Estratégias para evoluir

Para Reynaldo Saad, sócio da consultoria Deloitte, o Brasil acertou o rumo do crescimento e o varejo foi um dos responsáveis pela boa atuação diante da crise mundial. Mesmo assim, ainda é preciso ir adiante em áreas fundamentais como os investimentos em educação e a redução da carga tributária que hoje é um dos maiores incentivos à informalidade. Saad foi palestrante na 51ª Convenção Nacional do Comércio Varejista, quando dividiu com o norte-americano Ira Kalish o painel “Tendências e estratégias do varejo global e brasileiro”.

Os mercados mundiais passaram nos meses recentes por uma forte crise que afetou diretamente as grandes economias, em especial os Estados Unidos e Europa. Ao mesmo tempo, o Brasil passou ao largo dessa crise e demonstrou um poder de recuperação maior do que se imaginava. Como você avalia as causas desse bom desempenho e o papel que o varejo representou nesse momento delicado da economia nacional?
Reynaldo Saad –
Isso foi uma consequência do que vinha sendo sedimentado dentro do Brasil já há alguns anos. Foi um processo que já acontecia de uma forma geral – como a melhora do poder aquisitivo do consumidor, atrelado aos incentivos governamentais – e uma situação econômica favorável fez com que o País passasse por um momento atípico em relação ao resto do mundo. E o varejo, junto com o sistema financeiro, foram os "cartões- postais" – digamos assim – do Brasil. Esses setores mostraram que estávamos capacitados a atravessar a crise sem problemas. Deveu-se também ao sistema financeiro sólido, como está estruturado hoje no Brasil, como também a solidez do próprio varejo e um consumidor com o poder aquisitivo bastante importante em comparação com períodos anteriores. Além disso, o varejista, por sua vez, vem lidando com esse consumidor, provendo os melhores produtos e serviços adequados, entendendo as necessidades do consumidor. Isso fez com que o País passasse pela crise sem grandes sobressaltos.

Embora tenhamos saído muito bem dessa crise global, ainda vivemos um cenário desalentador em determinados pontos, como a alta carga tributária incidente sobre o setor produtivo e uma economia muito ligada à informalidade. Como mudar esse quadro?
Reynaldo –
Olha, infelizmente o varejista não poderá mudar isso, pois é uma questão ligada ao próprio governo. O que é possível fazer é melhorar cada vez mais a produtividade e a rentabilidade do negócio para tentar suprir essa alta carga tributária que vem incidindo sobre o setor nos últimos anos. Embora seja uma situação insustentável, não dá para mudar em curto prazo. A própria informalidade existe em decorrência da carga tributária alta. Não é uma tentativa de burlar a lei, mas uma oportunidade que o comerciante vê de atender corretamente o consumidor sem essa incidência de impostos, que é acima do que o varejo pode sustentar.

Além de pressionar o governo por mudanças nas leis, você acredita que o varejista brasileiro tem condições de melhorar a eficiência e a rentabilidade do seu negócio por conta própria?
Reynaldo –
O varejo já trabalha bastante independente do governo. Hoje as empresas e os próprios empresários do comércio estão muito mais maduros. Apesar de todas as dificuldades com questões de qualificação de profissionais e até de carga tributária, os varejistas têm conseguido desenvolver inovações importantes dentro de seus negócios, o que faz com que os clientes hoje sejam bem melhor atendidos do que algum tempo atrás. Hoje o consumidor está consideravelmente mais exigente do que nos anos anteriores, até pela melhora da sua renda familiar. Mas isso significa também que o varejista de hoje está bem mais preparado.

Diante das adversidades internas, mas também com o desempenho cada vez mais equilibrado da economia nacional, é possível se mostrar otimista com o desempenho do varejo para este ano?
Reynaldo –
Tudo indica que no fechamento deste ano teremos um crescimento da economia brasileira tão pujante quanto o do ano passado. Eu acredito que a maior parte dos setores apresentará um desempenho bastante significativo. O ano de 2008, apesar de ter sido ruim no último trimestre, era uma base boa de comparação. E em 2009, apesar de ter sido ruim no primeiro trimestre, também é uma boa referência. Então, se compararmos os três anos, é bem possível que o Brasil atinja um crescimento acima de dois dígitos para 2010.

Altas taxas de juros e reduzido investimento em produção são entraves que podem ameaçar essa perspectiva de crescimento?
Reynaldo –
São coisas independentes. A produção está muito ligada à demanda de mercado, e existe hoje um aquecimento natural da indústria brasileira. Os investimentos que estão sendo feitos no setor produtivo são compatíveis com o que precisamos, salvo determinados picos, de alguma indústria que não atende o segmento em que está atuando. Em relação à alta taxa de juros, na verdade é uma política de governo que afeta o varejo pontualmente, no momento em que se aumenta de forma significativa esta taxa. Logicamente que o varejista vai sentir os efeitos dessa elevação em relação ao crédito, só que um pouco mais à frente do que efetivamente na data em que acontecem essas mudanças. Mas nos patamares em que estão sendo levados hoje, não temos um impacto que leve a um decréscimo da rentabilidade do varejo como um todo.

Vivemos hoje um momento muito especial em relação ao crescimento do comércio eletrônico nacional, com o surgimento de novas tendências, como os sites de compras coletivas e o uso mais direcionado das redes sociais para alavancar as vendas. É possível dizer que a internet já se consolidou como um canal indispensável a todos os varejistas?
Reynaldo –
O multicanal faz parte da pauta de qualquer empresa de varejo de ponta. Logicamente, nós vemos o e-commerce como uma forma importante de alavancar o negócio. Claro que no caso do consumidor brasileiro, as lojas físicas ainda são muito importantes, dependendo da região onde se atua. Mas o comércio pela internet vem tomando um vulto bastante grande em capilaridade e popularidade junto ao consumidor, mas eu não diria que pode ser con-siderado um dos principais alavancadores do crescimento do varejo. Eu vejo como mais um multicanal que atende a uma tendência mundial em um país em desenvolvimento como o nosso. É claro que a mídia social é importante, pois é importante para um tipo de consumidor que preza por isso. É a forma como ele se comunica hoje. Ou seja, não adianta mandar panfletos para uma geração que está acostumada com chats e blogs na internet. É preciso entregar o que esse novo consumidor quer. A mídia social está inserida definitivamente no e?commerce e os líderes de mercado já vêm fazendo uso disso.

O último relatório de competitividade do Fórum Econômico Mundial mostrou que o Brasil, muito embora tenha crescido no ambiente macroeconômico, é o pior de todas as 139 nações analisadas no que se refere à regulamentação governamental, tributação alta e instituições fracas. Além de um mercado de trabalho ainda muito rígido, também sofremos com um ensino ainda muito aquém do que se espera. O investimento em educação é a saída?
Reynaldo –
A questão educacional no Brasil é um gargalo de fato, onde é preciso evoluir. Se quisermos ser realmente a quinta economia do mundo daqui a dez anos, teremos de fazer alguma coisa diferente em relação à educação, pois o varejo precisa de novos profissionais qualificados para atender ao crescimento na demanda. É claro que a obrigação por um melhor sistema educacional será fruto de um avanço das políticas governamentais, pois não dá para comparar a malha do sistema educacional privado com o público, ainda mais em um país continental como o Brasil.

Como você vê as novas tendências que o varejo internacional começa a assimilar e que já estão aportando por aqui, como a questão da sustentabilidade? Isso pode afetar os preços das mercadorias, encarecendo a operação varejista na ponta?
Reynaldo –
A questão da sustentabilidade é algo que já está bastante discutido hoje. Não acredito que vá afetar a precificação no patamar que se coloca na mídia. As empresas que hoje adotam a sustentabilidade têm um tamanho muito menor do que se pensa. Existe, é claro, um processo de adaptação, mas é preciso analisar até que ponto a questão afeta preços, positivamente ou negativamente. Logicamente, se há um custo maior, isso pode ser repassado ao consumidor. Mas também é possível reduzir estes custos e afetar o preço positivamente para o consumidor. Eu acho que ninguém está absolutamente preparado, apesar de se estar discutindo muito, mas ainda não há uma abrangência necessária para medirmos os reflexos significativos dentro do varejo. Sem dúvida, a tendência é de que cada vez haja mais conscientização, dentro de um patamar da biodiversidade e meio ambiente de uma forma geral.

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