A Apple não precisa existir

19|10|2011

Estavam reunidos há dias, os vários gênios. Verdadeiros gênios, como o Secretário da Defesa Robert McNamara, Dick Bissell, da CIA, e o presidente John Kennedy. A questão, nos idos de 1962, era clara: ou os EUA deixavam a União Soviética instalar mísseis em Cuba –portanto com distância fácil para atingir os EUA– ou uma quarentena dos mares impedia a chegada de novas armas. Neste segundo caso, Kruschev apertaria o famoso botão vermelho, iniciando a terceira guerra mundial, desta vez atômica?

Centenas de teses tentaram elucidar a decisão que esta turma tomou, e que resultou do fiasco da Baia dos Porcos, desembocando na Crise dos Mísseis. Sem o apertar do botão, afinal –razão pela qual você está vivo para ler este artigo.

A conclusão mais interessante é a de que meteram os pés pelas mãos por que a decisão foi por comitê. Tivesse o Kennedy decidido soz inho e o final teria sido outro. Em grupo, os pontos fora da curva são aplainados. Coletivos não fazem grandes bobagens, só fiascos médios, e também não ousam.

É como a humanidade sempre se protegeu, avançando lentamente. Tanto assim que alguns dos países mais ricos do mundo, como a Arábia Saudita, proíbem mulheres de dirigirem. Os humanos andam bem devagarinho.

A tecnologia engana, e dá a impressão de que estamos andando a passos largos. Vide o acelerador de partículas em Genebra, que agora coloca uma dúvida sobre o Einstein ter errado, e ser possível um neutrino viajar a uma velocidade maior do que a luz –o que seria um divisor de águas em toda a física.

Steven Jobs não decidia em grupo. Ouvindo o zunido de um ventilador num computador a ser lançado, usou da prerrogativa monárquica –o bichinho voltaria à prancheta até que se inventasse a ventilação silenciosa. Qualquer comitê teria privilegiado o cronograma de pr odução e a necessidade de faturamento. Também quando errou com o Apple III, Jobs estava sozinho em suas convicções.

A pergunta que não cala é: uma empresa deve sempre sobreviver ao seu fundador? Ou é aceitável que ela exista apenas como veículo para um talento particular, vindo a morrer, lenta mas inexoravelmente, em seguida?

Só para ficar neste ramo, a IBM é uma sombra do que foi abaixo de Tom Watson Sr., a HP degringolou depois que Bill Hewlett se aposentou, e a Dell é só o Michael Dell. Netscape, Lycos e Atari –que foram todos líderes inovadores –não existem mais. A própria Microsoft, que dez anos atrás valia dezenas de Apples, agora vale bem menos do que uma.

Jobs, espiando do lado de lá, como tantos fundadores que se foram, deseja a perenidade deste seu veículo? Ou sabe que é apenas vaidade querer ver a empresa viver um século? Zuckerberg quer ver a rede Facebook viva e atuante daqui a 45 anos? É relevante, ou me smo possível?

Talvez o caso Jobs nos lembre que não é preciso criar uma empresa para o todo sempre. É perfeitamente legítimo que seja uma extensão do fundador, enquanto durar, à la Vinicius. Se a Apple começar a tropeçar, com seus cinco membros do Politburo aplainando os extremos, não faz diferença. A não ser para os saudosistas.

Nosso próximo aparelho "high-tech" virá da Samsung coreana, da Haier chinesa ou da XXL californiana. Os empregados trabalharão em outro lugar, com o mesmo salário e sala, os fornecedores venderão para o novo rei do pedaço, os mercados globais se curvarão às novas majestades.

O rei está morto, longa vida ao rei! Foi-se um gênio especialmente genial, não resta dúvida. Ficou uma empresa normal. Que não tem licença para existir para sempre. Em todo gênio, um louquinho que ameaça apertar o botão vermelho, em cada comitê uma história de pequenos fiascos. Nem Baia dos Porcos, nem i4Ever.

Ricardo Semler é empresário, foi scholar da Harvard Law School e professor de MBA no MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts).

Facebook
Twitter
LinkedIn