Lei própria

Está em tramitação desde março passado na Câmara dos Deputados o projeto de lei que propõe a criação de um novo Código Comercial Brasileiro (PL 1572/11). O objetivo é sistematizar e atualizar a legislação que trata especificamente sobre as relações entre pessoas jurídicas. Hoje, quem cumpre esta função é o novo Código Civil Brasileiro, promulgado em 2003. Mas, para muitos especialistas, o direito comercial e o direito civil são duas áreas distintas e a falta de um Código Comercial dificulta as transações comerciais, traz insegurança jurídica e compromete o desempenho econômico dos negócios brasileiros.

A proposta, levada à Câmara dos Deputados pelo parlamentar Vicente Cândido, foi formulada por um grupo de juristas comandado pelo professor Fábio Ulhoa, autor do livro O futuro do direito comercial. Entre eles, o advogado Felipe Lückmann Fabro. Na entrevista a seguir, Fabro explica a importância do Código Comercial e destaca as implicações que a sua falta traz às empresas. “As relações comerciais precisam ter princípios e regras próprias. Hoje, o empresário faz um contrato e não tem certeza nenhuma de que vai ser cumprido porque eles são constantemente revistos pela Justiça”, explica Fabro.

O texto do projeto de lei já conta com cinco livros e mais de 670 artigos. “É um assunto que deve ficar um bom tempo na pauta da Câmara. Mas eu espero que menos que o Código Civil, que levou 27 anos para ser aprovado. Como o projeto de lei está numa Comissão Especial, a tendência é que seja mais rápido porque não pula de comissão em comissão. Quando a Comissão Especial aprová-lo, a decisão vai direto para o Plenário”, explica Fabro.

Quais são os principais argumentos em defesa da criação de um Código Comercial Brasileiro?
Felipe Lückmann Fabro – O Código Comercial serve exclusivamente para disciplinar e regulamentar as relações entre empresas. É importante dizer que ele não interfere nas áreas trabalhista, tributária e relacionadas ao consumidor. Há uma grande discussão em torno da sua criação porque muitos juristas defendem que o Código Civil unificou o Código Comercial e, portanto, cumpre a sua função. Mas nós, que estamos trabalhando na formulação da nova lei, acreditamos que a relação comercial precisa ter princípios e regras próprias.

Por quê?
Fabro – Primeiro para simplificar a vida das empresas. Hoje, um empresário que queira, por exemplo, registrar o nome da empresa, terá que percorrer os 27 estados da federação e apresentar requerimentos com normas e prazos diferentes em cada um deles. A proposta do novo Código é fazer um único registro. Também queremos simplificar a vida das sociedades limitadas. A legislação atual acabou criando quóruns e exigências iguais para uma padaria da esquina e para empresas do tamanho e complexidade da Vale, por exemplo. Por conta disso, o microempresário acaba muitas vezes vivendo na informalidade. Como em geral ele não dispõe de uma assessoria jurídica, não consegue acompanhar as exigências da lei. Por exemplo: o dono da padaria decide comprar o terreno do lado de seu estabelecimento. A lei diz que, dependendo do regime de casamento, ele tem que pedir autorização da esposa e fazer uma ata registrando a deliberação de compra do terreno. Todo empresário faz isso? Acreditamos que não. A complexidade acaba criando desconhecimento e muitas situações de ilegalidade.

Outro argumento em defesa do novo Código Comercial é de que a atual legislação gera insegurança jurídica. Por quê?
Fabro – O empresário hoje faz um contrato e não tem garantia de que ele vai ser cumprido pelas outras partes. Isso porque com a atual legislação o juiz pode interpretar que houve, por exemplo, uma mudança de cenário e que por conta disso o outro empresário não tem mais a obrigação de cumprir o contrato. O novo Código Comercial quer limitar a interferência do Poder Judiciário, fazendo cumprir os contratos dentro dos princípios normais de uma relação comercial. Com isso, queremos resgatar a função social da empresa que é fomentar negócios e gerar empregos. Hoje, por conta da insegurança jurídica, o preço dos produtos e serviços vai às alturas. Por que a passagem aérea no Brasil é a mais cara do mundo? Porque as companhias não sabem se eu vou conseguir pagar. E se eles forem à Justiça vai demorar anos para receberem. Quanto maior o risco, maior o lucro. Eu estou convencido de que, quanto mais seguras forem as relações jurídicas, menores os preços. Porque o empresário sabe que vai receber, que não vai haver outra interpretação da Justiça.

Onde mais o Código Civil deixa a desejar quanto às relações comerciais?
Fabro – Nós precisamos atualizar a legislação para o nosso tempo, para contemplar, por exemplo, o comércio eletrônico. Quantas vezes uma empresa dá ordens de pagamento e de compra pela internet? A GM (General Motors), por exemplo, tem um programa em que ela precisa ter no estoque pelo menos 1 mil parafusos. Quando esse número cai a 999, o sistema automaticamente abre a possibilidade de compra, faz uma cotação e já emite uma ordem de compra. Nós não temos regulamentação para esse procedimento. Se eu tiver que cobrar, o e-mail não serve como um contrato. Será preciso ficar seis, sete anos discutindo judicialmente para provar que é um contrato sim. Isso ocasiona mais custos. Hoje, o Código Civil exige documento impresso, em duas vias, assinada por você, assinada por mim. Isso está fora da realidade. Atualmente, as empresas fazem tudo pela internet, mas se houver um conflito entre as partes, quem não tiver um papel e uma assinatura vai ficar no prejuízo. O Código Civil tramitou por 27 anos e já nasceu velho em 2003.

E por que não promover essas mudanças atualizando o Código Civil?
Fabro – Porque entendemos que o Código Civil trata da relação entre pessoas. E, como a própria Constituição brasileira diferencia, as relações entre empresas têm regras próprias. São regras mais dinâmicas, com prazos de prescrição menores. O projeto do Código Comercial traz uma mudança no conceito de empresário. Hoje, empresário é aquele que exerce atividade econômica organizada. Nossa proposta é que só seja considerado empresário aquele que se registra. Por quê? Para tentar trazer os negócios brasileiros para a formalização. Se o empreendedor quiser ter a proteção daquele capital que ele colocou no negócio, terá que se registrar no sistema. A formalização vai garantir que ele possa pedir, por exemplo, a recuperação judicial caso o negócio não dê certo. Ou seja, se o empresário quiser gozar da proteção e dos privilégios da lei, terá que se registrar.

Isso não acontece na atual legislação?
Fabro – Hoje, qualquer um que exerça a atividade econômica, ainda que não tenha registro, é considerado empresário. Por isso, o novo Código cria uma distinção entre cooperativa empresarial e cooperativa não empresarial. Há muitas cooperativas que funcionam como verdadeiras empresas, mas têm uma série de dispensas de tributos. É uma concorrência desleal com o empresário que paga todos os seus impostos. Por isso, a proposta do novo Código traz a cooperativa empresarial, que vai funcionar como empresa e, portanto, vai recolher tributos em condições de igualdade com aquele que exerce a atividade de forma lucrativa, e a cooperativa não empresarial, que vai continuar no registro civil de pessoa jurídica.

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