O que vem pela frente

Segundo dados da Serasa Experian, a quantidade de empréstimos com pagamentos atrasados há mais de 90 dias está aumentando nos últimos meses e deve chegar a 8% até o fim do ano. O aumento da inadimplência dos consumidores brasileiros é associado à falta de educação financeira e ausência de informações sobre o histórico dos clientes. O fato é tão relevante que no mês de junho ganhou as páginas do diário econômico britânico Financial Times, que publicou uma reportagem sobre o possível estouro de uma bolha de crédito no Brasil, a exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos em 2009. De acordo com o jornal, o crescimento econômico do País brasileiro tirou mais de 30 milhões de pessoas da pobreza e esses novos consumidores passaram a pedir empréstimos para comprar casas, carros e eletrodomésticos.

Apesar do risco iminente, na opinião de Cristiano Souza, economista sênior do Grupo Santander, ainda não há motivos para o mercado temer o chamado “boom de crédito”. “A queda continuada do nível de juros e o forte aumento no emprego e nos salários dão base à percepção de que o endividamento dos consumidores brasileiros é largamente sustentável e não gera perigos imediatos para a saúde do sistema financeiro”, afirma.

Mas não é só a inadimplência que gera preocupações quando o assunto é a atual conjuntura econômica do Brasil. A alta da inflação – prevista para fechar o ano mais uma vez próxima ao teto da meta, em 6,1% – também disparou sinal de alerta entre empresários, investidores e a população em geral. “Caso a inflação não seja contida, o risco é que o patamar alto se mantenha nos próximos anos, corroendo parte dos ganhos recentes em termos de distribuição de renda e trazendo incerteza ao cenário futuro”, explica o economista, que, aos 36 anos, possui mestrado e doutorado em teoria econômica pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP).

Na entrevista a seguir, Souza fala mais a respeito destas e de outras questões associadas ao cenário financeiro e econômico do País, incluindo as projeções de inflação para 2012, a situação dos juros bancários e as ações que podem compensar o baixo valor do dólar e diminuir os prejuízos acumulados pelas empresas de exportação.

Há o risco de existir uma bolha de crédito no Brasil, voltada ao consumo de classes sociais em ascensão, como citado pelo Financial Times?
Cristiano Souza –
O movimento de alta no crédito tem sido muito intenso, porém parece baseado em fundamentos: a significativa melhora na distribuição de renda nos últimos anos, a queda continuada do nível de juros e o forte aumento no emprego e nos salários dão base à percepção de que o endividamento dos consumidores brasileiros é largamente sustentável e não gera perigos imediatos para a saúde do sistema financeiro. Vale observar que a bolha de ativos é definida como o descolamento do preço corrente desse ativo do seu preço “justo”. Logo, o termo “bolha de crédito” não é exatamente correto, pois crédito não tem preço como uma ação ou uma debênture. Acredito que o melhor seja “boom de crédito”.

O Brasil pode voltar a ter problemas com a inflação? Qual a origem deste problema?
Cristiano Souza –
A inflação pode ficar por mais um ano próxima ao teto da meta, em 6,1% (5,9% em 2010). A inflação alta resulta da demanda aquecida, que cresce além da oferta de bens e serviços do País e pressiona o nível de preços. Caso não seja contida, o risco é que o patamar alto se mantenha nos próximos anos, corroendo parte dos ganhos recentes em termos de distribuição de renda e trazendo incerteza ao cenário futuro, o que atrapalharia planos de investimento de longo prazo.

Na sua opinião, o governo atual e o Banco Central têm adotado medidas suficientes para conter o quadro inflacionário? O que é possível fazer para ter resultados mais significativos?
Cristiano Souza –
Não. Os apertos fiscal (menores gastos) e monetário (alta de juros) têm sido corretos, porém insuficientes para reduzir a demanda para nível compatível com a convergência da inflação para a meta já em 2012. Os gastos do governo ainda se encontram acima do patamar pré-crise (17,8% do PIB em abril de 2011 contra 17% em meados de 2008), porém ligeiramente abaixo do nível de fins de 2010 (18% do PIB). A taxa real de juros se encontra em 7,1% a.a., no piso do intervalo para a taxa natural de juros (taxa que mantém o crescimento no potencial – 4,5% – e a inflação na meta, estimada entre 7% e 8%). A solução seria uma mistura de maior aperto fiscal e monetário, para o governo não depender exclusivamente da alta de juros para controlar a demanda agregada.

O que esperar para a inflação de 2012?
Cristiano Souza –
Nossa projeção é de IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) em 6%, ou seja, certa estabilidade da inflação em patamar alto.

Instituições internacionais estimam que a economia brasileira crescerá acima da média mundial, mas abaixo da média latino-americana. O senhor concorda com estas perspectivas? Por quê?
Cristiano Souza –
Sim. A média de crescimento mundial será puxada para baixo pelo fraco desempenho das economias desenvolvidas. Alguns países latino-americanos seguem com forte crescimento, alguns em meio a forte ciclo de investimentos, outros com estímulos fiscais específicos, e podem mostrar alta de produto até maior que o Brasil. Porém, alguma desaceleração é necessária para todos, já que o mesmo quadro de sobreaquecimento da atividade é visto por toda a região.

A economia mundial já se recuperou da crise? Que fatores internacionais podem dificultar ou impedir a retomada do crescimento?
Cristiano Souza –
Em termos de patamar do PIB, muitos países desenvolvidos já se recuperaram, mas as demandas domésticas ainda se mantêm enfraquecidas. Já os países em desenvolvimento, principalmente os latino-americanos, há muito deixaram para trás os efeitos da crise com crescimentos robustos de consumo e investimento. Porém, Estados Unidos, Europa e Japão hoje sofrem com o forte aumento de endividamento necessário para essa recuperação; logo não sofrem mais com a crise, mas com os efeitos das medidas utilizadas para combatê-la.

De acordo com a atual conjuntura, o que vai sustentar o crescimento da economia brasileira, o mercado interno ou o externo?
Cristiano Souza –
A economia brasileira é fechada, as exportações têm (e sempre tiveram) baixo peso na composição do PIB (cerca de 12%). Logo, o principal fator impulsionador da economia brasileira é a demanda doméstica e continuará assim na atual conjuntura.

Que medidas poderiam compensar o baixo valor do dólar e diminuir os prejuízos de empresas exportadoras?
Cristiano Souza –
As melhores medidas para contrabalançar a perda de competitividade trazida pela taxa de câmbio apreciada seriam investimentos em infraestrutura, reformas de diversos aspectos da economia brasileira (tributária, trabalhista, previdenciária) e, em termos mais gerais, aumento na eficiência do setor público. Isso diminuiria custos de produção e se reverteria em ganhos de competitividade dos produtos e serviços no Brasil.

O governo atual está sabendo lidar com a necessidade de cortar custos e investir em infraestrutura necessária para o crescimento da economia e a realização de grandes eventos no País?
Cristiano Souza –
Os primeiros movimentos no sentido de melhora das contas públicas e mais investimentos têm ido na direção correta, porém ainda são insuficientes para o tamanho do trabalho necessário para resolver diversos problemas de infraestrutura que o País apresenta.

Sobre juros bancários, até que patamar as taxas podem chegar ainda para o consumidor?
Cristiano Souza –
Não temos projeção para taxas na ponta. Trabalhamos com a taxa Selic em 13% a.a. até o final de 2012, o que ainda elevará as atuais taxas cobradas do tomador final.

Contato:

Cristiano Souza: www.santander.com.br
 

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