Projetos de jovens cientistas e inventores revelam suas preocupações

Uma vida sustentável, mais natural e com saúde. Essas são, em linhas gerais, as principais preocupações dos jovens cientistas e inventores que participarão da próxima Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (FEBRACE), que acontece de 21 a 23 de março nas dependências da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), em São Paulo. Dos 346 projetos realizados por jovens do ensino médio e técnico, 101 (29%) propõem soluções sustentáveis ou ecologicamente corretas para problemas diversos e 80 (23%) procuram respostas alternativas para problemas de saúde e limitações físicas.

“Em uma boa medida, a FEBRACE é um espelho das preocupações que movem os jovens cientistas brasileiros. Os 346 projetos finalistas foram selecionados entre milhares feitos por estudantes de todos os estados brasileiros e que se inscreveram nas 126 feiras afiliadas. É uma boa amostra das linhas de pesquisa de interesse deles”, afirma a coordenadora geral do evento, Roseli de Deus Lopes, professora da Poli-USP. Veja abaixo alguns destaques dos projetos nessas linhas:

Fábrica caseira de sabão – Quem já tentou fabricar sabão com óleo usado de cozinha sabe o trabalhão que dá. Muitos desistem e acabam voltando a descartar o óleo no ralo da pia, mesmo sabendo que ele polui os mananciais de água. Para estimular essa turma, Valentina de Ávila Gomes Carneiro Dutra Câmara, Lorenza de Ávila Gomes Carneiro Dutra Câmara e Mariana Campos de Melo, estudantes do Centro de Educação Angher em Barbacena (MG), desenvolveram uma tecnologia que automatiza a produção doméstica de sabão. O funcionamento do dispositivo ocorre por meio de uma bateria que utiliza a energia gerada de uma fonte de água corrente (pode ser a pia da cozinha de uma dona de casa, por exemplo) para alimentar um motor, cuja função é misturar o óleo usado com soda cáustica continuamente. Um timer indica quando a solução está pronta, e esta é colocada em um recipiente com o formato do sabão para esfriar.

É orgânico ou não é? – Após assistir a uma reportagem que mostrava comerciantes vendendo hortaliças com agrotóxicos como se fossem orgânicos, os estudantes Matheus Thim, Maria Fernanda Baumann e Gabriel Eduardo da Silva, do Colégio Estadual Pio XII, em Maripá (PR), resolveram pesquisar os métodos de identificação de agrotóxicos em hortaliças. De cara, descobriram que isso costuma ser feito por meio de uma técnica cara e em laboratórios. Acabaram desenvolvendo uma fita que, ao ser colocada em contato com a hortaliça, muda de cor quando houver resíduos de agrotóxicos. Um teste simples e barato, que pode ser feito no ato da compra pelo consumidor.

Nanotecnologia em repelente – Uma alternativa aos repelentes sintéticos que possuem compostos tóxicos e podem causar irritações cutâneas, intoxicações e até problemas cardiovasculares, está sendo proposta pelos estudantes Paloma Domingues de Castro Grimaldi e Bruno Scheffler Monteiro, do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (RJ). Eles criaram um repelente natural produzido do óleo de copaíba, extraído da copaibeira, uma árvore de grande porte encontrada principalmente na Floresta Amazônica. O diferencial está na tecnologia empregada. O óleo, por ser essencial, evapora muito rapidamente na atmosfera (de três a 20 minutos), e, por isso, a equipe teve que procurar uma solução de boa penetração e durabilidade na pele. Utilizando a nanotecnologia, o grupo foi capaz de encapsular o óleo e evitar e evaporação rápida, criando uma nano emulsão com fases oleosa e aquosa que se dissolvem entre si.

Otimizando a reciclagem – Quem não possui coleta seletiva de lixo em sua cidade, não tem mais desculpa para não contribuir com a reciclagem de lixo. Os estudantes Wesley de Oliveira Santos e Bruno Rodrigues, da Escola Estadual Professora Adelaide Maria de Barros, de Mogi das Cruzes (SP), desenvolveram um aplicativo para gerenciamento de resíduos domésticos. É ideal para condomínios, escolas e empresas trocarem informações entre si ou com cooperativas de reciclagem sobre a disponibilidade de material reaproveitável. O aplicativo funciona em sistema Android e nele estão as informações necessárias para os interessados: tipo de material, quantidade e local onde está armazenado. O aplicativo já foi testado na escola dos estudantes.

Sachê purificador de água – As estudantes Djenifer Karalayne Izo Silvério, Ana Paula Agostini e Gabrielle Caroline Regueira, do Senai de Joinville (SC), criaram um sachê que trata rapidamente a água, corrigindo seu pH e eliminando impurezas. O sachê contém compostos químicos, na forma de pó, e vem embalado em saquinhos. Para cada litro d’água que se quer purificar, basta adicionar o conteúdo do sachê na água. Em poucos minutos, o pó se une às impurezas e as leva para o fundo da vasilha por meio de decantação. As impurezas são facilmente removidas, bastando usar filtro de coar café ou um tecido limpo. “Fizemos mais de 10 tipos de ensaios utilizando a água de um rio próximo da escola para verificar a eficácia do composto e constatamos que ele elimina a presença de amônia, cloretos, coliformes fecais, entre outros, sem prejudicar a saúde humana”, afirma o orientador do grupo, professor Fabrício Borges.

Rampa móvel para cadeirante – Ao constataram as condições precárias de acessibilidade na cidade Saripanga (RS), três estudantes, Luana Gabriel Boes, Eduarda dos Reis e Lucas Eduardo Reichert, da Escola Municipal de Ensino Fundamental La Salle, decidiram projetar uma rampa móvel portátil para ajudar cadeirantes. Feita de alumínio e com superfície antiderrapante, a rampa tem duas alças de acesso com 13 centímetros de largura e 65 centímetros de cumprimento, pesa 2,3 quilos e foi desenhada para declives com até 22 centímetros de altura, justamente o intervalo de declividade mais encontrado pelos estudantes em sua pesquisa. “Qualquer pessoa pode montar e desmontar a rampa, uma operação simples e que demora menos de um minuto”, destaca Luana. Os estudantes também projetaram uma bolsa de transporte para a rampa. O custo estimado da rampa é de R$ 200,00, no máximo.

Farinha de jenipapo contra anemia – Fruto da árvore jenipapeiro, o jenipapo contém alto teor de ferro – um sal mineral muito necessário para a população da cidade de Lagoa da Canoa (AL), onde moram os estudantes da Escola Estadual Nossa Senhora da Conceição, William Vítor Pinheiro dos Santos Melo e Mayane Maria da Silva Teles. A cidade tem uma grande incidência da anemia ferropriva, doença que em geral é causada pela falta de ferro na alimentação, e também abundância dessa fruta. Para ajudar a reverter este quadro, eles pesquisaram meios de fazer uma farinha de jenipapo que pudesse ser ministrada aos pacientes. No final, obtiveram a farinha desidratando o fruto em estufa num processo rápido, que leva uma hora, no máximo. Como o processo alterou o sabor, a farinha precisa ser misturada em suco para ser consumida. Deve ser ministrada duas vezes ao dia aos pacientes, por um mês ou mais, dependendo da gravidade da doença. São três gramas de farinha – ou uma colher de chá – para 200 ml de suco – o equivalente a um copo americano.

Óleos essenciais contra raios UV – Sthefany Alune Dutra Silva, do Centro de Ensino Médio 02 do Gama, de Brasília (DF), extraiu e estudou óleos essenciais de quase 15 espécies de plantas do Cerrado brasileiro na busca por compostos naturais que pudessem proteger a pele dos raios ultravioleta do sol. “Observei um ipê amarelo que temos aqui, e notei que a planta sempre está muito exposta ao Sol, mas mantém a beleza e vigor. Então imaginei que ela contém algum mecanismo de proteção aos raios e fui pesquisar que mecanismo poderia ser esse”, lembra. Usando um espectrofotômetro da Universidade Federal de Brasília (UnB), ela avaliou o poder de absorção de raios UVA, UVB e UVC dos óleos essenciais do ipê e de plantas como guariroba e pata de vaca, entre outras, numa pesquisa que mostra o potencial desses compostos para uso pela indústria de cosméticos. Sthefany já conseguiu uma bolsa para fazer sua graduação nos Estados Unidos e está participando agora do processo de seleção e admissão para 14 universidades americanas, como Stanford e Harvard.

Carapaça de camarão na cura de queimaduras – A carapaça do camarão, um rejeito das peixarias, é fonte importante de quitina, utilizada com sucesso na formulação de um curativo cicatrizante para queimaduras desenvolvido pelas estudantes Sâmia Seleme e Mila Cortes Chacon de Oliveira, do Colégio Bom Jesus, de Curitiba (PR). Depois de um processo de desmineralização e descoloração da casca, elas extraíram a quitina. Uma base de amido e glicerina foi adicionada à mesma, formando uma membrana úmida, bastante flexível e, por isso, capaz de se moldar bem à pele. Resultado: um curativo que promove uma cicatrização antimicrobiana. “O amido trata da ardência e dá liga à membrana, enquanto a glicerina promove a hidratação da pele e a quitina atua na cicratização”, explica Sâmia. As estudantes tiveram como objetivo fazer um curativo mais barato do que os usados pelos hospitais do Sistema Único de Saúde. Pelos seus cálculos, uma membrana de tamanho pequeno, já existente no mercado, custa de US$ 2 a US$ 20,00. Já a membrana que elas desenvolveram, por usar como fonte de quitina um material que seria descartado, sairia por volta de R$ 0,70. A solução precisa ainda ser testada em animais e humanos.

Adoçante à base de batata – Quem diria que a batata, alimento que deve ser consumido moderadamente por diabéticos, poderia ser matériaprima para produção de um adoçante? Foi o que descobriram os alunos Andrey Silva Morawski e Rafaela Silveira Carniel, que estudam no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, da cidade de Osório. Nas suas pesquisas, eles souberam que a batata Yacon contém um alto teor de FOS, um tipo de açúcar não digerido pelo organismo humano. “Ou seja, o FOS pode ser consumido por diabéticos, pois não influenciará o índice glicêmico”, aponta Andrey. Eles extraíram o FOS e o aplicaram em três produtos de panificação, pão, bolo e cookies, buscando, assim, um adoçante diet natural e mais barato do que os já existentes. “Verificamos que, para o pão e para os cookies, não é necessário adicionar nenhuma complementação de adoçante artificial. O próprio extrato foi suficiente para adoçá-los”, conta ele. “Já no caso do bolo, foi preciso adicionar uma pequena quantidade de adoçantes artificiais. Porém, comparada com as receitas de mercado, usamos uma quantidade muito menor”, acrescenta. O adoçante é líquido e não há uma quantidade padrão para uso, uma vez que varia de acordo com o produto ao qual ele seria adicionado.

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