As cobiçadas do varejo

Compra da Camicado pela Renner desperta o apetite de investidores para as redes de médio porte com grande potencial de expansão e presença em segmentos ainda pouco consolidados

A compra da rede de utilidades domésticas Camicado pela gaúcha Renner, no início do mês, surpreendeu pela discrição das negociações e pela decisão da rede de vestuário de entrar em um novo segmento. A aquisição parece ter servido de estopim para aguçar o apetite de fundos de private equity e de grandes empresas pelas redes de médio porte – sobretudo as regionais – com forte potencial de expansão nos próximos anos.

O varejo sobe posições na lista de prioridades de investidores à medida que o consumo das famílias se torna cada vez mais importante na economia brasileira. Em 2010, a demanda interna respondeu por 60% do Produto Interno Bruto. E, mesmo partindo de uma base forte, cresceu 10,3%, acima dos 7,5% do PIB como um todo.

A estabilidade econômica – auxiliada pela renda e pelo crédito mais robustos – ampliou a oferta de produtos que o consumidor pode comprar. E a consolidação do varejo nacional ao longo do tempo reflete essa evolução do consumo: o setor de supermercados e hipermercados é um dos mais consolidados, com forte presença de gigantes internacionais, como Carrefour e Walmart. O de bens duráveis, como eletrônicos e eletrodomésticos, também já tem concentração similar a de países desenvolvidos. O mercado de confecções, apesar de ainda altamente pulverizado, já viu o forte crescimento de redes como Renner, Riachuelo e Marisa nos últimos anos. Agora, ainda de olho nos segmentos tradicionais, grandes varejistas e investidores se preparam para ocupar territórios praticamente inexplorados.

Tome-se o caso do setor de cama, mesa e banho. Apesar do recente negócio com a Camicado e da compra da MMartan pela Coteminas, em 2009, uma das maiores redes desse mercado ainda é independente: a paulista Zelo. Com 42 lojas e faturamento de R$ 320 milhões por ano, a empresa ainda não se rendeu ao "canto da sereia" de fundos de investimento e de concorrentes. Apesar de já ter conversado com pelo menos uma dezena de interessados, o sócio-diretor Mauro Razuk – que divide o capital da empresa com quatro irmãos – conta que as propostas foram insuficientes para concretizar negociações formais.

A baiana Le Biscuit, rede de 15 lojas que vende de material escolar a brinquedos, também não avançou nas conversas. Mas o contato com investidores já causou mudanças na empresa, que decidiu buscar profissionais de mercado para os cargos de diretoria e contratar a Ernst Young para auditar suas contas.

Fundada há 43 anos, a rede experimentou uma forte expansão nos últimos cinco anos, pegando carona no aumento do poder de compra do nordestino. Álvaro Sant’Anna, presidente da rede, diz que o importante é acompanhar as mudanças nas aspirações do consumidor. "Hoje, sou uma loja para a classe C, mas com produtos de classe B. Quero me antecipar ao cliente", afirma.

À medida que o consumidor quer comprar mais e melhor, abre-se um variado cardápio de oportunidades para os investidores. Para Daniel Sterenberg, do fundo Carlyle, está claro que o consumo de "indulgências" ganha força e abre o leque de investimentos no varejo. "A compra da (operadora de turismo) CVC foi orientada por essa tese."

Atrás de um sócio. Outra rede de força regional, a mato-grossense Lojas Avenida chegou a 71 lojas nas regiões Norte e Centro-Oeste. Em 2011, quer faturar R$ 350 milhões. Para crescer, a rede de confecções, sapatos e cama, mesa e banho busca ativamente um sócio. Contratou banco de investimento e escritório de advocacia para atrair a atenção de um grande fundo de private equity e financiar sua ambição: ter, até 2015, 170 lojas no País e chegar a São Paulo e ao Rio.

Além da relação cada vez mais estreita com os fundos de participação, as redes de médio porte também se aproximam das gigantes do varejo, dispostas a pagar por uma possibilidade de expansão. Para Eduardo Seixas, sócio-diretor da consultoria Alvarez & Marsal, as aquisições vêm para ajudar na solução de dois problemas das grandes redes: o preço salgado e a oferta restrita de imóveis no País. "Para quem tem 130, 150 lojas, fica difícil achar pontos adequados em quantidade suficiente. Por isso, faz sentido crescer diversificando, com uma nova marca."

 

 

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