A lei do couvert: quem sairá ganhando?

22|09|2011 

O assunto mais comentado nas mesas de bares e restaurantes em São Paulo é a lei do couvert, assinada pelo governador Geraldo Alckmin na semana passada. Para quem não é morador do estado paulista estou me referindo àquela pequena cesta, composta de pães, torradas e da boa e velha manteiga, a qual sacia nossa fome antes do prato principal.

Agora antes de aterrissar em nossa mesa, o restaurante deverá informar o preço e sua composição, servindo-o apenas quando solicitado, a não ser que seja gratuito. Caso a regra seja descumprida, o cliente não precisará pagá-lo. Creio que muitas vezes você já tenha se surpreendido negativamente com o couvert, ao olhar o valor da conta ao final da refeição.

O valor cobrado, em geral individualmente, daria para comprar pão e manteiga para um mês em sua casa. Somado ao café expresso e as bebidas, não raro ultrapassam metade do valor da conta. Faço aqui uma ressalva a alguns poucos restaurantes, os quais inovam no serviço, oferecendo verdadeiras iguarias, muitas vezes melhores até que o prato principal. Listemos algumas situações de saia justa vividas pelos clientes.

a) Pode comer que é de graça: seja por razão de dieta, hábitos alimentares ou critérios econômicos, você educadamente rejeita o couvert, o qual chega à mesa antes mesmo que você possa abrir o cardápio. O garçom então, com seu ar de superioridade informa: pode comer que é de graça, supondo sua situação de penúria financeira, literalmente arremessando-o à mesa. Mais delicado seria perguntar se o deseja, ou ainda, aguardar que você o faça.

b) Só pagando: com muita fome, você aceita o couvert, traçando-o em poucos minutos. O garçom, acompanhando sua luta com a faca e a manteiga, permanece como um dois de paus ao lado da mesa, mesmo vendo a cesta vazia. Ousado e ainda faminto, solicito uma reposição do pão, já que ainda há um pouco de manteiga. Sem mover um músculo, escuto a frase: só pagando. Resignado e um pouco encabulado por ter perguntado, aguardo o prato principal enquanto brinco com meu telefone celular.

c) Sentou, sorriu, a conta dividiu: hora do almoço, toda a turma do escritório decide comemorar os resultados de vendas. Os jovens analistas e estagiários se engalfinham por alguns pedaços de pão, enquanto as executivas miram com desdém, fazendo as contas de quantos minutos necessitariam na esteira para queimar uma fatia. Chegada a conta há sempre um metódico que a estuda e avalia, fazendo a divisão per capita, a qual invariavelmente inclui a entrada, mesmo para as moças que o rejeitaram. Em geral a máxima, sentou, sorriu, a conta dividiu, é válida para o couvert. Com a nova lei, só pagará quem efetivamente comer.

d) Melhor não pedir: já provei algumas entradas de dar água na boca, literalmente. Vegetais frescos, cortados com precisão e repousados em gelo, pequenas entradas preparadas com cuidado, combinações de patês e molhos que vão muito além da sardela e da alichela. Como manda a boa educação, costumam vir em pequenas quantidades, as quais só de olhar já acabam.

Em geral restritos aos restaurantes mais refinados, vocês se entreolham e decidem: melhor não pedir. Tamanho é o arrependimento ao saber que o valor era fixo, independentemente da quantidade. Boa para quem come fora, porém indigesta aos donos de bares e restaurantes, os quais deveriam contar no final do mês para fechar suas contas.

Sem saída, terão que se adaptar as novas regras, utilizando-se de criatividade, já que poucos clientes irão aceitar embuti-lo no preço do prato ou ainda do já caro café e sobremesa. Acredito também que em poucos meses outros estados a adotarão, melhorando o serviço prestado ao consumidor.

Rezo ainda para que chegue o dia em que vereadores, deputados e senadores tenham o mesmo senso de justiça, rigor e disciplina ao criar ou aumentar impostos, tarifas ou contribuições, não apenas impondo, mas solicitando permissão e informando sua utilização e destino.

Pressionados, teriam que conseguir receitas de outras fontes, cortando despesas, reavaliando processos ou punindo aqueles que as desviam. Mais fácil, porém, é criar novos couverts e entradas, contradizendo a lei recém-implantada.

Marcos Morita é mestre em Administração de Empresas, professor da Universidade Mackenzie e professor tutor da FGV-RJ. Especialista em estratégias empresariais, é colunista, palestrante e consultor de negócios. Há mais de 15 anos atua como executivo em empresas multinacionais. www.marcosmorita.com.br

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