Conciliar crescimento com preservação ambiental é o desafio que a construção civil procura resolver com novos métodos

Conciliar crescimento com a preservação do meio ambiente é o desafio que a construção civil procura resolver com novos métodos e materiais

Nos próximos anos o Brasil tem grandes desafios a resolver. Precisa ampliar as obras de infraestrutura de aeroportos, aumentar o número de estradas e construir mais moradias populares. Mas além de cumprir prazos e garantir que o País ofereça infraestrutura para continuar a crescer, um dos maiores desafios é garantir que os projetos a serem executados não deixem para as próximas gerações uma herança de danos ambientais, como solos impermeabilizados e áreas verdes degradadas. A equação para conciliar crescimento urbano com a preservação do meio ambiente não é fácil de resolver.

Hoje o setor da construção civil está entre os que mais consomem recursos naturais como madeira, pedras, areia e ferro. Além disso, é responsável pela produção de cerca de 30% dos resíduos sólidos gerados em centros urbanos. Nos últimos anos, tanto a cadeia produtiva da construção civil quanto o poder público e a própria sociedade civil têm se mobilizado para encontrar formas de construção mais sustentáveis.

O Sindicato da Indústria da Construção Civil de São Paulo (SindusCon-SP), por exemplo, criou manuais para orientar o setor sobre a necessidade do uso de madeiras que causam menos impacto ambiental e sobre as vantagens do uso racional dos recursos hídricos.

A entidade também assinou com o governo do estado o Protocolo Ambiental da Construção Civil e Desenvolvimento Urbano, um acordo de cooperação técnica para promover a fabricação e utilização de materiais mais sustentáveis nas obras. Segundo a Green Building Council Brasil, organização não-governamental que trabalha para o desenvolvimento da construção sustentável no Brasil, são mudanças como essas que têm popularizado os conceitos da sustentabilidade no País.

Prova disso é que em 2010 o Brasil entrou no ranking mundial dos cinco países que mais investem em construções verdes, ficando atrás dos Estados Unidos, Emirados Árabes, Canadá e China. De acordo com a entidade, houve um crescimento no número de construções sustentáveis no País e isso é possível perceber pelo aumento na procura por certifi cações ambientais. No ano passado, 23 imóveis no Brasil atenderam aos requisitos de sustentabilidade do Green Building Council e receberam o certifi cado LEED (Leadership in Energy Environmental). Outros 211 empreendimentos como estádios de futebol, shopping centers e escolas estão em processo de certifi cação.

O arquiteto Jacques Suchodolski resolveu inserir os conceitos da sustentabilidade nos projetos da Asas Incorporação e Habitat Ltda, onde é diretor-presidente. Por dois anos ele estudou formas de viabilizar um projeto mais sustentável para a obra do condomínio residencial Neo Next Generation que está sendo construído na praia do Campeche, em Florianópolis.

Uma das soluções encontradas pelo arquiteto foi utilizar o famoso vento da praia para gerar energia. Para isso ele optou por colocar em cada torre do condomínio um aerogerador, com capacidade para gerar cerca de 5 kW de energia e aquecer a água dos apartamentos. “Nós somos pioneiros no uso dessa tecnologia para imóveis residenciais. Essa é uma solução que pode reduzir em até 50% o consumo de energia no condomínio.” O arquiteto explica que no empreendimento serão utilizadas também placas Soluções utilizadas na Leroy Merlin de Niterói (RJ), primeira loja sustentável certificada do País 100% sustentável. É a primeira da rede a ser certificada em nível mundial. O que havia antes eram lojas verdes da marca na França e na Espanha”, afirma o líder do comitê de sustentabilidade da empresa no Brasil.

A certificação da Leroy Merlin de Niterói é considerada uma referência para toda a rede. Depois dessa unidade, a loja de Taguatinga (DF) também foi certificada pelo processo Aqua e as unidades de Campinas e Jacarepaguá, ambas em São Paulo, já tiveram duas etapas das obras certificadas. Além disso, a rede seguiu os mesmos princípios  de sustentabilidade para a reforma do prédio da matriz no Brasil e, por conta disso, teve a primeira certificação de retrofit concedida pelo processo Aqua no País.

O consultor da Inovatech, Luiz Henrique Ferreira, acompanhou todo o trabalho realizado na unidade de Niterói e explica que a obra chegou a custar cerca de 8% a mais do que se tivesse sido realizada pelos procedimentos convencionais. Mas ele avalia que, a médio prazo, a rede verá o retorno do valor investido com o que será economizado em água e energia.

Além da consultoria para a Leroy Merlin, a Inovatech presta assessoria para outras 30 organizações que buscam certificação ambiental. “A maior parte das empresas que buscam a certificação já tem algum programa de sustentabilidade. Elas nos procuram porque querem aprimorar isso e comprovar que os processos utilizados são realmente ecologicamente corretos.

A certificação para eles é uma garantia.” Desde 2008, a Fundação Vanzolini já certificou 21  empreendimentos com o processo Aqua e foram emitidos outros 39 certificados para processos sustentáveis. O custo para ter uma construção certificada varia de R$ 19 mil para uma área de 1,5 mil metros quadrados até R$ 96 mil para um imóvel de 45 mil metros quadrados. “O processo Aqua leva em consideração as leis ambientais brasileiras e os padrões estabelecidos pelo Procel e pela ABNT. A certificação é uma garantia que nós, da Fundação Vanzolini, atestamos para confirmar que um empreendimento é realmente sustentável”, explica Bruno Casagrande, executivo responsável pelo processo Aqua na Fundação Vanzolini.

De toda energia elétrica gerada no Brasil, o equivalente a 45% do total é destinado para iluminar casas, edifícios residenciais e empresariais por mês, segundo a Eletrobras. Também 21% do volume total de água tratada no País é reservado para abastecer o setor imobiliário nacional. Essa é uma conta que poderia ser bem menor se fossem adotadas medidas de eficiência energética e do uso racional de água no Brasil.


Pequenas mudanças

Conseguir diminuir a temperatura de um ambiente em 10?C, por exemplo, pode trazer uma economia significativa no consumo de ar-condicionado e, por consequência, no de energia. E para fazer isso não são necessárias grandes mudanças. Uma das propostas mais viáveis vem da empresa Ecotelhado, especializada em infraestrutura verde urbana, que desenvolveu um sistema modular que permite colocar no telhado de casas, edifícios ou empresas uma estrutura que funciona como um telhado verde ou mesmo um jardim suspenso. “Essa estrutura absorve a água das chuvas, ajuda a purificar o ar e ainda traz um grande conforto térmico e acústico para o ambiente.

O ecotelhado é um produto que pode ajudar a evitar o caos provocado pelas enchentes nas cidades porque permite que áreas antes impermeabilizadas, como os telhados, ajudem a absorver a água das chuvas”, explica Paulo Guimarães, diretor da empresa. Para colocar o sistema é preciso  impermeabilizar o telhado e garantir que a estrutura suporte o peso dos módulos do ecotelhado. Diferente de outros telhados verdes disponíveis no mercado, que exigem a colocação de terra no telhado e que o usuário faça o plantio de flores ou plantas, o ecotelhado já vem pronto para ser instalado.

A rapidez para a colocação também é outro diferencial. Enquanto um telhado verde demora em média um mês para ficar pronto, a instalação de um ecotelhado em uma área de 1,5 mil metros quadrados leva em média três dias. O sistema permite ainda que em caso de qualquer problema na estrutura da casa – como a quebra de uma telha – que os módulos sejam retirados para o conserto e depois reinstalados sem qualquer dano.

Guimarães explica que a procura pelo sistema tem crescido a uma média de 30% ao ano e que o ecotelhado já está sendo exportado para países como Chile, México e Bolívia. Além do módulo de telhado verde, a empresa oferece outros produtos sustentáveis que também auxiliam no conforto térmico e na purificação do ar dos ambientes. A ecoparede, por exemplo, funciona como um jardim vertical, o ecopavimento é um pavimento permeável, e o ecodreno um sistema de biorretenção que promove a gestão da água das chuvas e previne inundações.

O trabalho inovador da empresa e sua atuação no desenvolvimento de tecnologias sustentáveis fizeram com que a Ecotelhado fosse escolhida pelo Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas para receber investimentos do programa New Ventures Brasil. O desperdício de água no País também pode ser evitado com uma solução simples.

Segundo a Associação Nacional dos Comerciantes  de Material de Construção (Anamaco), o Brasil chega a perder 575 milhões de metros cúbicos de água por mês só em descargas sanitárias, o equivalente ao volume do Rio São Francisco. Um valor que poderia ser evitado com a troca das bacias e válvulas sanitárias. Pelos cálculos da Anamaco, o Brasil tem ainda 100 milhões de bacias de privadas que foram instaladas antes de 2002 e que gastam em média cinco vezes mais água por descarga do que as bacias comercializadas hoje. São produtos antigos que chegam a utilizar cerca de 35% da água tratada de uma residência. “Em uma casa de quatro pessoas, a descarga sanitária é acionada, em média, 16 vezes ao dia. Se em cada descarga forem gastos cerca de 30 litros, o total do consumo diário será de 480 litros. Em um mês, chegamos a um total de quase 15 mil litros ou 15 metros cúbicos de consumo”, afirma Cláudio Conz, presidente da Anamaco.

Com bacias sanitárias novas que gastam em média 6 litros por descarga, o consumo dessa mesma casa com quatro pessoas chega a 2.880 litros ou 2,88 metros cúbicos por mês. O que pode gerar uma economia de 80% no consumo de água e fazer com que o consumidor pague cinco vezes menos pelo serviço ao mês. “Hoje, além das válvulas novas gastarem no máximo 6 litros em cada descarga, há modelos de válvulas de fluxo duplo que permitem ao usuário acionar volumes de descargas diferentes – uma de 3 litros para uma limpeza mais simples e outra de 6 litros para uma mais completa.” Para Conz, uma das soluções para evitar o desperdício de água é promover a troca dessas 100 milhões de bacias sanitárias no Brasil em larga escala. Para isso é necessário investir cerca de R$ 150 em cada nova bacia.

Conz considera que esse poderia ser um investimento custeado pelo governo, e cita o caso de Nova York como exemplo. Na cidade norte-americana, a prefeitura criou um programa de incentivo à substituição dos vasos sanitários do município – o TRP (New York Toilet Rebate Program) – que trocou 1 milhão de bacias sanitárias gratuitamente. “Isso fez com que a cidade registrasse economia de 30% no consumo de água e 35% nos custos com tratamento de esgoto.” Caso seja feita uma troca assim no Brasil, Conz afirma que as bacias sanitárias antigas não precisam virar lixo.

Um estudo feito pela Associação Brasileira de Cimento Portland mostrou que esse material pode ser reaproveitado como parte da matéria-prima usada pelas indústrias de cimento e de concreto, podendo ser utilizado também no composto compactado que é colocado antes da camada de asfalto de ruas e estradas. Conz explica que no Brasil essa mudança tem sido feita aos poucos e nos lugares em que isso já aconteceu é possível ver a diferença. Na cidade de Vinhedo, no interior de São Paulo, prédios públicos e escolas municipais que trocaram as louças e os metais antigos tiveram uma economia de 97% no consumo de água. “Nessa cidade o retorno sobre o investimento com as novas bacias aconteceu em menos de três meses.”

Além de cobrar do governo um maior comprometimento em estimular o uso consciente dos recursos naturais, Conz considera que cabe ao varejo um papel fundamental. “Sustentabilidade é também responsabilidade do varejo. À medida que as lojas venderem somente produtos ecoeficientes, o consumidor não terá opções de escolher produtos que não respeitem o meio ambiente.”

Um exemplo de recurso natural utilizado hoje em larga escala e que poderia ser substituído por materiais mais sustentáveis é a madeira. Do volume total retirado por ano no País, estima-se que 75% do material seja utilizado pela construção civil. Um recurso que poderia ser substituído, em alguns casos, pela madeira plástica – material feito da mistura de diversos plásticos recicláveis com fibras naturais e que apresenta alta durabilidade e menor custo de manutenção do que a madeira convencional.


Resíduos aproveitados

A Wisewood desenvolveu uma tecnologia própria para fabricar madeiras plásticas, dormentes, pallets e estacas feitas de materiais reciclados e resíduos. A empresa tem capacidade para transformar o que seria lixo industrial, como borracha e plásticos, e fibras naturais – como celulose e sisal – em madeira plástica que pode ser utilizada no acabamento de áreas externas como pisos e deques.

Um material que, além de dar nova finalidade para antigos resíduos, evita a derrubada de árvores e o consumo de outros recursos naturais. “Cada 50 pallets fabricados pela Wisewood evita a derrubada de cerca de 3 metros cúbicos de madeira e representa também uma economia de 2 metros cúbicos de derivados de petróleo. Além disso, o sistema retira do meio ambiente 2 toneladas de resíduos”, afirma Marcelo Queiroga, diretor da Wisewood.

Queiroga explica que, com o serviço oferecido pela Wisewood, empresas que geram resíduos plásticos e fibras podem transformar seus passivos ambientais em ativo patrimonial. “Nós fizemos uma parceria com a marca Café Iguaçu para reaproveitar parte dos resíduos gerados na fabricação de café em pó. Eles nos mandaram um material plástico que era descartado durante a fabricação das embalagens e borras de café para que fizéssemos madeiras e pallets plásticos que seriam utilizados na própria fábrica da empresa. O material ficou tão bom que a madeira produzida tinha até cheiro de café.”

A madeira plástica fabricada por esse processo é impermeável, tem alta resistência, é imune a pragas e tem características físicas parecidas com a madeira convencional. O preço do material costuma variar de R$ 52 a R$ 105 o metro quadrado. “O preço da madeira convencional com o da madeira plástica se equivalem. Mas a médio prazo a madeira plástica se torna mais barata porque o material já está pronto para ser utilizado e não precisa de manutenção. Já a madeira convencional precisa ser constantemente impermeabilizada.”

Outra alternativa à madeira é o bambu. Mas a falta de mão de obra que atinge a construção civil – segundo a Sondagem da Construção Civil realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) em janeiro de 2011, 68% de um universo de 375 empresários do setor apontam dificuldades em contratar profissionais para a área – também afeta as construções verdes. Faltam profissionais qualificados que entendam e saibam construir a partir de materiais e técnicas mais sustentáveis

Quando a arquiteta Celina Llerena resolveu começar a trabalhar com bambu para construção de casas teve dificuldades de encontrar quem pudesse auxiliá-la nesse projeto. Ela percebeu, então, que era preciso criar um curso de formação em bioarquitetura para ensinar outras pessoas a utilizarem o material. Em 2002, Celina e um grupo de arquitetos montaram a Escola de Bioarquitetura e Centro de Pesquisa e Tecnologia Experimental em Bambu (Ebiobambu), em Visconde de Mauá (RJ).

Celina explica que no curso de formação oferecido pela escola as pessoas aprendem a identificar as diferentes espécies de bambu, fazer o corte, tratar o material e aprendem a montar toda a estrutura da construção. “A alta resistência do material permite que ele seja utilizado em substituição à madeira e ainda que receba cal e areia ou que seja cimentado. O bambu pode ser utilizado na construção de casas, galpões e áreas externas. A única restrição ao uso é em áreas muito úmidas.”

Segundo a arquiteta, o uso de bambu na construção civil é um método rápido e barato que reduz o custo da obra em até 30% em comparação com uma construção convencional e diminui os impactos sobre o meio ambiente. Para mostrar as vantagens do material ela faz um cálculo. “Enquanto é preciso esperar 15 anos para o ponto de corte de um pinus, o bambu leva em média três anos para chegar ao tamanho necessário para o corte.” Embora não seja fácil resolver, a equação tem solução. Na verdade, mais de uma. Basta utilizar os elementos corretos.

Medidas racionais

?rervatório de 150 mil litros de água embaixo do estacionamento para captar a água das chuvas e evitar alagamentos;

?reuso da água das chuvas em descargas sanitárias;

?mictórios que não utilizam água;

?ar-condicionado que se ajusta automaticamente à temperatura;

?piso de concreto polido que dispensa o uso de produtos químicos para limpeza;

?LEDs na fachada da loja, que utilizam três vezes menos energia que as lâmpadas convencionais.

Fonte: Leroy Merlin

Contatos:

Anamaco: www.anamaco.com.br
Ebiobambu: www.ebiobambu.com.br
Ecotelhado: www.ecotelhado.com.br
Inovatech Engenharia: www.inovatech.eng.br
Leroy Merlin: www.leroymerlin.com.br
Neo Next Generation: www.conceitonext.com.br
Processo Aqua: www.vanzolini.org.br
Wisewood: www.wisewood.com.br

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