Comércio é a principal escolha de brasileiros que empreendem por oportunidade ou necessidade

Comércio é a principal escolha de brasileiros que empreendem por oportunidade e também por mera necessidade

O varejo é a principal porta de entradade novos empreendedores no Brasil. A conclusão é da última Pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM 2010 – 11ª edição), realizada no Brasil pelo Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade (IBQP) em parceria com o Sebrae. O estudo mostra que o Brasil é um país cada vez mais empreendedor e o comércio é a atividade onde mais se enxergam chances de sucesso. De cada 100 empresários que abrem negócios por perceberem uma oportunidade de mercado, 25 se tornam donos de lojas. Mas o comércio também é a escolha de 26% dos empreendedores que montam uma empresa por mera necessidade de gerar renda.

Esses dados da Pesquisa GEM revelam duas faces do varejo no Brasil: de um lado, um número crescente de negócios que tendem a ser mais promissores por terem sido criados com base em necessidades do mercado; de outro, lojas que, em geral, têm baixa expectativa de vida – afinal, só foram abertas porque seus empreendedores não encontraram outra opção para ganhar dinheiro. “É claro que as empresas criadas por necessidade podem virar grandes negócios, mas os empreendedores por oportunidade tendem a ser mais bem-sucedidos porque estão melhor direcionados”, explica Romeu Friedlaender, economista do IBQP.

O comércio varejista também responde pela maioria das microempresas no Brasil. De acordo com o Sebrae, a atividade representa 52% do total desses negócios, seguido do setor de serviços, com 33%, e da indústria, com 11%. Para se ter uma ideia da importância dessa representatividade, as micro e pequenas empresas (MPEs) geraram mais de 68% do total de empregos criados no País em maio passado, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho e Emprego. O varejo também lidera o número de empreendedores individuais (EI) formalizados, com 39% das adesões a esta nova figura jurídica, criada em 2009.

Especialista em varejo, o consultor Eugênio Foganholo lista duas razões para o comércio despertar o interesse de tantos empreendedores brasileiros. “A primeira é que os investidores estão percebendo que o varejo está crescendo a taxas até maiores do que o PIB (Produto Interno Bruto), o que de fato tem acontecido nos últimos anos”, destaca Foganholo. No ano passado, segundo dados da Pesquisa Mensal do Comércio, realizada pelo IBGE, as vendas do comércio brasileiro acumularam um crescimento de 10,9% em comparação aos resultados de 2009. No mesmo período, a receita nominal apresentou uma evolução de 14,5%.

Acesso fácil

Segundo Foganholo, a outra razão para a atividade varejista ser escolhida por 25% dos novos empreendedores é o fato dela apresentar baixa barreira de entrada. “O varejo permite investimentos iniciais relativamente modestos e tecnologias mais acessíveis”, explica. De fato, a 11ª GEM mostrou que 58,1% dos empreendimentos que fizeram parte do universo da pesquisa demandaram investimentos de menos de R$ 10 mil para serem abertos. Apenas 18,9% deles exigiram gastos superiores a R$ 30 mil. A pesquisa também mostrou que 36% dos valores usados para abrir o negócio eram de capital próprio. Nos Estados Unidos, esse percentual é de 86%, e na China, 67%.

Para Vítor Koch, presidente da Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Rio Grande do Sul (FCDL/ RS) e do Conselho Deliberativo do Sebrae no estado gaúcho, esta postura empreendedora observada no setor de comércio reflete as mudanças ocorridas no varejo nos últimos anos e também as que estão por vir – novas tecnologias e, sobretudo, a importância cada vez maior do controle das informações. “O varejo tem sido responsável por implantar e difundir as novas tendências do consumo junto à sociedade e, por isso, se coloca como importante elo entre o setor industrial e o consumidor”, avalia Koch.

O dirigente afirma que o cenário exigido para o varejo atual é totalmente compatível com as características necessárias ao empreendedorismo – capacidade de realização, iniciativa, persistência, eficiência e comprometimento com a qualidade. “Não basta ser dono do próprio negócio, é preciso romper paradigmas, buscar novos conceitos e trabalhar com foco no futuro e na sustentabilidade do negócio”, destaca Koch. No final do ano passado, a FCDL/RS lançou o programa Q Comércio, cuja proposta é levar os critérios de qualidade estabelecidos pela Fundação Nacional da Qualidade (FNQ) aos 75 mil lojistas associados à federação.

O programa utiliza um software especialmente direcionado para as atividades de gestão de projetos e processos das empresas. Desta forma, é possível trabalhar com indicadores referências e, assim, verificar e analisar os pontos que precisam ser desenvolvidos ou aqueles que estão com nível de excelência adequado. As empresas que conquistarem desempenho de excelência em seus processos receberão o Certificado de Qualidade emitido pela FCDL/RS e pela CDL local. Também conquistará o Selo de Qualidade para ser usado nas vitrinas de seus estabelecimentos a fim de mostrar a seus clientes e fornecedores que aquela loja alcançou grau de excelência.

O consultor Eugênio Foganholo lembra que o comércio exige um preparo cada vez maior de seus donos, pois está se tornando uma atividade bastante complexa e sofisticada. Com o aumento da competitividade, nunca é demais reforçar que o consumidor está mais exigente não só em relação a produtos e preços, mas principalmente quanto aos serviços e diferenciais oferecidos pelo lojista. “O problema é que aos olhos de quem está entrando, o varejo pode não parecer tão complexo quanto realmente é”, diz o consultor. Mas Foganholo acredita que é só uma questão de tempo para que esses empreendedores percebam a necessidade de planejarem seus negócios.

“Antes de qualquer coisa, é preciso pesquisar a oferta local e definir claramente o tipo de público e de produto que a sua loja vai oferecer”, recomenda Foganholo. Mas não é só. Para o consultor, uma das principais condições para criar uma loja competitiva é que o lojista seja capaz de responder com segurança à seguinte pergunta: quais são as razões com que fará que o meu cliente venha à minha loja, ou seja, quais são os diferenciais que eu ofereço em relação aos concorrentes? “A meu ver, há uma profissionalização desses novos empreendedores, o que tende a criar mais condições de sobrevivência aos negócios.”

O problema é que o Brasil aumentou sua taxa de empreendedorismo inicial, mas ainda investe pouco em educação empreendedora. Isso quer dizer que ainda tem muita gente abrindo negócio no escuro. “Quando o assunto é preparar para empreender, ainda estamos engatinhando”, afirma Juliano Seabra, diretor de Educação, Pesquisa e Cultura da Endeavor, instituição que trabalha pelo empreendedorismo de qualidade. Enquanto no Chile 40% dos adultos tiveram treinamento para montar seus negócios, no Brasil esse índice foi apenas de 9% e, destes, apenas 3% receberam orientação nas universidades.


Exemplo materno

A lojista e presidente da CDL Jovem de Caxias do Sul (RS) Jordana Marcílio Trentin, 26 anos, teve a sorte de ter uma escola em casa. Desde os 16 anos ela trabalha na loja da mãe, Marli Trentin, um comércio de artigos de decoração e utilidades para o lar, em Caxias do Sul (RS). Começou como telefonista e hoje exerce a função de diretora administrativa. “Fiz administração de empresas, mas minha melhor faculdade foi na loja de minha mãe”, conta Jordana. E foi observando o interesse dos clientes por pequenos itens colocados na “boca” do caixa da loja que ela decidiu apostar num novo negócio: uma loja de “soluções para presentes”. Assim nasceu a Trenteen, focada em itens criativos e inusitados.

O negócio ainda não completou um ano de vida, mas Jordana tem a segurança de quem fez a lição de casa antes de investir. “Pesquisei mercado, produto, fui a feiras. Mas iniciar um negócio não é nada fácil. Tive dificuldades em conseguir linhas de crédito e sei que, financeiramente, demora muito para dar retorno. Mas o público gostou muito da proposta”, afirma a lojista. Fascinada por varejo, Jordana garante que não pretende fazer outra coisa da vida. “Minha mãe ainda me pergunta se tenho certeza de que é isso que eu quero porque, afinal, o comércio é sacrificante, precisamos trabalhar muitas horas, inclusive fins de semana. Mas eu adoro o que faço e quero me especializar em varejo.”

Assim como Jordana, o goiano Leandro Rodrigues Almeida também acabou empreendendo por uma necessidade do mercado. Dono de uma editora, seu pai tinha dificuldades na distribuição de livros e decidiu montar uma livraria para fazer a comercialização das obras. Hoje, a Leart atua como editora, distribuidora e livraria. “O varejo não tem operações simples, por isso, desde o início sempre procurei aprimorar meus conhecimentos administrativos”, conta Leandro. “Passei por muitos desafios para elaborar o plano de negócios. Muitos fracassaram porque eu estava muito envolvido no fazer a empresa e pouco no planejar”, reconhece o comerciante.

Já o pipoqueiro Valdir Novaki, 41 anos, passou 13 anos de sua vida planejando o que faria para se diferenciar da concorrência quando conseguisse a licença da prefeitura de Curitiba para montar um carrinho de pipoca. Hoje, cinco anos depois, ele ganhou fama por suas estratégias de venda: pipoca feita na hora, preço menor, cartão fidelidade e kit de higiene, composto por guardanapo, fio dental e bala de hortelã. “A ideia do kit surgiu no dia que vi uma cliente limpar a mão com o próprio saquinho da pipoca. Fiquei constrangido”, conta Valdir. Diariamente, ele recebe cerca de 500 clientes fiéis e tantos outros que prefere não revelar.

Valdir é um exemplo de empreendedor por necessidade. Ele conta que quando chegou do interior do estado a Curitiba, aos 18 anos, tinha sérias dificuldades em arranjar um emprego. “Eu tinha estudado só até a 4ª série e sabia que só conseguiria uma renda melhor com um negócio próprio.” Assim que conseguiu juntar dinheiro suficiente, comprou seu primeiro carrinho de pipoca e passou a
atuar em eventos. Num fim de semana conseguia tirar mais do que num mês de trabalho como manobrista num estacionamento. Recentemente, ele se formalizou como empreendedor individual e já faz planos para contratar um funcionário. “Depois que dei entrevista para a Globo, minha clientela triplicou.”

Para o gerente da Unidade de Políticas Públicas do Sebrae, Bruno Quick, o empreendedorismo do comércio varejista e de todas as MPEs deveria ser melhor recompensado com um ambiente mais favorável a esses negócios. “A pequena empresa tem crédito com o País porque ela emprega na economia formal seis em cada dez trabalhadores. Entretanto, sua participação no PIB ainda é de apenas 20%. Essa equação não fecha”, argumenta. Para Quick, ter políticas públicas com menos impostos e menos burocracia para que elas sobrevivam, prosperem e se desenvolvam é fundamental para ter quantidade e qualidade de postos de trabalho. Só assim o alto índice deempreendedorismo do comércio poderá refletir em bons negócios tanto para seus proprietários quanto para o País.

Comércio empreendedor

– A 11ª edição da Pesquisa GEM constatou que o comércio é a atividade que mais oferece oportunidades aos novos empreendedores. De cada 100 empresários que abrem um negócio por oportunidade no Brasil, 25 são varejistas.

– A GEM colocou o Brasil como o país com a maior taxa empreendedora do G20 (grupo composto pelas maiores economias do mundo) e também do Bric (grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia e China). A taxa de empreendedores em estágio inicial (TEA) é de 17,5% da população adulta (18 a 64 anos), cerca de 21,1 milhões de brasileiros.

– Dados do Sebrae mostram que o comércio responde por 52% das microempresas brasileiras e por 39% dos empreendedores individuais formalizados.

– Em maio deste ano, as micro e pequenas empresas brasileiras foram responsáveis pela geração de mais de 68% de todos os empregos criados no mês. O comércio participou com 13,6% dos postos de trabalhos criados pelas MPEs.
 

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