Alto impacto

Desde os tempos de escola, em São Miguel do Oeste, interior de Santa Catarina, a farmacêutica e doutora em nanotecnologia Betina Griehl Zanetti Ramos, 35 anos, já enxergava para si um futuro de grandes realizações. Em uma redação escolar, imaginou-se dando uma entrevista ao Jornal Nacional por algo inovador que havia criado. Provavelmente um produto revolucionário inspirado nas experiências que fazia na época juntando ingredientes naturais como folhas e água. Hoje, Betina é diretora técnica da Nanovetores – Encapsulados de Alta Tecnologia, empresa catarinense altamente inovadora que ela criou em 2008 com o marido Ricardo Henrique Ramos.

Betina também faz parte de um pequeno grupo de mulheres que lideram empresas de alto crescimento (EACs). Segundo classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), são negócios que apresentam aumento médio de empregos de 20% por pelo menos três anos. De acordo com a pesquisa Estatísticas de Empreendedorismo 2010, divulgada em novembro e realizada pelo IBGE em parceria com a Endeavor, organização internacional que promove o empreendedorismo de alto impacto, em 2010 existiam no Brasil pouco mais de 33 mil EACs, apenas 1,6% do total de negócios com assalariados no País e 0,7% do total. No entanto, entre 2007 e 2010, essas empresas responderam por quase 60% dos empregos gerados (3,2 milhões de um total de 5 milhões de novos vínculos empregatícios), o que representou um aumento de 175,4% em seus quadros.

Por isso o nome alto impacto, ou seja, a atuação das EACs reflete fortemente nos resultados da economia, especialmente na geração de empregos e no PIB. Conforme o levantamento do IBGE, em 2010 a receita líquida média gerada por uma empresa de alto crescimento orgânico – que exclui do grupo aquelas que passaram por mudanças estruturais (cisão, fusão e incorporação) – foi 123,9% maior do que a gerada por uma empresa ativa com 10 ou mais pessoas ocupadas assalariadas (R$ 22,6 milhões contra R$ 10,1 milhões).

A pesquisa também destaca as chamadas empresas gazelas – as EACs mais novas, com no máximo oito anos de vida. Em 2010, elas representavam 37,3% das empresas de alto crescimento e 0,3% do total de negócios no Brasil. A Nanovetores é uma delas. Nos últimos três anos, pulou de três para 17 funcionários e o faturamento, que em 2010 foi de R$ 30 mil, deve fechar 2012 na casa de R$ 900 mil. A expectativa para 2015 é faturar R$ 8,7 milhões com 43 funcionários.

Tecnologia de ponta
A empresa, instalada na incubadora Centro Empresarial para Laboração de Tecnologias Avançadas (Celta), em Florianópolis, desenvolve e produz ativos para encapsulados de alta tecnologia destinados à indústria cosmética, farmacêutica, veterinária, têxtil e alimentícia. No início deste ano, recebeu aporte de capital do Fundo Criatec, ligado ao BNDES, mas os fundadores continuam como sócios majoritários. O sucesso da Nanovetores surpreende a própria fundadora, que há bem pouco tempo nem pensava em ser empreendedora. Formada em Farmácia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Betina se apaixonou pela pesquisa no mestrado e, principalmente, no doutorado que fez pela UFSC e pela Université Bordeaux 1, na França.

O caminho mais óbvio para a doutora seria a academia e Betina até já se imaginava seguindo carreira nessa área. Mas sua tese sobre encapsulação utilizava técnicas diferenciadas e inovadoras e chamou muita atenção da banca de doutorado. Quando começou a participar de feiras de negócios, percebeu com o marido que havia mercado para os produtos que desenvolvia em suas pesquisas. Hoje, a Nanovetores tem duas grandes multinacionais do setor de cosméticos no portfólio de clientes. “É um grande orgulho para mim porque são empresas que contam com grandes centros de pesquisa e desenvolvimento”, destaca Betina. O acordo com as transnacionais inclui cláusula de confidencialidade.

A Nanovetores tem mais de 400 empresas cadastradas, ou seja, com interesse nos mais de 30 produtos revolucionários desenvolvidos por seus laboratórios. Entre eles, o Nanovetor DMAE, um encapsulado que potencializa a ação tensora desse ativo na pele; e o Nano Liss, que promove o tão cobiçado efeito disciplinador e liso dos fios de cabelos. Betina explica que a grande vantagem da tecnologia de encapsulamento é que ela protege as substâncias de ações naturais como a oxidação, aumentando consideravelmente sua eficácia em diferentes segmentos de produtos. No momento, a Nanovetores está se preparando para ingressar com força em outros dois setores da economia, o têxtil e o veterinário.

Para Betina, seu lado empreendedor foi ganhando força com os contatos de mercado. Aliás, ela acredita que a empolgação de quem desenvolve a tecnologia tem sido fundamental para cativar compradores. Betina se recorda de uma viagem recente que fez à Colômbia para prospectar clientes. Seu parceiro comercial no País a alertou sobre o pouco tempo que os executivos costumavam dedicar às apresentações de inventores. “Para meu espanto, fiquei duas horas falando”, conta orgulhosa. E dizer que no início da empresa ela enfrentou um dilema sobre se continuava seu negócio ou se aceitava o chamado de um concurso público que havia feito tempos antes.

Líder de mercado
O mundo dos negócios também teve a sorte de contar com outra empreendedora de alto impacto: Cristina Gonçalves Bittencourt, 34 anos. Há 11 anos, ela é uma das diretoras da Agriness, empresa que ajudou a fundar quando ainda fazia a graduação em Computação na UFSC. Hoje a Agriness é referência em soluções e modelos de gestão da informação para o agronegócio, com forte atuação na suinocultura brasileira e líder no setor com 70% do mercado. São mais de 1,5 mil clientes no Brasil e mais de 1,1 milhão de matrizes suínas gerenciadas por softwares desenvolvidos pela empresa. A tecnologia também é exportada para toda a América Latina e alguns países da Europa.

A ideia do empreendimento foi de um colega de faculdade, Everton Gubert, atual diretor de Inovação e Negócios da Agriness, que chamou Cristina para ajudar a desenvolver um sistema de gestão para granjas. “Desde que entrei na universidade, sempre tive vontade de ter um negócio. De vez em quando ainda dá um frio na barriga, mas é muito gratificante ver como o nosso produto contribui para o desenvolvimento e o sucesso de outros negócios”, destaca Cristina, que responde pela diretoria de Tecnologia e Comunicação. A empresa deixou de ser uma referência apenas em software de gestão de granjas para se tornar referência em gestão de informação de toda a cadeia da suinocultura.

Nos últimos três anos, o faturamento da Agriness cresceu 84%, média de 28% ao ano. Com relação ao número de funcionários, o aumento no período foi de 45%, média de 15% ao ano – a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (Ocde) considera a receita outro critério de classificação de EAC. “Em 11 anos de história, tivemos crescimento do faturamento inferior a 15% apenas em dois anos”, destaca Cristina. No momento, a empresa está desenvolvendo um novo produto que deve ser lançado no mercado em 2014. “É uma inovação de ruptura. Já estávamos sentindo falta de um novo desafio. Estamos no final de um ciclo, atingimos o que tínhamos planejado, e é hora de darmos um novo salto. Com esse novo produto, esperamos, no mínimo, dobrar nosso faturamento em 2014”, anuncia a empreendedora.

Inovação em foco
Quem também está feliz com os progressos de seus negócios é a carioca Hadeliane Iendrike, 33 anos, sócia-diretora da SE7Ti, empresa especializada em soluções empresariais com tecnologia e inovação. Criada em 2010, a SE7Ti faturou R$ 2 milhões no ano passado e espera fechar este ano com uma receita de R$ 2,5 milhões. Na lista de clientes destacam-se Petrobras e Ipiranga. Quando decidiu criar a empresa com um grupo de amigas, Hadeliane queria transformar pesquisas de ponta em produtos inovadores que tivessem aplicação prática no mercado. Entre os produtos, um sistema que lê e organiza textos não estruturados, como a troca de e-mails importantes para a gestão de um negócio.

Ser empreendedora sempre esteve nos planos de Hadeliane. “Eu via as pessoas ao meu redor reclamando do trabalho, esperando ansiosamente o fim de semana, e não queria passar por isso. Eu sabia que se quisesse trabalhar com vontade teria que criar a minha empresa”, afirma a empresária, que nunca trabalhou com carteira assinada. Com a SE7Ti, a rotina se tornou bastante corrida, mas Hadeliane não reclama. Ela conta que o maior desafio foi deixar a lógica da academia e pensar como empresa. “Mas o fundamental é conhecer profundamente a área e aplicar esse conhecimento em serviços novos e eficazes. Nosso diferencial é a busca constante por inovação. Queremos estar sempre um passo à frente”, conclui Hadeliane.

Questões de gênero
Exceções no mercado de empresas de alto crescimento, Betina, Cristina e Hadeliane preferem passar ao largo das discussões sobre as questões de gênero no meio corporativo. “Estudei em uma turma de cerca de 40 alunos com, no máximo, três mulheres. Mas na faculdade já me via como uma profissional, e não como uma mulher. Acho que esse fato – de não enxergar homens e mulheres, mas profissionais, me manteve bem no mercado”, destaca Hadeliane. Para Cristina, a pequena presença de mulheres em cursos das áreas de tecnologia resulta no baixo número de mulheres na administração de negócios inovadores. “Na minha turma de 40 alunos havia apenas quatro ou cinco mulheres. Isso se reflete nas equipes de TI e na direção das empresas”, avalia.

De acordo com uma pesquisa divulgada neste ano pela Endeavor, o sexo feminino pode contribuir muito na gestão de empresas de alto crescimento. O levantamento concluiu que mulheres empreendedoras retêm mais talentos e criam mais serviços inovadores do que os homens. Enquanto 57,7% deles declararam ter dificuldades na área de recursos humanos ou no processo produtivo, este percentual cai para 34,6% entre elas. As empresárias também trazem mais inovação ao setor de serviços, segmento que responde por 60% do PIB no Brasil. A sondagem ouviu empreendedores de companhias com alto crescimento e faturamento anual entre US$ 10 mil e US$ 10 milhões.

Para Amisha Miller, gerente de Pesquisas e Políticas Públicas da Endeavor Brasil, discutir as diferenças entre o empreendedorismo feminino e masculino é importante para ajudar a resolver possíveis dificuldades das mulheres na liderança de empresas de alto crescimento. Um exemplo esclarecedor é o fato dos homens inovarem mais na criação de produtos, enquanto as mulheres se concentram em inovações no setor produtivo (novas técnicas de marketing, recursos humanos e integração da equipe). O resultado desse comportamento é que as inovações feitas por elas são menos visíveis, o que dificulta o acesso a financiamentos. O estudo mostrou que 38,5% dos empreendedores receberam financiamento, contra 19,2% das empreendedoras.

Outro diferencial percebido pela sondagem da Endeavor é que as mulheres têm uma rede de contatos menor do que os homens, mais um limitador para o desenvolvimento dos negócios. Amisha explica que isto acontece principalmente porque elas tendem a ter menos sócios. Segundo o estudo, apenas 26% das empreendedoras têm três ou mais sócios, metade do índice entre homens. Por conta disso, as mulheres também são menos confiantes do que eles no início do negócio. “As mulheres estão mais isoladas e isso não é bom. Na Endeavor, nós trabalhamos muito com networking, troca de ideias entre os empreendedores, cursos, depoimentos, palestras”, diz Amisha.

Ela conta que no início da pesquisa era comum ouvir das mulheres entrevistadas que o gênero não faz diferença no mundo do empreendedorismo. Mas no decorrer das entrevistas muitas relataram episódios em que sentiram dificuldades pelo fato de ser mulher. Uma delas, por exemplo, declarou acreditar que se fosse homem seria mais fácil interagir com bancos de fomento. “A pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM) mostrou que metade dos empreendedores brasileiros era mulher, e nós trabalhávamos apenas com oito. Fizemos a pesquisa porque queríamos aumentar esse número e para isso precisávamos entender melhor as mulheres”, explica Amisha. Hoje, a Endeavor Brasil apoia 16 mulheres.

O Brasil tem uma das mais altas taxas de empreendedorismo feminino entre os 54 países participantes da pesquisa GEM, ocupando a quarta colocação em proporção de mulheres empreendedoras (49%). A média mundial é de 37%. Um dos segmentos onde a presença feminina tem sido cada vez maior é o franchising. “Pela primeira vez, o número de mulheres interessadas em comprar uma franquia foi maior do que o de homens, passando de 39% em 2011 para 58% em 2012. Dados da Associação Brasileira de Franchising mostram que 40% dos compradores são mulheres”, destaca Filomena Garcia, diretora da Franchise Store, empresa do Grupo Cherto que já comercializou mais de 300 franquias em quatro anos de existência.

Na avaliação de Filomena, o aumento do número de mulheres que abrem uma empresa no Brasil é uma tendência natural dos avanços que o sexo feminino obteve no Brasil nas últimas décadas. “O desenvolvimento da mulher no mercado de trabalho vem despertando uma via mais empreendedora, influenciada também por um número cada vez maior de mulheres assumindo altos cargos. Isso cutuca as outras mulheres, mostra o quanto elas são capazes. Hoje é grande o número de mulheres que inspiram outras a ter coragem para encarar cargos de liderança. E depois que você chega lá o melhor mesmo é não pensar nas dificuldades porque o medo tende a minimizar as chances de sucesso. Faça do seu jeito e não pense no que pode dar errado, mas no que pode dar certo.”

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