Fatos inesperados podem levar consumidor que renegociou dívidas de volta à inadimplência

Os imprevistos podem levar consumidores que renegociam dívidas com as instituições financeiras a voltar para as estatísticas de inadimplência. Para o coordenador do MBA em Gestão Financeira da Fundação Getulio Vargas (FGV), Ricardo Teixeira, o alto índice de inadimplência pode ser explicado porque, na hora de renegociar, o consumidor e a instituição financeira não fazem uma análise adequada da capacidade de pagamento.

“O consumidor, querendo se livrar do problema, em boa-fé, pode comprometer volume de recursos acima do que seria prudente”, diz. Ele acrescenta que quando for assumir um novo financiamento ou renegociar dívida, o consumidor deve analisar quais são as despesas já existentes e deixar sobras para imprevistos.

O fotógrafo Leonardo Lechensqy, 23 anos, conta que foram os imprevistos que fizeram uma dívida de R$ 5 mil virar “uma bola de neve repleta de juros”. Segundo ele, a pequena dívida tomou proporções muito maiores do que o esperado. “Tive um contratempo financeiro durante dois meses. Apenas duas parcelas da dívida [atrasadas] e já saiu do controle. Foi necessário renegociar com o banco”.

Depois dessa experiência, Lechensqy disse que prefere fugir das dívidas. “Evito ao máximo qualquer acordo bancário, empréstimos, financiamentos, qualquer coisa que [tenha] taxa de juros, pois por um pequeno deslize ou imprevisto se torna uma imensa bola de neve que pode te afundar sem que você perceba”.

O educador social Denubio Almeida da Silva, 27 anos, conta que ficou desempregado e a dívida no cartão de crédito que era de cerca de R$ 800 chegou a R$ 1,5 mil. Ele disse que foi ao banco e renegociou a dívida, mas mesmo assim não conseguiu pagar em dia. “Os juros foram crescendo no decorrer dos meses. Aí a coisa ficou pior. Aumentaram [os valores das] parcelas e o banco não parava de me ligar querendo fazer acordos”. Com o “nome sujo”, Silva diz que tinha dificuldades para fazer compras com pagamentos parcelados. “Todo estabelecimento em que eu ia comprar algum produto, tinha que ser à vista, pois se fosse de outra forma não era aceito”.

Depois de conseguir emprego, Silva conta que quitou a dívida, com redução dos juros. “Hoje não estou inadimplente, compro em qualquer estabelecimento com crédito, em boleto etc. Pago tudo em dia e sempre me preocupo de não ultrapassar o que eu ganho. Tudo é calculado direitinho para eu não passar por isso de novo”.

O professor Edvards Santos, 48 anos, não ficou desempregado, mas recebia o salário atrasado, durante cerca de quatro anos e, com isso, acabava usando o cheque especial. “Minha dívida com o banco estava tão alta que nem meus salários atrasados poderiam quitá-la”. Segundo ele, depois que a dívida do cheque especial chegou a R$ 12 mil, fez uma renegociação com o banco, mas mesmo assim não conseguiu pagar.

Santos conta que decidiu procurar ajuda de um advogado para tentar reduzir os juros na Justiça. Mas, ao fazer isso, assumiu mais uma dívida: R$ 6 mil para pagar o advogado, divididos em 15 cheques. “O processo é tão lento que passados seis meses e cinco cheques depositados, o processo ainda está engatinhando e corre o risco de todos os meus cheques entrarem e eu não ver resultado nenhum”, lamenta. Por considerar o processo muito demorado, Santos decidiu aceitar nova proposta de renegociação do banco, com pagamento de 48 prestações de R$ 443. “Só que eu criei um problema com o advogado que não quer devolver meus cheques, mas isso é outra história”.

O professor tem um conselho para quem estiver na mesma situação que ele viveu. “Deixe que o banco saiba que você está preocupado com a sua dívida, que você não é um estelionatário. E nunca aceite a primeira proposta que o banco lhe fizer, pois sempre haverá uma proposta muito melhor que a primeira”.

Em janeiro deste ano, a taxa de inadimplência do crédito renegociado chegou a 22,4%, em janeiro deste ano, bem maior que o total para pessoas físicas (7,9%). Esse percentual só é menor que o do rotativo do cartão de crédito (financiamento de parte do valor total da fatura e também de saques na função crédito) que ficou em 36,6%, em janeiro deste ano. Os dados mostram a situação de pessoas que renegociaram a dívida porque já estavam inadimplentes e daquelas que quiseram mudar o contrato. O BC considera inadimplência atrasos acima de 90 dias.

Dados do BC mostram que a taxa de juros do crédito renegociado é mais alta que a taxa total para pessoas físicas (crédito com recursos livres). Enquanto a do crédito renegociado chegou a 39,3% ao ano, em janeiro, a média para pessoas físicas ficou em 34,5% ao ano. Teixeira explica que a taxa é maior porque o cliente já tem histórico de inadimplência. Portanto, o risco para o banco é maior. “Fica embutida uma taxa de risco”, explica Teixeira.

Segundo o BC, os recursos para o crédito renegociado somaram R$ 2,522 bilhões em janeiro, uma queda de 3,9% em relação a dezembro. De acordo com Teixeira, é comum diminuírem as concessões de todas as modalidades de crédito nos dois primeiros meses do ano. Ele disse que isso pode ser explicado pelo menor número de dias úteis, já que há feriados, e também porque muitas renegociações são feitas no fim do ano anterior, com o 13º salário. “No final do ano, o consumidor quer por as contas em dia e parte para a renegociação e para a contração de novos créditos. No início do ano e em fevereiro, com o carnaval, há uma letargia no mercado”.

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