sustentável das micro e pequenas empresas, gerando emprego e renda. Adriana comenta que, apesar de a dimensão do evento ter mudado, o formato segue a ideia inicial de reunir num mesmo espaço todas as linguagens artísticas para difundir a cultura negra e também para mostrar os produtos e serviços criados pelas MPEs para o público afrodescendente.
Adriana conta ainda que na primeira edição da feira haviam 40 expositores e, neste ano, o evento vai ter cerca de 100, além de participações de instituições, entre elas o Consulado Americano, Secretaria de Estado do Turismo e da Cultura de São Paulo. “A feira é um grande encontro da cultura negra voltada não só aos afrodescendentes, mas também à população em geral, em que é possível a população negra se ver e ter total identificação com o que está sendo produzido e apresentado”, afirma Adriana. A empreendedora relata que a Secretaria de Estado do Turismo de São Paulo participa do evento para divulgar roteiros e programações de turismo étnico na cidade de São Paulo. “É a primeira vez que São Paulo reconhece que existe um roteiro étnico e histórico com bairros e lugares que possuem forte referência à cultura negra”, destaca.
Mais de 100 micros e pequenas empresas de diversos ramos, como decoração, moda, beleza, livros e roupas vão expor seus produtos e serviços na feira. O evento também terá espaço para a divulgação da cultura afro contemporânea, através de apresentações musicais, literatura, dança, teatro, cinema, gastronomia e artes plásticas. “A feira serve para provar que o negro está participando ativamente da sociedade, produzindo, consumindo e refletindo o que realiza e por isso está mais visível para a sociedade”, declara Adriana.
A estimativa é que 16 mil pessoas passem pela feira neste ano. “Muito mais do que um evento cultural, a feira é resultado de um conjunto de iniciativas colaborativas, coletivas e inclusivas, num ambiente de encontro e valorização da cultura e do potencial de mercado deste segmento”, explica Adriana, também criadora do Instituto Feira Preta, organização que realiza atividades ao longo do ano, como as Pílulas de Cultura, que são encontros de artistas e expositores que trabalham com a temática afro-brasileira e o projeto Preta Qualifica, que prepara e capacita os microempresários de negócios étnicos e potenciais empreendedores para participar do evento Feira Preta.
Adriana conta ainda que, nos anos de 2009 e 2011, foi realizada uma pesquisa sobre o perfil dos visitantes da feira e detectou-se a presença de 80% de negros, homens e mulheres, entre 18 e 35 anos, na sua maioria, das classes B e C. O valor médio gasto durante a feira ficou entre R$ 20 e R$ 100, especialmente na compra de alimentos, bebidas e roupas. Mais de 25% dos visitantes chegaram em grupos ou caravanas de 10 ou mais pessoas, sendo 80% do Estado de São Paulo. E, cerca de 30% vão à feira por curiosidade, 50% visitaram pela primeira vez e mais de 85% se interessaram em estar nas próximas edições.