‘Fusão é destruidora de empregos’, diz professor da USP

Se o negócio for fechado, num primeiro momento todo o esforço das empresas será de corte de custos, diz especialista

A proposta de fusão do Grupo Pão de Açúcar com a operação brasileira do Carrefour, bancada em boa parte com recursos públicos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, é considera "destruidora de empregos" pelo professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em varejo, Nelson Barrizzelli.

Ele avalia que toda argumentação usada para justificar a entrada do banco de fomento nesse negócio não tem nexo. "Num primeiro momento, todas as sinergias que esses dois grupos podem ter para reduzir custos eles o farão", afirmou. "Pode ser que no futuro, quando eles começarem um processo de expansão, ocorra a geração de empregos. Mas num primeiro momento não." O economista ressaltou também que os únicos ganhadores com essa fusão são os dois grupos.

Para o consumidor, dependendo da maneira como o Cade se comportar na avaliação da concorrência, será indiferente. "Já para os fornecedores, a vida que é difícil e vai ficar mais difícil." Procurado pelo Estado, o Grupo Pão de Açúcar não se manifestou. A seguir os principais trechos da entrevista.

Como o senhor. vê a possível fusão do Carrefour com o Pão de Açúcar? Quem ganha e quem perde?

Vejo esse negócio como uma atividade normal de fusões que está ocorrendo no mundo inteiro. Na verdade não se trata especificamente de uma fusão tradicional, tem vantagem de relacionamento acionário entre os grupos, mas no fundo os dois grupos estão se juntando. Isso está ocorrendo no mundo inteiro. Se o BNDES não tivesse entrado, essa seria uma operação absolutamente normal. Quem ganha com essa fusão é, sem dúvida alguma, os dois grupos, exclusivamente. Eles vão ter sinergias, conseguir reduzir custos fixos, certamente vão ganhar mais escala.

E o consumidor não ganha?

Dependendo da maneira como o Cade se comportar, para o consumidor será indiferente. Isso porque no varejo não são as organizações que competem, mas as lojas. Se você tiver uma loja do Grupo Pão de Açúcar isoladamente, ela estará competindo com todas as organizações de pequeno, médio e grande porte que existirem em volta dela. Vai concorrer com a padaria, com a quitanda, com a feira livre, por exemplo.

Qual é o efeito para a indústria?

A vida que já é difícil e vai ficar mais difícil. Ela já sua gotas de suor grossas, talvez ela vá suar algumas gotinhas de sangue. A indústria é a parte que terá mais dificuldades. É lógico que isso tem certos limites. Quando o Pão de Açúcar comprou as Casas Bahia, todo mundo dizia que tinha acabado. Agora a indústria não vai vender mais, vai ter de dar de graça a mercadoria. Não é bem assim. A pressão dos dois lados tem um certo limite. Essas empresas varejistas podem pressionar a indústria e a indústria cede até o ponto que vai ter prejuízo. Se ela vai ter prejuízo, ela não vai ceder mais. Certamente o que aumenta é a pressão negocial. Mas na hora de fazer o negócio, ele vai ser feito de tal maneira que tem de sobrar algum lucro para os dois lados.

O senhor não vê risco de aumento de preço?

Eu acho que não vai haver nem aumento nem redução de preço perceptível. Vai continuar como é hoje. O que poderia acontecer é esse grupo, pelo seu poder de negociação, continue vendendo pelo preço que vende atualmente e tenha mais lucro porque principalmente vai reduzir custos fixos pela junção das duas organizações. Mas eu acho que o consumidor na prática não vai sentir grandes modificações.

O senhor acha que se justifica a entrada do BNDES?

De maneira nenhuma. Acho que toda essa argumentação que foi usada para que o BNDES entrasse nesse negócio não tem absolutamente nenhum nexo. O fato de o BNDES por meio do BNDESPar entrar como sócio comprando ações não muda absolutamente nada. O dinheiro do BNDES é o dinheiro do BNDES. O dinheiro do BNDESPar não vem de uma fonte celestial onde nada acontece em relação a aquilo que é o caixa do BNDES. O papel do BNDES é contribuir para incentivar a infraestrutura brasileira, melhorar a produtividade da indústria, modernizar a indústria, gerar empregos e assim por diante. Uma fusão dessas é destruidora de empregos. Num primeiro momento, todas as sinergias que esses grupos podem ter para reduzir custos eles farão. Pode ser que no futuro, quando eles começarem um processo de expansão, ocorra a geração de muitos empregos. Mas num primeiro momento não. Seja pela missão básica do BNDES como banco de fomento, seja pela própria característica da operação, seja pelo setor ao qual os dois pertencem que é o varejista, não tem nenhum nexo o BNDES entrar numa operação desse tipo.

Por que o BNDES está envolvido?

Não sei explicar, não trabalho no BNDES e não participei da negociação. Você tem de perguntar para o Coutinho. Eu ouvi até uma explicação, por assim dizer, que esse grupo vai ter uma participação importante no Carrefour internacional e isso vai permitir que se venda mais produtos brasileiros no exterior. De todas as explicações essa é a mais esdruxula. Esse Grupo não precisa ter participação no Carrefour internacional para que o Brasil exporte mais alimentos. Não tem sentido nenhum. Nós não somos grandes exportadores de alimentos industrializados. Somos exportadores de matérias primas. Alimentos industrializados, na verdade, não somos nem muito importadores nem exportadores porque são produtos de produção e consumo local. Dificilmente alguém vai comprar uma lata de palmito do Brasil porque o Pão de Açúcar tem participação no Carrefour internacional. A pessoa que fala uma coisa dessas não entende de comércio exterior.

Do ponto de vista de mercado, o Walmart será o grande prejudicado se o negócio se concretizar? Qual será a dinâmica do mercado entre os dois primeiros e os demais?

É interessante observar que ocorre mais ou menos uma regionalização dessas grandes organizações. O Grupo Pão de Açúcar e o Carrefour se concentraram na região Sudeste. O Walmart se concentrou no Norte, Nordeste e no Sul do Brasil. O que acontece de prático é que hoje, onde o Walmart tem maior dominância, ele não concorre diretamente com o Carrefour e o Pão de Açúcar. Concorre localmente com algumas lojas, mas não com o poderio que essas organizações tem na região Sudeste. E vice-versa. O Walmart aqui em São Paulo é concorrente do Carrefour e do Pão de Açúcar, mas de uma forma muito suave. Dada essa regionalização, o Walmart não vai sofrer substancialmente.

Quais empresas serão afetadas?

Vai ter um certo prejuízo concorrencial para as empresas de porte médio que hoje concorrem com mais facilidade seja com o Carrefour, seja com o Walmart. Se eles vierem a se juntar e ficarem mais forte regionalmente, as empresas de porte médio, como por exemplo as do interior de São Paulo, do Rio de Janeiro, em regiões de Minas Gerais, poderão passar a ter uma concorrência muito mais forte. Na prática, quando olhamos a maneira pela qual Carrefour e Pão de Açúcar caminharam ao longo desses anos, constatamos que eles foram deixando alguns espaços para empresas de porte médio.
 

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