O que ocorre por trás da cortina

As recentes notícias da fusão entre os gigantes varejistas no Brasil está deixando vários empresários com uma sensível inquietação: o que será de nós, pequenos, perto dos gigantes? Acredito que a preocupação maior é a forma como está se alinhavando todo o processo. De um lado, o Pão de Açúcar, que, nos últimos anos, tem crescido no ramo varejista e aumentado consideravelmente a sua participação indiretamente com outros grupos; de outro, o Grupo Casino, sócio do Pão de Açúcar e que alinhavou umacordo com Abílio Diniz na gestão dos negócios no País.

O grande entrave é que, pelo acordo, o Grupo Casino assume as operações do Pão de Açúcar a partir de 2012, e fica claro que o atual dirigente do grupo pensa em permanecer na gestão. Essa série de entraves iniciou-se com um acordo de investimentos de R$ 4 bilhões, com recursos a serem contratados ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), através da subsidiária BNDESPAR – empresa constituída para investir nos diversos segmentos do mercado, investimento esse frustrado com a negativa em 12 de julho do próprio BNDES.

No caso, o BNDESPAR entraria com uma participação no negócio e poderia haver no paralelo um acordo de acionistas para, em uma reunião com o Grupo Casino, ter, pelo voto em assembleia, a manutenção da direção dos negócios pelo atual dirigente, já que, dependendo da forma de entrada dos recursos, Diniz possa, junto com o BNDESPAR, ter a maioria das ações ordinárias e, com isso, os votos majoritários. Ou seja, Abílio Diniz continuaria mandando, contrariando a pretensão do Grupo Casino em assumir os negócios no Brasil.

Para que houvesse toda essa mudança, vejo o alinhamento de várias estratégias empresariais na compra do Carrefour, para que o Grupo Casino pudesse não conseguir prosperar com a exigência do cumprimento do acordo de acionistas e não ter a possibilidade em assembléia de assumir a direção dos negócios, emvirtude da sua participação ficar menor em relação ao que Diniz e o BNDESPARpoderiam possuir se houvesse a liberação dos R$ 4 bilhões de investimentos.

O que talvez Diniz não prevesse foram as críticas negativas do sóciofrancês e da possível saída do BNDESPAR da estratégia inicialmente traçada pela equipe. Ficou clara a falta de apoio da Presidência da República, justificando que, se não houvesse um acordo entre os acionistas, o crédito do BNDES não seria aprovado.

Essa situação ainda gerará várias discussões, mas, se alguma estratégia está sendo estudada para que o controle saia do Grupo Casino, terá de ser rápida, mesmo porque qualquer tomada de decisão terá de buscar o bom senso e de reverter em benefício da sociedade como um todo. Talvez, depois de toda essa discussão ainda poderia haver uma posição negativa do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) com relação à fusão dos grupos, e toda essa briga também iria por água abaixo. Acredita-se que a mesma estratégia utilizada com relação ao Ponto Frio e Casas Bahia, na man utenção do nome fantasia, seria utilizada pelo Pão de Açúcar e o Carrefour, pois, pelo entendimento do órgão, essa situação não geraria monopólio.

O que se espera é que o interesse particular não se sobressaia ao interesse coletivo e que o governo fomente alternativas para as empresas, que permitam a manutenção da empregabilidade e maior transparência em suas ações. O CADE, assim como o BNDES, não deve ser utilizado como mero trampolim, beneficiando os grandes grupos empresariais ou se curvando a eles, em virtude de acordospolíticos, sem beneficiar aqueles que mais necessitam.

A união de dois grupos de grande porte poderá gerar problemas entre funcionários e fornecedores. Com relação aos colaboradores, poderá haver demissões, e com os fornecedores, poderá ocorrer uma situação pior do que já existe hoje: serem obrigados a achatar as margens de lucratividade, pois o volume de compras aumenta substancialmente, forçando-os a se curvar e vender cada vez mais a preços menores. Em muitos casos como esse, a situação é tãopredatória que leva os pequenos empreendedores à quebra. As empresas que seunem, através de fusão, cisão ou venda/compra do controle acionário, buscam maior sinergia e redução dos overheads (custos e despesas fixas) para aumentar a lucratividade dos seus negócios. Nem sempre preocupam-se com seus parceiros e colaboradores.

Se ocorresse a aprovação dos recursos do BNDES e o CADE aceitasse a operação como regular poderíamos sim criar um monopólio, seriamos mais uma vez punidos por outros países como nação que quer soberania, justiça e dignidade, mas não respeita contratos, acordos internacionais e patentes. Já tivemos uma experiência traumática com a Itália. A decisão do BNDES foi louvável nesse intrincado caso do Pão de Açúcar prevalecendo o bom senso dos responsáveis, para que não fosse mais um episódio prejudicial à imagem do Brasil e seu povo.

Reginaldo Gonçalves é coordenador do curso de Ciências Contábeis da Faculdade Santa Marcelina.

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