Gerson Pinto

A área de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) foi uma das mais afetadas pelos im­pactos da crise financeira mundial no Brasil, o que resultou na diminuição da taxa de inovação na indústria brasileira nos últimos anos. Atual presidente da Associação Nacional de Pesqui­sa e Desenvolvimento das Empresas Inovado­ras (Anpei), Gerson Pinto avalia, nesta entre­vista, o cenário para inovação tecnológica no País hoje, indicando os acertos e entraves das políticas voltadas ao setor. Vice-Presidente de Inovação da Natura, Gerson passou também pela diretoria dos programas de inovação da Unilever e da Johnson & Johnson. É formado em Química pela Unicamp com Pós-Graduação em Marketing pela ESPM.

A indústria brasileira faz inovação disruptiva?

Gerson Pinto – A indústria brasileira ainda não tem essa característica de maneira con­solidada, que está mais presente nas grandes empresas multinacionais com atuação global. Contudo, o Brasil tem um conjunto importan­te de empresas que fazem inovações incre­mentais de maneira contínua. As empresas associadas da Anpei, inclusive as de pequeno porte, são um exemplo das que já incorpora­ram a inovação em sua estratégia de negócio e a realizam de forma ininterrupta.

Quais são os estados onde as empresas são mais voltadas à inovação?

Gerson – A edição mais recente da Pesquisa de Inovação Tecnológica (Pin­tec), realizada pelo IBGE, mostra dados de 2011. Naquele ano, e confirmando o que vinha acontecendo em anos anteriores, o estado de São Paulo liderava, com 10.477 empresas que realizaram atividades inova­tivas. Os demais estados eram Minas Ge­rais, com 4.582 empresas; Rio Grande do Sul, com 3.831; Paraná, com 2.863, e Santa Catarina, com 2.732 empresas. Em termos de valores investidos em inovação, as em­presas de São Paulo mantêm a liderança, com R$ 22,7 bilhões, seguidas pelas de Minas Gerais, com R$ 6,4 bilhões. A partir daí, a ordem é: Rio de Janeiro, R$ 6,1 bi; Santa Catarina, R$ 2,9 bi; e Rio Grande do Sul, R$ 2,8 bi.

A taxa de inovação na indústria brasileira caiu de 38,1% para 35,7% no triênio 2009-2011, segundo a Pintec. Na sua avaliação, quais são os motivos desta queda?

Gerson – A grave crise financeira mundial eclodiu em outubro de 2008, continuou muito vigorosa nos dois anos seguintes e começou a arrefecer somente a partir de 2011. Ou seja, os ventos dessa crise sopraram fortemente exatamente no período coberto pela última Pintec. Sem dúvida, esse é o motivo principal para a queda da taxa de inovação apontada na pesquisa, uma vez que a maioria das empresas, diante de um cenário mundial crítico, desaceleraram seus investimentos em geral, inclusive em pesquisa, desenvol­vimento e inovação.

A Anpei trabalha com alguma estimativa para esta taxa no atual triênio (2012-2014)?

Gerson – É muito difícil fazer uma estima­tiva e queria ponderar os seguintes pontos. De um lado, temos que certamente em 2012 ainda havia um efeito muito forte da crise de 2008. Foi um ano em que a maioria das em­presas ainda estava analisando o que fazer; o epicentro do furacão já havia ficado para trás, mas ainda não se sabia bem das condi­ções para se reparar as devastações por ele provocadas. De outro lado, especificamente em termos de Brasil, há a possibilidade de que em 2014 as atividades inovativas das empresas tenham sido mais intensas. O fato que nos permite fazer essa inferência são os valores crescentes de crédito para projetos de PD&I contratados pelas empresas junto à Finep. Segundo números informados pela agência, em 2012 foram contratados R$ 2,63 bilhões. Já em 2013, foram R$ 6,27 bilhões. Como a liberação desses recursos começa no ano da contratação do crédito e se esten­de para mais um ou dois anos, é previsível que em 2014 esteja ocorrendo um aumento das atividades inovativas das empresas que tomaram recursos da Finep. No entanto, estamos vivendo atualmente num ambien­te macro econômico complexo, com baixo crescimento da economia, inflação no teto da meta, dificuldades no setor industrial, que certamente não são estímulos ao capital inovador. Em resumo, é muito difícil estimar como a taxa de inovação irá se comportar no atual triênio, pois há ventos que sopram na direção de uma performance melhor e ou­tros mais conservadores .

Em sua Carta de São Paulo, publicada em abril, a Anpei destaca que o avanço do conhecimento científico brasileiro não se traduz em aumento da produtividade industrial. Na sua avaliação, quais são os entraves para que tenhamos esse quadro?

Gerson – Creio que tínhamos um grande entrave, que aos poucos está sendo supe­rado. Esse grande entrave é que o País teve políticas de desenvolvimento científico e de desenvolvimento industrial bastante dis­tintas. A partir dos anos 1950, enquanto a pesquisa científica acadêmica era estimulada com bolsas para pós-graduação, fomento não reembolsável para projetos, verbas para construção de laboratórios, etc., a pesquisa científica industrial praticamente inexistia. A única atividade inovativa da indústria bra­sileira era importar máquinas que haviam sido objeto de P&D em outros países, para fabricar produtos que também haviam sido desenvolvidos no exterior. Desde o final dos anos 2000, esse quadro está ficando para trás. Hoje há áreas de interação entre a política científica e tecnológica e a política industrial; há um maior interesse tanto das empresas como das instituições de pesqui­sa para a realização de projetos de P&D em parceria entre elas; há iniciativas como a Em­brapii, que resultou da articulação entre os setores industrial e acadêmico e o governo. Temos muito que andar, mas, com certeza, já descobrimos o caminho.

Qual a sua avaliação sobre as atuais políticas de incentivo por parte do governo?

Gerson – O Brasil ainda é tímido no fi­nanciamento público à empresa inovadora. Houve um salto importante com o Plano Inova Empresa, pelo qual o governo federal anunciou R$ 32,9 bilhões para projetos de P&D em 2013 e 2014, mas ainda assim esse montante de recursos se mostrou tímido na comparação com a demanda das empresas. Os editais já lançados dentro do Inova Em­presa disponibilizaram cerca de R$ 20 bilhões, mas as empresas apresentaram propostas de projetos que somaram R$ 93 bilhões. Esses números são reveladores de que as políticas de incentivo do governo estão menores do que a disposição das empresas em inovar. Nossa expectativa, portanto, é que o governo, a exemplo do que fez com o Inova Empresa, continue ampliando o volume de recursos para projetos empresariais de P&D.

E, especificamente, sobre a Lei do Bem, que de­fine incentivos fiscais às empresas que realizam pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inova­ção tecnológica?

Gerson – A Lei do Bem foi muito bem-vinda, inclusive a Anpei trabalhou bastante, durante muitos anos, para que o Brasil con­tasse com incentivos fiscais para inovação. A Lei do Bem tem um aspecto muito positivo, que é permitir que as empresas utilizem os in­centivos fiscais sem que o governo tenha que aprová-los previamente. Quer dizer, a empre­sa faz o gasto com inovação, abate esse gasto no Imposto de Renda e na CSLL e só depois informa o governo, que, então, vai verificar se a empresa procedeu ou não dentro da Lei. Por outro lado, a Lei do Bem tem uma limita­ção séria: os incentivos fiscais podem ser utili­zados somente por empresas que declaram o Imposto de Renda pelo regime do lucro real, que é uma porcentagem mínima, cerca de 6% a 8%, das empresas brasileiras. As empresas que declaram pelo Lucro Presumido, que são a maioria, não podem usar os incentivos da Lei do Bem. A Anpei vem lutando para mudar esse quadro, principalmente porque a quase totalidade das empresas de pequeno porte declaram o IR pelo lucro presumido.

E quanto à atuação das fundações de amparo à pesquisa, em âmbito estadual?

Gerson – Elas são importantíssimas, principalmente porque possibilitaram que o sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação tenha capilaridade por todo o País. As FAPs, como são chamadas as fundações estaduais de amparo à pesquisa, têm, a meu ver, três virtudes essenciais e encadeadas entre si. Uma, as FAPs interagem com as agências federais, ou seja, elas não só levam para seus respectivos estados programas do CNPq e da Finep para o financiamento à pes­quisa, bolsas, fixação de pesquisadores, etc., como partilham com essas agências os cus­tos desses programas. Outra virtude é que as FAPs têm conhecimento suficiente para desenvolver políticas de ciência, tecnologia e inovação condizentes com as características e necessidades de seus estados. Por fim, em razão das duas virtudes anteriores, e consi­derando que ciência, tecnologia e inovação visam sempre o desenvolvimento econômi­co e social, é certo que a atuação das FAPs ajuda a superar os desequilíbrios regionais existentes em nosso País.

O que ainda cabe ao governo para melhorar este cenário?

Gerson – As atividades de ciência, tecno­logia e inovação não param nunca e estão sempre em evolução. Em razão dessa dinâ­mica, do tamanho do Brasil e do nosso atu­al estágio de desenvolvimento, é certo que os governos federal e estaduais terão que continuar a destinar recursos crescentes à ciência, tecnologia e inovação. Há recursos, mas para superar os desafios do desenvolvi­mento, eles precisam ser aumentados. Além disso, todos os níveis de governo, incluindo, portanto, as prefeituras, precisam aumentar os investimentos e melhorar a gestão em educação, principalmente no ensino bási­co, que compreende a pré-escola, o ensino fundamental e o ensino médio. É a educação de qualidade que vai fazer o Brasil melhorar praticamente todos seus cenários.

Outro ponto-chave é aumentar nossa inser­ção no cenário internacional. Temos uma agenda externa muito tímida no tocante ao desenvolvimento da ciência, da tecnologia, da inovação, e baixa inserção em cadeias produtivas globais de alto valor agregado. É necessário ampliar nossos programas de desenvolvimento tecnológico e fomentar mais acordos comerciais. Nesse sentido, o governo tem um papel bastante importante.

Segundo a Brasscom (Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação e Comuni­cação), nos dois últimos anos o mercado de Tec­nologia da Informação, que representa 5,2% do PIB brasileiro, cresceu acima da média mundial. O dado pode ser considerado um indicativo de que, neste segmento, o País já segue um bom ritmo?

Gerson – Um aspecto importante do mer­cado de TI é que o software está presente em todos os tipos de atividade e tem uma capacidade muito grande de ajudar a impul­sionar o desenvolvimento da economia na­cional como um todo. Além disso, o software tornou-se uma ferramenta indispensável à inovação, em todos os setores econômicos e em todas as modalidades inovadoras: no desenvolvimento de um produto, na gera­ção de um novo processo de fabricação, na formatação de um novo modelo de negócio ou na definição de novas ações de marketing. Sem software, não há inovação. Nesse senti­do, os dados da Brasscom são reveladores de que o Brasil está num bom caminho em relação ao mercado de software. Além disso, o Brasil conta também com legislação e pro­gramas de incentivo ao desenvolvimento de softwares. A Lei de Informática, instituída em 1991, oferece incentivos fiscais a empresas de TI. Em 2013, o setor se beneficiou de R$ 4,3 bilhões em renúncia fiscal, o dobro do que se beneficiara em 2006. Ou seja, é um indicador de que o desenvolvimento de software no Brasil está num bom ritmo de crescimento.

E quanto às atuais políticas voltadas às start-ups, como o regime tributário diferenciado e o lançamento de programas de capacitação e aceleração como o InovAtiva Brasil. Estas medi­das devem garantir as condições para inovação neste setor?

Gerson – Além de ser uma oportuni­dade para empreendedores iniciantes, as startups são indispensáveis para que o ecos­sistema de inovação seja permanentemen­te alimentado por novas empresas, novos produtos e novos processos. Assim, pelos desafios que enfrentam, pelos riscos que correm e pelo futuro positivo que podem prenunciar, a Anpei é plenamente favorável ao estabelecimento de um regime tributário diferenciado para startups. Há um projeto com esse objetivo em tramitação na Câma­ra Federal e esperamos que seja aprovado. Quanto ao programa InovAtiva, executado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indús­tria e Comércio Exterior, para colaborar com novos empreendimentos de base tecnológi­ca, também somos totalmente a favor. A vida nos mostra que uma startup hoje poderá ser uma grande empresa amanhã.

Qual é a expectativa da Anpei com a publicação da Carta de São Paulo?

Gerson – A Carta de São Paulo expres­sa um conjunto de reflexões, preocupações e sugestões da Anpei com relação ao ecos­sistema de inovação no Brasil. O documento resultou dos debates e apresentações feitas na 14ª Conferência Anpei, realizada no final de abril, em São Paulo, que contou com cer­ca de 1,5 mil participantes entre represen­tantes de empresas, instituições de pesquisa e órgãos públicos. Nossa expectativa é que as sugestões da Carta encontrem ressonância na sociedade brasileira em geral e que pos­sam ser executadas pelos órgãos ou setores competentes. As três primeiras sugestões se referem à necessidade de prioridade para a educação e o fortalecimento da cultura empreendedora no Brasil, para o desenvol­vimento de uma forte cultura de gestão da propriedade intelectual, e para políticas pú­blicas que estimulem a criação de startups. Pedimos também que os investimentos em inovação sejam prioritariamente para áreas transversais e portadoras de futuro: biotecnologia, materiais de alto desempe­nho, energia, mobilidade, saúde, ciências da vida, agronegócio e TICs. Por fim, pedimos estímulos claros à inovação nas cadeias pro­dutivas e modernização contínua dos instru­mentos de apoio à inovação e das agências de fomento. Em resumo, trata-se de uma agenda para acelerar e qualificar o desenvol­vimento do País.

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