Lúcida decisão sobre lei do direito autoral

É bem-vinda a intenção da ministra da Cultura, Ana de Hollanda, de rever o anteprojeto de emenda à Lei de Direitos Autorais (nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998), antes de o encaminhar ao Congresso Nacional. Afinal, a despeito das várias audiências públicas, em distintas cidades, e do encaminhamento de aproximadamente oito mil sugestões, mantiveram-se na polêmica proposta aspectos negativos diagnosticados pelo mercado, intelectuais, escritores e juristas. Ficou a frustrante sensação de que a palavra de todos esses interlocutores não foi auscultada na busca de um consenso, ao qual, portanto, não se chegou. Assim, será muito pertinente analisar de modo mais profundo essa rica contribuição para o aperfeiçoamento da propositura.

A própria Câmara Brasileira do Livro (CBL), representante das editoras, livrarias, distribuidores e creditistas, apontou nas audiências públicas e em comunicado oficial ao Ministério da Cultura, algumas distorções agudas da minuta. Revisá-la é essencial para garantir os direitos autorais e manter o Brasil alinhado, nessa área, ao marco regulatório do mundo civilizado. Um dos principais problemas do documento, logo em seu Artigo 1º, é o risco de se confundir e se dificultar a plena preservação dos inalienáveis direitos dos autores, dada a complexidade, redundância do texto e sua superposição com outras leis. Além disso, a redação vigente, clara e objetiva, já é suficientemente eficaz.

Aspecto mais grave encontra-se no Artigo 3º, referindo-se à “harmonização dos direitos autorais com os interesses da sociedade”, quanto a “estimular a criação artística e a diversidade cultural e garantir a liberdade de expressão e o acesso à cultura, à educação, à informação e ao conhecimento”. A palavra “harmonização”, nesse contexto, mais parece um eufemismo para a imposição de restrições, estabelecendo clara relativização. Se prevalecesse a mudança, estariam abertas possibilidades de interpretações subjetivas, aleatórias e casuísticas do que é “interesse da sociedade”. Poderia ser interpretado como tal, por exemplo, a livre impressão, sem quaisquer indenizações, de um livro que alguém julgasse ser fundamental para toda a população brasileira? Ou proibida a publicação e venda de uma obra questionada por alguma instância do poder público?

Ora, não se pode estabelecer limites ao exercício e usufruto de direitos legítimos, à liberdade criativa, à livre expressão do pensamento e à veiculação de conteúdos. Em casos nos quais alguma pessoa física ou jurídica sentir-se lesada, a legislação brasileira já conta com dispositivos adequados para a reparação jurídica. Portanto, o que se propõe no artigo 3º é contraditório com a Constituição e inaceitável sob o ponto de vista da democracia.

Outro equívoco flagrante verifica-se no Artigo 46º da proposta de emenda, que autoriza a “reprodução integral de qualquer obra legitimamente adquirida, quando destinada a garantir a sua portabilidade ou interoperabilidade, para uso privado e não comercial”. Apesar das limitações especificadas, controlar a atividade de cópia configura-se como tarefa quase impossível. Seria instituído, ainda, um subsídio jurídico à reprodução integral, sem qualquer contrapartida para o titular dos direitos autorais. Ademais, a reprografia pirata já provoca prejuízo de um bilhão de reais/ano para o mercado editorial brasileiro. Imaginem se passasse a ser praticada sob as bênçãos da lei…

Rosely Boschini é presidente da Câmara Brasileira do Livro (CBL).

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