Biscoitos da sorte

Em um momento dramático da vida por causa de um grave acidente, o jovem João Leite Praça, na época com 18 anos, desolado no hospital, sabendo que tinha perdido os movimentos do braço esquerdo, se perguntava o que seria de sua vida. Em meio à crise e tendo que ficar hospitalizado para se recuperar, começou a observar o movimento da cantina e percebeu que a rosca de polvilho era muito pedida. Como empreendedor nato que era, João saiu do hospital com a ideia fixa de fabricar e vender biscoitos de polvilho. Assim começa a história da Cassini, líder nacional na fabricação e comercialização de biscoitos de polvilho.

João conta que depois de uma breve conversa com o dono da cantina do hospital descobriu que o biscoito de polvilho praticamente sustentava a cantina dele. “Ele vendia de 150 a 200 pacotes por dia do biscoito. E minha mãe, dona Eliana, fazia um biscoito de polvilho maravilhoso. Saí do hospital pronto para colocar o projeto em prática”, lembra o empresário.

A família de João sempre teve dom para os quitutes da cozinha mineira. A avó de João já fazia biscoitos de polvilho e bolos. A mãe de João deu continuidade à tradição na padaria da família, onde trabalhava com o pai de João, Mauro Leite Praça. Inclusive, a padaria, hoje, tem duas lojas e ganhou prêmio por estar entre as dez melhores do Brasil. Mas João não pensava em continuar trabalhando na padaria. “Sempre planejei customizar algum produto da padaria, pois não gosto de varejo”, afirma. 

A mãe de João ajudou muito no começo do negócio, colocando a “mão na massa” literalmente para produzir os biscoitos, e o pai de João, que já tinha padaria, deixava-o usar o espaço e a mão de obra de dois funcionários para fabricar o produto. Mais tarde, João vendeu um terreno para comprar uma máquina e potencializar o processo de produção. Manualmente, eles conseguiam fabricar 150 pacotes por dia, e com a máquina, 1 mi1 pacotes por dia. Assim ele foi crescendo. “Tinha um horário em que a padaria parava – das 16h às 22h – e nesse espaço de tempo fabricava o biscoito. Passei a ter 15 funcionários nesse período”, relata.

Porém, João não estava contente com o resultado final do produto. Ele achava que o biscoito era muito leve e volumoso, e queria fazer um biscoito mais denso para ser colocado em uma embalagem menor. Por isso, decidiu tirar o corante do biscoito e descartar qualquer produto químico de sua fabricação. Mas as vendas foram desastrosas. “O cliente comia com os olhos e queria o pacote grande. E o dono do estabelecimento, por sua vez, era o ditador: nem deixava eu colocar o produto à venda, não deixava o consumidor decidir.”

O empreendedor lembra, achando graça, que nesse período que recebia só “nãos” dos estabelecimentos, sua mãe e seus amigos diziam para ele parar de ser teimoso e fazer o que os clientes queriam. Nem assim João desistiu de comercializar seus biscoitos. Ao invés de ceder, resolveu enfrentar a situação, deixando de procurar os pequenos comércios e partindo para os grandes. “Fui atrás dos grandes supermercados, como Carrefour, que na época estava abrindo a segunda ou terceira loja no País”, conta.  Assim, ele convenceu o gerente do supermercado para vender os biscoitos na loja. Forneceu gratuitamente o produto e ficou na primeira semana na loja, enquanto estava aberta, fazendo o papel de promotor do biscoito. Na segunda semana, os biscoitos estavam sendo vendidos e o gerente do supermercado fez pedidos.

João passou um tempo tranquilo com os negócios em expansão e tudo funcionando bem. Em uma determinada ocasião, o pai de João ficou muito doente e chamou o filho para conversar. “Acredito que meu pai estava sentindo que ia morrer e pediu para eu dar um jeito de colocar minha produção de biscoitos em um outro lugar, longe da padaria. Acho que ele tinha medo que em uma família de oito irmãos, como era a nossa, depois que ele morresse, meus irmãos não deixariam eu continuar usando o espaço da padaria sem pagar nada, como eu vinha fazendo”, explica João.

Foi dessa maneira que João montou sua primeira fábrica de biscoitos. O ano era 1986, o plano econômico vigente era o cruzado e o pai de João foi o avalista do negócio. “Os juros eram baixos, mas não levou um ano, nem isso, acabou a eleição, os juros subiram exponencialmente e, dessa forma, tive que aprender a criar estratégias para sobreviver”, afirma. Somente em 1991 ele conseguiu sair do sufoco.  

Um pouco antes disso, em 1990, Cristina, irmã de João, propôs a ele montar uma fábrica em Amparo, interior de São Paulo. O produto foi bem aceito, venderam para supermercados e conquistaram a confiança para fabricar as marcas próprias das grandes redes. Entre 1994 e 1995, diante da grande demanda, a fábrica de Amparo ficou pequena. Foi quando traçaram um plano de expansão e montaram a terceira fábrica em Campinas (SP). “Nesse momento tínhamos mudado o processo de produção do biscoito, criando um produto tipicamente brasileiro. Automatizamos a produção e, com isso, não existia tecnologia no Brasil para produzir em larga escala”, relembra João.

Na época, ele chegou a procurar fabricantes de máquinas para explicar o que precisava. No entanto, novamente, recebeu muitas negativas. Ele constatou que isso ocorria porque, quando procurava esses fabricantes e falava que produzia biscoitos de polvilho, a maioria não confiava que ele pudesse ter dinheiro para pagar pela máquina, produzindo esse produto tão barato e popular. “Eles tinham preconceito”, conclui João.

Para resolver o problema, João viajou para a Itália em busca de quem pudesse ter para vender ou até mesmo construir a máquina que queria. Lá ele foi bem recebido, conheceu processos de produção de biscoitos e, finalmente, encontrou a máquina. Porém, a desvalorização do real ante o euro inviabilizou a compra da máquina. E como era de praxe, isso não foi empecilho para os planos de João. Ele já sabia como era a máquina e, então, resolveu construí-la em parceria com um fabricante de fornos de padaria. Quase dois anos depois e um investimento de R$ 1,5 milhão, o protótipo não dava a qualidade que ele precisava. Talvez por isso os fabricantes brasileiros ouviram falar da Cassini e resolveram confiar nele, vendendo as máquinas que necessitava.

Atualmente, a Biscoitos Cassini está em fase de automatização total com a matéria-prima chegando dentro de caminhões-tanques para a produção dos biscoitos. A fábrica de Campinas supriu a demanda da produção, porque também se modernizou e a empresa chegou no limite da capacidade de produção, totalizando a gigantesca quantidade de  400 quilos de biscoito por hora e 8 milhões de pacotes de biscoito por mês. “Estamos com 130 funcionários, e planejamos construir uma nova fábrica nos moldes da de Campinas, pois precisamos produzir ainda mais para atender as marcas próprias.”

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