Produtores querem mudanças no novo regulamento de inspeção sanitária

Cadeias produtivas que trabalham com produtos de origem animal, como carne, leite, mel, pescados e derivados, estão se organizando para apresentar propostas de modificações ao novo Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária dos Produtos de Origem Animal (RIISPOA). O documento, que se encontra em consulta pública até o dia 15 de setembro, traz alguns avanços em relação ao regulamento vigente, que data de 1950, mas ainda apresenta pontos que merecem ponderação do Ministério da Agricultura e Abastecimento (MAPA).

O documento estabelece normas que regulam, em todo o território nacional, a inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal. A nova proposta do RIISPOA atualiza conceitos e exigências higiênico-sanitárias, previstas na legislação que define os requisitos para o registro dos estabelecimentos e a fiscalização pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF).

O setor de apicultura está organizado e elabora, em um grupo de trabalho da classe científica, um documento que deve reunir as sugestões da cadeia produtiva para alterar o novo regulamento. O pesquisador da Embrapa, Ricardo Camargo, aponta que o RIISPOA precisava de uma revisão por conta da necessidade de inclusão de novos temas, mas, segundo ele, há ainda uma série de inadequações.

A principal preocupação da apicultura é a exigência de que toda casa de mel esteja registrada ou relacionada no Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (DIPOA/MAPA) para que possa participar até mesmo do mercado interno. “Trata-se da exigência do registro de Estabelecimento Relacionado (ER), um processo longo e complexo. O regulamento não pode ser tão restritivo a ponto de inviabilizar a cadeia produtiva. Tememos a possibilidade de um entrave no mercado”, explica.

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A presidente da Associação Brasileira de Exportadores de Mel (Abemel), Joelma Lambertucci, também destaca essa preocupação. “O produtor rural vai ter que ficar correndo atrás de papel, algo que foge ao seu perfil. Também há a dificuldade financeira, pois conta com pouco recurso para atender a todos os requisitos da legislação. Além disso, há uma grande burocracia, cada órgão tem legislação própria e ainda há vários alvarás”, aponta.

Segundo Joelma, soma-se a isso o excesso de trabalho a que os fiscais estão submetidos, o que traz lentidão na finalização de processos. “Hoje, essa exigência já está difícil para aqueles que exportam, imagine se colocarmos a necessidade do ER para todos”, completa.

O coordenador nacional da Rede APIS/Sebrae, Reginaldo Resende, ressalta que a preocupação do Sebrae, como agência de desenvolvimento, é com o futuro de milhares de pequenos apicultores, responsáveis por uma parcela significativa da produção nacional de mel.

“A exigência de registro das Unidades de Extração como ER pode levar grande parte dos apicultores a um processo de informalidade. Achamos que há um ‘excesso de zelo’ por parte do Ministério da Agricultura, uma vez que um cadastro das Unidades de Extração associado à implantação do Sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC), já seria suficiente para garantir a segurança do mel processado nessas unidades”, diz. Entretanto, Reginaldo destaca que, em longo prazo, tanto o cadastro como o registro contribuiriam para uma melhor coordenação ou governança da cadeia produtiva do mel.

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Propostas

Os especialistas destacam que o setor deve implantar boas práticas apícolas de produção, o Sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (HACCP/APPCC) e a rastreabilidade do campo até o entreposto. “Se formos além disso as casas de mel terão exigências como se fossem indústrias no campo. Algo que onera e não implica em produto de qualidade”, diz Reginaldo.

Para propor uma alternativa ao Ministério da Agricultura, o grupo de trabalho de apicultura está fazendo uma avaliação comparativa com os regulamentos de outros países. Já foi verificado que a Comunidade Européia, conhecida por impor normas rígidas, não exige um registro das casas de mel, e sim um cadastro do produtor. Na Alemanha, por exemplo, o produtor se cadastra, descreve o local das colméias e de sua casa. A partir daí, um veterinário do Estado vai até o local fazer inspeção de sanidade e solicita que sejam seguidos procedimentos de boas práticas de fabricação e higiene.

Esse exemplo da Alemanha é o que deve ser proposto. “A idéia é termos um cadastro nacional dos estabelecimentos junto ao Ministério da Agricultura. É uma forma de criarmos um vínculo sem trazer complexidade para a cadeia produtiva”, assinala o pesquisador da Embrapa, Ricardo Camargo.

Pontos positivos

Especialistas também encontraram pontos positivos no novo RIISPOA. Segundo Joelma, um exemplo é o procedimento de análise de água. Antes, era preciso seguir um regulamento específico do Ministério da Agricultura, que era tido como muito complexo. O novo RIISPOA sinaliza que agora se deve seguir o regulamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Esse documento é mais realista. Está mais de acordo com o grau de desenvolvimento em que estamos”, diz Joelma.

Joelma cita também uma inovação na revisão do regulamento. “O documento coloca a indústria como responsável pela qualidade do produto e o governo responsável pela verificação do cumprimento da lei”, cita. Outro ponto importante é que o regulamento agora ampara o mel composto, ou seja, reconhece o mel com a adição de outros componentes. “Antes não havia definição para esse produto”, conta Joelma.

Reginaldo destaca como positivo o artigo 631 da proposta de RIISPOA. Ele determina que nos produtos de origem animal que apresentem em sua formulação o mel, deve constar na rotulagem o percentual de mel utilizado.

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Ovinocaprinocultura

O coordenador nacional de projetos de ovinocaprinocultura do Sebrae, Ênio Queijada, destaca que a revisão tem sido importante por trazer a discussão para o setor. “De modo geral, trata-se de um regulamento de primeiro mundo, mas as condições de implantação ainda são de terceiro mundo. Precisamos atualizar o regulamento de forma que seja efetivo e possa ser colocado em prática pela cadeia produtiva”, diz.

Com relação ao leite, houve um grande avanço. O empresário Paulo Cordeiro, da Caprilat, produtora de leite de cabra, destaca que o documento anterior não contemplava o leite das espécies caprina, ovina ou bubalina. “Além disso, o RIISPOA destaca que a produção, qualidade e identidade desses leites estarão sujeitos a especificações de regulamentos técnicos próprios. É um avanço porque antes qualquer parâmetro era o leite de vaca”, diz.

Queijarias

Outro problema no texto do novo regulamento é a definição do termo queijaria. O texto destaca que se trata de “estabelecimento situado em fazenda leiteira e destinado à fabricação de queijo Minas, devidamente relacionado no Serviço de Inspeção Federal e filiado a entrepostos de laticínios registrados no SIF (…)”.

O gestor local de ações do Sebrae no APL de Laticínios no Sertão de Alagoas, Marcos Fontes, destaca que esse conceito exclui as queijarias produtoras de queijo coalho, manteiga, os queijos regionais em geral. “O RIISPOA anterior não trazia o conceito de queijaria. A definição do novo regulamento, por exemplo, não atende à realidade do Nordeste”, conta.

Somente em Alagoas, o Sebrae apóia cerca de 80 queijarias que estariam fora da definição. “Elas teriam que se enquadrar no conceito de indústria de laticínio, o que aumenta mais as exigências, trazendo a necessidade de um investimento pesado por parte das pequenas empresas”, afirma Marcos.

“A Lei Geral vai numa direção para favorecer o crescimento das micro e pequenas empresas. Mas esse regulamento segue na contramão, inviabilizando a pequena produção de queijos artesanais”, completa. Segundo Marcos, não se pode abrir mão da segurança alimentar, mas as exigências também não podem inviabilizar os pequenos negócios.

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