Não basta ter uma boa ideia na cabeça, é necessário executar, afirma Cássio Spina

Cássio Spina gosta de autodenominar-se “empreendedor”, apesar de já ter vivenciado as outras facetas de um negócio, como consultor e investidor anjo. Sob este último título, ele fundou a Altivia Ventures e a Anjos do Brasil, organização sem fins lucrativos com a missão de fomento ao investimento anjo e apoio ao empreendedorismo de inovação brasileiro. Porém, de fato, a atividade que ele mais desempenhou na vida profissional foi mesmo o empreendedorismo.

Com mais de 25 anos de experiência como empreendedor na área de tecnologia, Spina fundou e liderou por 18 anos a Trellis, empresa especializada em produtos e soluções de conectividade de redes, que foi líder em diversos segmentos do mercado brasileiro e efetivou um ciclo completo como empresa: criação, captação de investimentos, crescimento, fusões & aquisições e venda.

Por conhecer todas essas diferentes fases de um negócio, Spina traz na bagagem ensinamentos valiosos tanto para empreendedores como para investidores. Ele ensina que empreender é um conjunto de teoria com prática e afirma que é importante que o empreendedor se capacite, estude, leia, se aprofunde, mas também execute. E, com isso, derruba um dos maiores mitos do mundo dos negócios: a ideia. “A ideia em si não é tão importante, o investidor vai ver o quanto o empreendedor consegue executar”, destaca.

Para saber mais sobre a relação empreendedor/investidor anjo e como se preparar para executar ambas as posições com êxito, confira a entrevista abaixo com o engenheiro eletrônico formado pela Escola Politécnica da USP, autor do livro “Investidor Anjo – Guia Prático para Empreendedores e Investidores” e colunista da Exame e diversos outros veículos.

Segundo sua experiência, existe no Brasil grande potencial para criar negócios inovadores e rentáveis?

Cássio Spina – Se o negócio tem uma inovação significativa que gere uma vantagem competitiva, não importa se tem ou não crise, é uma oportunidade de desenvolver o negócio. Muitas vezes, a crise pode ser até favorável, não todos os casos obviamente, mas se a empresa tem uma solução para um momento de crise, pode ser o momento para alavancar o negócio. Mas, o fator essencial para criar esse tipo de negócio é a inovação. De modo geral, o empreendedorismo no Brasil está evoluindo.

O país sempre teve uma característica muito empreendedora e o perfil do empreendedor brasileiro passou por uma mudança significativa no final da década passada e hoje tem mais empreendedores que começam seus negócios por questão de oportunidade e não de necessidade. Ou seja, são empreendedores que realmente têm projetos para criar seus negócios, não somente pensando na própria subsistência. E isso obviamente permite que se tenha empreendedores mais bem preparados com a missão de construir negócios mais significativos. Esse panorama está em evolução, não podemos dizer que esteja pronto.

Por que você acha que um investidor deveria colocar seu dinheiro em negócios que estão apenas começando, como as startups?

Há dois fatores que devem ser os motivadores para um investidor escolher colocar seu dinheiro em uma ideia ou projeto que esteja começando. O primeiro deles, obviamente, é o potencial de ganho, pois é um investimento de risco mais elevado, porém o retorno que o investidor pode ter é proporcionalmente maior. Entretanto, esse não pode ser o único objetivo do investidor.

Existe um propósito complementar que é o da realização. O investidor deve sentir que vai contribuir e se realizar com a atividade em si. Pois investir em empresas e startups é uma atividade na qual o investidor consegue agregar muito para empreendedor, através de seus conhecimentos, redes de contato e relacionamentos. Por outro lado, o investidor tem a oportunidade de aprender muito com o desenvolvimento do negócio. Por isso, afirmo que existem outros grandes ganhos que não estão relacionados somente ao dinheiro. Na verdade, não dá para separar um fator do outro, não dá para investir só porque gosta do negócio, pois aí vira hobby e também não dá só para investir pensando em dinheiro, porque o risco é mais elevado e o prazo de retorno é longo.

Em sua opinião, qual seria o negócio ideal, ou seja, aquele que todo investidor quer investir?

É formado por um conjunto de características importantes: inovação, vantagem competitiva, barreira de entrada, não ser tão copiável, ser escalável, ou seja, se o negócio puder ser multiplicável por 10 vezes, porém sem necessariamente eu precisar de 10 vezes mais pessoas e recursos financeiros. O ideal é que, no máximo, eu precise de duas vezes mais pessoas e dinheiro. Isso sim é um negócio escalável.

Outro fator muito importante é o potencial de mercado significativo, que seja mais ou menos capaz de gerar centenas de milhões de reais ou até bilhões. Não estou dizendo que a empresa em si deve atingir esse patamar, mas deve ter o potencial, se a empresa for um player significativo deste mercado, de apresentar um resultado elevado. Não é recomendável, por exemplo, para um investidor colocar seu dinheiro em uma empresa, na qual o mercado que ela atua fatura por ano no total R$ 10 milhões.

O investidor, geralmente, quer um negócio que possa lucrar mais. Além disso, é recomendável avaliar quem são os sócio-fundadores da empresa ou startup, investigar se eles têm as competências essenciais que o negócio precisa e se eles possuem também as competências complementares entre os sócios fundadores. Isso é importante, porque é ideal que um dos sócios entenda mais de marketing, enquanto o outro saiba mais de alguma área técnica específica.

Para quem é empreendedor e procura um investidor, que dicas você daria para o projeto ser escolhido por um investidor anjo?

O empreendedor deve fazer um “pitch” bem feito, ou seja, é aquele famoso discurso do elevador, explicando rapidamente o que o negócio tem de interessante para o investidor. Esse é o momento da conquista. A analogia que faço no meu libro é: encontrar um investidor é o mesmo que encontrar marido ou esposa. Você começa paquerando e vem aquela primeira impressão que um tem do outro. Depois, a relação vai evoluindo aos poucos.

Voltando ao mundo dos negócios, nesse momento, o empreendedor deve ter um plano estruturado para apresentar ao investidor, mostrando os recursos que serão necessários, a previsão de resultados a curto e médio prazos, após o recebimento do investimento, e a estratégia de entrada no mercado. Enfim, apresentar um plano mínimo para que o investidor sinta que o projeto que o empreendedor está propondo para ele tenha o mínimo de consistência. Mais adiante é a fase do “noivado”, quando se negocia os termos e as condições de investimento. E depois chega o casamento, a única diferença é que na relação empreendedor/investidor quando se fala em casamento, também já se pensa no divórcio no futuro, que é quando o investidor vai receber o retorno do investimento e sair do relacionamento.

O investidor anjo também espera que o empreendedor tenha, pelo menos, um protótipo ou uma prova de conceito daquilo que ele vai apresentar. Então, não é somente apresentar uma ideia, pois desse jeito será muito difícil o investidor se interessar. Mais uma faceta buscada pelo investidor é saber o quanto o empreendedor conseguiu executar, utilizando somente os recursos próprios. O investidor quer ver o quanto o empreendedor conseguiu se virar sozinho. Os investidores gostam de investir em empreendedores que fazem muito com pouco, porque eles têm o potencial de multiplicar o investimento. E esse tipo de empreendedor é muito valorizado.

De acordo com sua experiência, quais fatores contribuem para o sucesso da boa relação entre investidor e empreendedor?

É se alinhar às expectativas mútuas. Conversar sobre o que ambas as partes esperam do negócio no futuro. Combinar os detalhes, por exemplo, um perguntar, saber do outro se quer receber um relatório uma vez por mês, por semana, de quantas páginas e assim por diante. É necessário definir a frequência dos contatos, a frequência das reuniões. É muito importante combinar esse alinhamento de expectativas antes para que depois não haja quebra de nenhuma promessa. Definir também em quais questões estratégicas o investidor vai participar nas decisões ou não também é essencial.

Os negócios brasileiros recebem investimentos de investidores estrangeiros? Qual seria um diferencial dos negócios brasileiros que chamaria a atenção de um investidor estrangeiro?

Quando o negócio já está mais maduro e em fase de crescimento, sim. Este tipo de investidor geralmente vai fazer investimentos maiores, porém em negócios com menor risco. Em geral, não é tão comum. E quando acontece, o investidor está mais focado no mercado brasileiro e latino-americano. Então, são investidores que estão olhando mais os negócios que são diferenciados regionalmente.

Quantos negócios a Anjos do Brasil já aproximou?

O trabalho desenvolvido pela Anjos do Brasil é fazer a aproximação entre investidores e empreendedores. Selecionamos alguns projetos de empreendedores e apresentamos para os investidores, depois os investidores é que vão escolher aqueles que interessam. Nos últimos sete anos, já apresentamos mais de mil projetos aos nossos investidores.

Qual é a perspectiva de futuro que você vislumbra em relação à evolução desse tipo de negócio no Brasil?

O panorama geral é positivo. Quando comparado aos EUA, a proporção que o Brasil se encontra é 1 para 10, ou seja, nós somos 10% do que a economia americana é hoje. Em relação especificamente aos investimentos anjos, o Brasil apresenta volume de negócios cotado a menos de 1% em relação aos EUA. Costumo dizer que esse tipo de negócio no Brasil deveria ser 10 vezes maior para estar equiparado a mesma proporção americana. Então, temos ainda muito para crescer, muito para expandir.

Os entraves nacionais são muitos, como os já conhecidos: taxas de juros muito elevadas e burocracia. Agora, olhando para o lado positivo, tivemos uma conquista no final do ano passado muito relevante que foi a aprovação da Lei Complementar 155 que entrou em vigor em 01 de janeiro de 2017, que assegura a proteção jurídica ao investidor, garantindo que o investidor não vai responder por nenhum passivo da empresa. Considero essa conquista bastante significativa. E agora estamos buscando criar políticas de estímulo na área fiscal.

 

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