Semeando competitividade

Com a proliferação dos problemas ambientais no mundo, muito se fala sobre a importância de se buscar um equilíbrio entre a natureza e questões sociais e econômicas. A preocupação aumenta ainda mais se levarmos em conta que, até 2050, a produção agrícola mundial precisa ser elevada em 60% para atender as necessidades de alimentação de uma população de 9 bilhões de pessoas. Como atender a essa alta demanda, manter a qualidade de vida dos agricultores e reduzir os impactos ao meio ambiente? O Brasil, um dos principais produtores de alimentos do mundo, está pronto para esse desafio?
Segundo o estudo “Agricultura de baixo impacto: construindo a economia verde brasileira’’, o Brasil pode sim conciliar aumento da produção com desenvolvimento sustentável e aproveitar essa oportunidade de negócio. Desenvolvido pelo Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) e União Brasileira de Avicultura (Ubabef), o relatório busca entender como será a agricultura em 2030 (quando a população brasileira chegará a 220 milhões de pessoas), partindo do panorama atual da produção de alimentos e de bioenergia no Brasil. De acordo com o gerente-geral do Icone, Rodrigo Lima, o cenário foi projetado a partir de medidas de boas práticas agrícolas como a regularização ambiental das propriedades diante do novo Código Florestal, a redução do desmatamento, o incremento na conservação da biodiversidade e o uso racional de água e de insumos.

O conjuntura traçada pelo estudo do Icone é clara: o agronegócio brasileiro, do produtor familiar ao empresarial, deve agregar cada vez mais práticas de baixo impacto, levando à construção da economia verde brasileira. Esse conceito é definido pelos pesquisadores como a conversação de áreas de vegetação nativa e biodiversidade, a produção de alimentos saudáveis e energias renováveis, o uso de tecnologias que resultem em ganhos de produtividade e reduzam impactos ambientais. Além disso, economia verde no campo significa recuperar áreas degradadas, adotar práticas de baixo carbono, e premiar quem conserva os recursos naturais.

Para Rodrigo Lima, a chave para o sucesso da expansão sustentável do agronegócio brasileiro passa pela recuperação de áreas degradadas para uso da pecuária, deixando áreas férteis para outras culturas, reduzindo as emissões de gases do efeito estufa e minimizando os impactos. Estima-se que existem cerca de 200 milhões de hectares de áreas degradadas e de baixa produtividade atualmente, em função de processos erosivos, construção de estradas e represas e outras ações que resultam no empobrecimento do solo. O relatório do Icone indica que a demanda por novas áreas será suprida pela recuperação das degradadas, sendo factível esperar a recuperação de ao menos 30 milhões de hectares de áreas produtivas até 2030 – desde que se criem políticas de fomento.

Diante do debate do novo Código Florestal, o gerente explica que, ao contrário do que muitos pensam, a nova lei não incentiva os desmatamentos. Ele defende que, com o Cadastro Ambiental Rural, será possível monitorar de forma eficaz a regularização e desmatamento. “O novo texto prevê reflorestamento de áreas e determina novas alternativas para os produtores rurais que desmataram até julho de 2008. As obrigações de conservação de vegetação nativa, ou seja, das Áreas de Preservação Permanente (APPs) e das Reservas Legais (RLs), continuam a existir”, destaca. Para exemplificar, Lima explica que o produtor que quiser continuar utilizando parte de uma APP precisa recompor outra. Da mesma forma, precisa compensar a RL em áreas que poderiam ser legalmente desmatadas. Quem não assim o fizer será penalizado, e quem desmatou após 2008 não terá esses benefícios.

Quebrando paradigmas

Se até pouco tempo atrás era difícil imaginar a adoção de certas ações no campo, como o uso das inovações tecnológicas para auxiliar os produtores, hoje essa já é uma realidade que contribui para a concretização de boas práticas agrícolas. O cenário desenvolvido pelo Icone aponta que o papel da tecnologia, do acesso e da capacitação dos produtores é um dos fatores essenciais para incrementar a produção de alimentos e promover a diversificação dos produtos de acordo com a escala produtiva, o que pode trazer benefícios socioeconômicos.

Foi essa preocupação que levou a empresa Sansuy a criar o Vinibiodigestor. Trata-se de um equipamento capaz de processar os resíduos acumulados pela produção de gado leiteiro, que podem contaminar a água e o solo, mas, por outro lado, são excelentes matérias-primas para o biodigestor. “Empresas e consumidores estão cada vez mais exigentes: querem produtos mais saudáveis, descarte correto de materiais, produção que não agride o meio ambiente, preservação dos recursos naturais. E essas são premissas que não excluem o agronegócio, que pede produtores rurais cada vez mais conscientes de sua responsabilidade ambiental”, avalia Valter Saka, gerente comercial da empresa.

Dentre os benefícios para o produtor rural, Saka cita a melhora no aspecto de saneamento, o que diminui a presença de moscas e odores, e a produção de biofertilizante de qualidade, já que biodigestor estabiliza a matéria orgânica e melhora o aproveitamento dos minerais. Outra vantagem é a disponibilidade de combustível – biogás –, que pode ser utilizado no aquecimento de caldeiras, galpões, refrigeração, iluminação, motobombas, aquecimento de instalações para animais e outros, gerando economia para toda a propriedade.

O produto é só um exemplo que confirma que a agricultura está acompanhando as evoluções do mundo e, cada vez mais, novas técnicas e tecnologias estão sendo implementadas. Atuando no ramo de consultoria ao agronegócio há 15 anos, a empresa Exagro é procurada diariamente por pecuaristas que querem se engajar no caminho da pecuária rentável, limpa e que desempenha sua função social.
Na avaliação do consultor Márcio Garcia, essa mudança está ocorrendo não só devido à tecnologia, como também à necessidade de gestão profissional para se manter na atividade e obter sucesso, situação que afeta todos os setores da economia. “No Brasil, ao mesmo tempo em que temos fazendas sendo conduzidas nos moldes do passado, temos ilhas de prosperidade que não deixam nada a desejar quando comparadas com os melhores resultados mundiais”, opina.

Tecnologia x resistência cultural

A resistência à utilização de novas técnicas pode ser maior em pequenas e médias propriedades, que pertencem às mesmas famílias há várias gerações. Desde 2009 como diretora de comunicação e mar­keting da Ceres, a empresária Kelly Magalhães constatou que em certas regiões do País ainda há um certo conflito cultural perante o uso da tecnologia na agricultura. “Felizmente, nos últimos anos, este cenário, assim como o perfil do agricultor, está mudando. Ele está se dando conta de que, tendo um controle mais preciso das operações, é possível reduzir não apenas desperdícios e economizar dinheiro, mas também otimizar e profissionalizar a gestão da sua propriedade. Sem contar que, cuidando melhor da terra e reduzindo impactos no meio ambiente, ele está conservando o patrimônio da família para as próximas gerações”, afirma.

Quem investe na tecnologia para ajudar o trabalho no campo tem inúmeros instrumentos a seu favor. Um produto desenvolvido pela Ceres, por exemplo, evita que o agricultor tenha desperdícios por sobreposição e ainda garante a uniformidade das aplicações, tendo um manejo melhor e mais controlado de sua lavoura. Trata-se do Ostera Tangram GPS, um sistema de orientação que serve para guiar a maioria das operações agrícolas, desde a adubação, passando pelo plantio e pulverização, até a colheita.

Conforme explica Kelly, o diferencial deste equipamento é que ele não é apenas um GPS. De acordo com a necessidade, o agricultor pode adicionar funções ao equipamento, tais como taxa variável de fertilizantes, corte de seções de pulverização, monitor de plantio e piloto automático. “Acreditamos que a utilização da agricultura de precisão só tende a aumentar, por isso estamos sempre desenvolvendo novas soluções que não apenas tragam benefícios para a produção, mas que também melhorem a rotina do agricultor.”

 

Em família

Agregar valor à produção dos agricultores familiares e de pequenas escalas é uma das maiores necessidades em busca da economia verde no campo – fator também citado pelo estudo do Icone. A diversificação da agricultura familiar, inclusive, é apontada como fator fundamental na erradicação da pobreza no campo.

A conclusão é compartilhada pelo secretário nacional da Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Laudemir Müller. Ele confirma que, de norte a sul do País, há um conjunto de práticas sustentáveis adotadas pelos agricultores familiares, dinamizadas com aumento na geração de renda e conservação dos recursos naturais.

Um exemplo citado por Müller é a incorporação do manejo rotativo de pastagens na produção leiteira. Esta prática permite a formação de pastagens sem a movimentação do solo e diminui o emprego de fertilizantes químicos, de agrotóxicos e de produtos químicos para o tratamento de animais, resultando em um sistema produtivo com maior eficiência na fixação de carbono no solo e manutenção das suas qualidades químicas, físicas e biológicas. “Somado a estas questões ambientais, o manejo rotativo de pastagens permite um maior número de animais por área, menor custo de produção e maior rendimento econômico, fundamental para os agricultores familiares com pequenas extensões de terra”, complementa.

O manejo praticado pelos agricultores da Associação dos Agricultores Ecológicos do Sul de Minas (Ecominas) é assim. Ao utilizarem adubação verde e obedecerem a regras de sucessão de plantio, o meio ambiente não sofre impactos. “Como somos agricultores familiares, entendemos que a própria família deve assumir as responsabilidades na preparação ou compra de insumos, manejo na propriedade e comercialização, priorizando a venda direta”, afirma Müller.

O último Censo Agropecuário revelou que há mais de 4,3 milhões de estabelecimentos de agricultores familiares no Brasil, o que corresponde a 84% do número de estabelecimentos rurais. O relatório cita que este segmento produtivo responde por 10% do Produto Interno Bruto (PIB), 38% do Valor Bruto da Produção Agropecuária e 74,4% da ocupação de pessoal no meio rural (12,3 milhões de pessoas veiculadas). Como este levantamento foi realizado em 2006, estima-se que atualmente estes números sejam ainda maiores. Nessa produção, os produtos que mais se destacam são mandioca, feijão, suíno, leite, aves, milho, café, arroz, bovino e trigo.

De acordo com Laudemir Müller, a principal medida para aumentar ainda mais o desenvolvimento sustentável da agricultura familiar aliando crescimento, estabilidade econômica e preservação ambiental é o estabelecimento de políticas públicas. Ele ressalta que essas políticas devem possibilitar aos agricultores familiares o acesso a tecnologias adequadas para a produção agrícola e para as suas organizações econômicas, somadas a políticas que garantam a chegada destes conhecimentos por meio da assistência técnica e extensão rural e oferta de mercados institucionais e convencionais.

A Produção Integrada é outro exemplo que possibilita qualidade de vida tanto para quem tira seu sustento do campo como para o ambiente em que está inserido. Desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o processo de certificação é voluntário. Exige-se que o produtor adote rigorosamente uma série de normas técnicas que asseguram o mínimo de produtos agroquímicos, com níveis aceitáveis de resíduos tóxicos e com controle quanto ao manejo correto da água de irrigação, do solo e das plantas.

A compra desses produtos, que passam a ser identificados por um selo, é preferida pelos grandes canais de comercialização, contribuindo para que o produtor possa competir com vantagens no mercado interno e externo. Muito utilizada em diversos países, a Produção Integrada por aqui começou em 1995, com a cultura da macieira na região de Vacaria (RS) e Fraiburgo (SC). Depois da maçã, outras frutas receberam a certificação: manga, uva, mamão, caju, melão e pêssego.

Mercado em expansão

Outra oportunidade é a procura por alimentos livres de agrotóxicos, que aumenta em todo o mundo. Dados apresentados pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) em fevereiro de 2011 informam que a demanda de consumo de alimentos naturais cresce 20% ao ano no Brasil. Segundo a empresa de pesquisas Euromonitor, o valor obtido com a venda de alimentos orgânicos teve um aumento de 9,8%. Mesmo assim, ainda é possível evoluir muito. Segundo José Pedro Santiago, membro do Conselho de Certificação da IBD Certificações, enquanto no mundo faturam-se US$ 50 bilhões com produtos orgânicos, por aqui a cifra é de somente US$ 200 milhões.

O Brasil tem muitos diferenciais nesse contexto, como área disponível, boa base produtiva e disponibilidade de crédito. Possuindo o maior mercado consumidor de orgânicos da América do Sul, é considerado o país de maior potencial de produção orgânica para exportação, com cerca de 60% da produção em valor exportada. “Perto de 40% dos orgânicos são vendidos no mercado brasileiro. As commodities – açúcar, soja, café – são quase que totalmente exportadas, e todos os legumes, verduras e frutas são vendidos no Brasil”, informa José Pedro Santiago.

Até o momento, a IBD já realizou mais de 2 mil certificações e possui 950 contratos de produções em certificação, o que, entre cooperativas e Sebrae, engloba 5 mil produtores. Um fator que ajudou muito o segmento nos últimos anos foi a regulamentação da Lei Brasileira de Produtos Orgânicos. De acordo com Santiago, a legislação uniformizou os procedimentos de certificação e definiu os órgãos responsáveis pela acreditação e credenciamento das certificadoras. “Mas a lei precisa de aperfeiçoamentos e o setor governamental é lento nesse sentido”, ressalta.

Apesar desse constante crescimento, números da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) mostram que o público consumidor de orgânicos ainda reclama da oferta deste tipo de alimento, do preço elevado, da baixa variedade e da dificuldade de encontrá-lo. Por esses motivos surgiu o Organomix, um supermercado virtual que só comercializa produtos orgânicos, desde verduras até bebidas, massas e pães.

“Acreditamos que, concentrando uma diversidade grande de produtos e tornando a cadeia mais eficiente, atacamos diretamente o que ainda representa um desafio importante para o público consumidor. Nosso objetivo é reinventar a forma de o público brasileiro consumir alimentos orgânicos”, explica Marcelo Schiaffino, CEO do estabelecimento. As vantagens também alcançam os produtores de alimentos orgânicos, que ganham uma forma mais rentável de divulgar, comercializar e distribuir seus produtos.

Em um mundo que está em constante crescimento, o diretor da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Luiz Antônio Pinazza, concorda que debates envolvendo a conciliação da alta produção e da preservação da natureza são imprescindíveis. “Hoje podemos dizer que a nossa agricultura está competitiva e sustentável. E a sociedade começa a se conscientizar disso. A reunião de líderes mundiais na Rio+20 foi uma grande oportunidade para mostrarmos alguns de nossos programas bem-sucedidos em busca da sustentabilidade”, declara. Pinaz­za ainda prevê que, caso o Brasil enfrente problemas como queimadas e desmatamentos, sofrerá barreiras não tarifárias. “Por isso é importante desenvolver políticas que busquem a sustentabilidade, o que exige treinamento, conscientização e quebra de paradigmas.”

Ações como essas ajudarão a conciliar o desenvolvimento da agricultura com a preservação da natureza, aumentando ainda mais a importância do agronegócio na economia brasileira. No ano passado, setores ligados ao agronegócio representaram 22% do Produto Interno Bruto (PIB). Suas exportações registraram novo recorde com a soma de US$ 94,59 bilhões, o que representa um aumento de 24% e quase 30% da quantia total exportada pelo Brasil. A meta do Ministério da Agricultura para 2012 é ultrapassar US$ 100 bilhões, com estimativa de 5,7% de crescimento. E as perspectivas para termos ainda mais relevo no agronegócio em 2030 são animadoras.

Necessidade mundial

Até 2050, a produção agrícola mundial precisa incrementar 60% para atender as necessidades de alimentação. Isso porque a população mundial deverá ser de 9 bilhões de pessoas em 2050, de acordo com estimativa da Organização para a Alimentação e a Agricultura das Nações Unidas (FAO) e da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). O crescimento da produção agrícola significa produzir 1 bilhão de toneladas de cereais e 200 milhões de toneladas de carne a mais por ano em relação aos níveis de 2007. Segundo as organizações, o crescimento de produção virá principalmente dos países emergentes, como Brasil, China, Indonésia, Tailândia, Rússia e Ucrânia.

Plano ABC

Uma das metas do Plano de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (Plano ABC) é a recuperação de 15 milhões de hectares de pastagens degradadas até 2020, significando a redução de 83 milhões a 104 milhões de toneladas de CO2 equivalente.

Área agropecuária

A expansão da produção indica uma área de 64,3 milhões de hectares para lavouras em 2030, contra os atuais 60 milhões. Já a área de pastagens passará de 182 milhões de hectares em 2011 para 177,4 milhões, o que acarreta um total de 238,7 milhões de hectares de área agropecuária até 2030.

Leia mais:

Galinha dos ovos de ouro: http://empreendedor.com.br/pt-br/categorias/agronegocio/artigos/galinha-dos-ovos-de-ouro

Movido a porco: http://empreendedor.com.br/pt-br/categorias/ambiental/artigos/movido-a-porco–2

Madeira de lei:http://empreendedor.com.br/pt-br/categorias/sustentabilidade/artigos/madeira-de-lei

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