Tecnologias apuradas e até técnicas simples permitem ampliar produtividade no campo e indústria

Foto: Divulgação | O pecuarista Craig Bell produz em sua fazenda, na Bahia, 35 mil litros de leite por hectare – 23 vezes mais que a média nacional. No Paraná, o agricultor Leandro Ricci alcançou na última safra de soja uma produtividade recorde de 6.501 quilos por hectare – 123% acima da média brasileira. Ambos comprovam o que pesquisadores e especialistas em agronomia e sustentabilidade vêm afirmando nos últimos anos: o Brasil tem condições de dobrar sua produção de alimentos sem aumentar a área devastada. A solução é aumentar a produtividade da terra seguindo conceitos de sustentabilidade.

“Se todo o leite no Brasil fosse produzido num sistema similar ao nosso, seria possível livrar 20 milhões de hectares de pastagens”, calcula Craig Bell, proprietário da fazenda Leitíssimo, instalada em Jaborandi, na Bahia. Nascido na Nova Zelândia, ele começou a produzir leite no Brasil em 2002 e hoje já tem uma produtividade três vezes maior do que a de seu país. “A grande oportunidade no Brasil é o clima, é um país abençoado. Não existe razão para a produtividade ser tão baixa, ainda mais num momento em que o grande desafio é obter mais com menos, produzir mais alimentos com a mesma quantidade de água e terra.”

De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), quatro quintos das terras agricultáveis no Brasil são ocupadas por pastagens, cerca de 158 milhões de hectares. Estudo realizado pela Universidade de São Paulo mostra que 61 milhões de hectares têm ótimo potencial agrícola, mas são utilizados por pecuária de baixa produtividade. Para mudar o cenário, o Mapa aposta na recuperação de áreas degradadas de pastagens por meio de adubação e técnicas específicas de manejo. A meta do ministério é recuperar 15 milhões de hectares nos próximos dez anos através do programa Agricultura de Baixa Emissão de Carbono (ABC).

Foto: Divulgação | Dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) mostram que uma pastagem recuperada tem potencial para produzir 12 arrobas por hectare ao ano. O volume é seis vezes maior que o rendimento de uma área degradada e, por isso, pode ser determinante na permanência do produtor na área. Para a safra 2010/2011, o Mapa reservou R$ 2 bilhões em financiamentos com juros de 5,5% ao ano e prazo de pagamento de 12 anos. Os recursos serão aplicados na correção do solo por meio de adubação para restabelecer a produção de forragem.

Investimentos financeiros são uma condição determinante para aumentar a produtividade, mas não a única. Diversas experiências têm mostrado que é preciso, sobretudo, mudar modelos e processos, ou seja, fazer as mesmas coisas de um jeito diferente. É aí que pode estar o maior desafio para ampliar a produtividade no País. “Eu não tenho dúvidas de que mais de 70% das terras do bioma cerrado estão abaixo do seu potencial de produção. Mas não se mudam os valores culturais de um dia para o outro”, afirma o engenheiro agrônomo Lourival Vilela, pesquisador da Embrapa há 33 anos.

De tudo um pouco

Foto: Divulgação | Vilela é um dos disseminadores do sistema Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). Como o próprio nome já diz, a técnica propõe a união de diferentes atividades para que a área produza o ano inteiro. O sistema, que pode ser aplicado em pequenas e grandes áreas, é visto como uma alternativa de produção sustentável porque, entre outros aspectos, já comprovou que ajuda a quebrar ciclos de pragas e doenças, reduzindo o uso de herbicidas e fungicidas. O problema, segundo Vilela, é convencer um pecuarista que não tem aptidão para a agricultura a implementá-la em sua propriedade, ou um agricultor a criar gado. “O desafio do sistema é justamente fazer a integração das atividades”, afirma o pesquisador.

Casos de produtores que aceitaram a proposta de fazer diferente podem ajudar a convencer produtores rurais mais resistentes. “Outro dia cheguei a uma fazenda onde o pessoal estava abrindo um champanhe porque eles tinham batido recorde de produtividade”, conta Vilela. Ele cita ainda a história de uma propriedade que integrou a pecuária de corte com a produção de grãos. Enquanto na maioria das propriedades do cerrado os animais perdem peso na entressafra, nesta fazenda os animais estão ganhando 1,1 quilo por dia, motivados pela suplementação de resíduos da agricultura. A meta do Ministério da Agricultura é aumentar a área de ILPF em 4 milhões de hectares nos próximos dez anos.

Outro exemplo bem-sucedido de integração de culturas vem da Fibria, líder mundial em celulose. Com o objetivo de estimular o fomento florestal, a empresa começou a desenvolver em 2004 um projeto de produção integrada de madeira e alimentos, chamado de Poupança Florestal. Hoje, existem cerca de 400 produtores cultivando milho, feijão, trigo, sorgo, aveia, cevada, melancia e abóbora nas entrelinhas do eucalipto. A apicultura é outra atividade que tem rendido bons resultados dentro do programa. “Tivemos surpresas boas, com produção de alimentos maior do que fora das áreas de floresta”, conta o engenheiro florestal Fausto Camargo, gerente de sustentabilidade da Fibria.

Hoje, a empresa também abre suas áreas de floresta para os agricultores vizinhos inserirem seus plantios. Segundo Camargo, a cultura do eucalipto também se beneficia muito com o consórcio. A razão é muito simples: o produtor vai mais na floresta se estiver fazendo o manejo de culturas de ciclo curto. E essa presença faz com que ele perceba pequenos problemas que poderiam se tornar grandes com visitas menos frequentes. Com a integração, os agricultores estão aumentando a produtividade de suas terras e, consequentemente, elevando sua renda. Para impulsionar a comercialização dos alimentos produzidos dentro do projeto, recentemente a Fibria lançou o selo Floresta à Mesa.

Foto: Divulgação |Outro sistema agrícola que combina sustentabilidade com produtividade é o plantio direto na palha. A técnica foi desenvolvida nos Estados Unidos e começou a se difundir no Brasil na década de 1970. No Sul do Brasil, ela substituiu o plantio convencional, que se caracterizava por revolver a terra e queimar a palha de cultivos anteriores. A prática deixava a terra totalmente exposta ao sol e à chuva, acelerando o processo de erosão. “O modelo foi trazido da Europa, onde há baixas temperaturas. Por muitos anos, nós o praticamos sem saber que o nosso solo não precisava ser mexido”, explica Almir Rebelo, presidente do Clube Amigos da Terra de Tupanciretã (RS).

Segundo o produtor, o plantio direto é adotado em cerca de 27 milhões de hectares de áreas agrícolas do País. “Ele foi responsável por uma revolução ambiental na agricultura brasileira. Se não tivéssemos migrado, hoje teríamos deserto em vez de terra plantada”, afirma Rebelo. De acordo com o produtor, a cada tonelada de grão produzida no sistema antigo, eram perdidas 20 toneladas de solo por hectare devido ao processo de erosão. Rebelo também destaca outra vantagem econômica e ecológica do plantio direto: a técnica exige menos mecanização e sua adoção reduziu pela metade o consumo de combustíveis.

O plantio direto trouxe ganhos significativos em produtividade para os agricultores de Tupanciretã. A produção de soja, por exemplo, passou de 25 para 45 sacas por hectare. A utilização de sementes transgênicas, mais resistentes a pragas, também ajudou a chegar aos atuais índices de produtividade. “Biotecnologia é fundamental. Ajuda a aumentar a produção e a reduzir o consumo de agroquímicos”, defende Rebelo. Para ele, na equação da sustentabilidade não dá para esquecer o viés econômico. O agrônomo Vilela concorda. “Alguém tem que pagar a conta.”

Campeão da soja

Estimular o desenvolvimento de novas, eficientes e sustentáveis práticas de cultivo é uma das propostas do Comitê Estratégico Soja Brasil (Cesb). A entidade, criada em 2007, tem como meta elevar a atual produção de 2.875 kg/ha para, no mínimo, 4 mil kg/ha até 2020. Para isso, promoveu a primeira edição do Desafio Nacional de Máxima Produtividade – safra 2009/2010. Mais de 800 produtores de 12 estados se inscreveram e o resultado surpreendeu a organização. Os 20 melhores projetos tiveram um aumento de produtividade de 72% em relação à média do Brasil.

O vencedor foi Leandro Ricci, paranaense de Mamborê, que alcançou a marca de 108,4 sacas por hectare na área destinada ao desafio. O produtor conta que usou a técnica de plantio cruzado, teve sorte com o volume de chuvas, investiu numa variedade transgênica de alta produtividade e “caprichou” na adubação da área. “Inclusive, eu acho que colocamos fertilizantes demais. Se tivesse usado menos, teria alcançado a mesma produtividade com um custo menor”, especula o sojicultor. Segundo ele, por conta de investimentos em sementes, adubos e agrotóxicos, a lucratividade foi a mesma da área convencional.

“Vou continuar fazendo experimentos a partir de técnicas economicamente viáveis”, afirma Ricci, que recebeu como prêmio uma viagem técnica aos principais centros de tecnologia e produção de soja dos Estados Unidos. Para ele, uma boa colheita depende de quatro fatores: clima, análise correta do solo para adubação, escolha certa da variedade da semente e aplicação eficaz de agrotóxicos. “O primeiro ninguém controla, mas todos os outros dependem da orientação de um técnico. O problema é que muitos produtores são teimosos e não ouvem os agrônomos.”

No caso do pecuarista Craig Bell, a teimosia deu lugar à determinação. Foi assim que ele alcançou um índice de produtividade 23 vezes maior do que a média nacional. Eis o segredo de Bell: “Clima é fundamental, genética é necessária, tecnologia é importante”. Bell chegou ao Brasil em 1997 e, em 2001, resolveu investir na pecuária leiteira em parceria com Simon Wallace, seu sócio na Leitíssimo. Durante um ano e meio eles se dedicaram a pesquisas, incluindo avaliação climática de diferentes regiões do Brasil. Simon percorreu mais de 100 mil quilômetros para encontrar o clima ideal para o sistema desenhado pelos dois.

O local escolhido foi Jaborandi, no sudoeste da Bahia. Na região, os sócios conseguiram uma taxa de crescimento de pasto três vezes maior do que na Nova Zelândia. “É uma condição estratégica para ter custo baixo na produção de leite”, afirma Bell. Devido à alta produtividade da grama, são necessários apenas 224 hectares para abrigar 3 mil animais. A área é dividida em quatro pivôs com raio de 425 metros e 56 hectares cada um. No centro de cada um dos pivôs fica a estação de ordenha. O pecuarista desenvolveu uma nova raça bovina, chamada de kiwicross. O sêmen vem de touros da Nova Zelândia.

O rebanho atual é de 3 mil animais, entre bezerras, novilhas e vacas. A expectativa é produzir 6,5 milhões de litros de leite em 2010. Segundo Bell, a fazenda é a maior produtora de leite sem confinamento do Brasil. Toda a produção segue para a fábrica da Leitíssimo, inaugurada na própria fazenda em outubro do ano passado. A capacidade atual é de 50 mil litros de leite por dia, mas foi projetada para permitir uma expansão de até 150 mil litros/dia. A Leitíssimo tem 50 funcionários, um número pequeno comparado a outras propriedades. “São produzidos 1,6 mil litros por funcionário a cada dia. Em Goiás, a média é de 124 litros por dia”, afirma o pecuarista. Bell acredita que ainda pode elevar em 5% a produtividade da Leitíssimo. Pode parecer pouco, mas se é possível ele vai tentar.

Baixa produtividade

– No Brasil, 158 milhões de hectares são ocupados por pastagens

– 61 milhões de hectares são utilizados por pecuária de baixa produtividade

– A meta do governo é recuperar 15 milhões de hectares de pastagens degradadas nos próximos dez anos

Fonte: Mapa/USP

Questão de manejo

Foto: Divulgação | Nas florestas, sejam nativas ou plantadas, o manejo sustentável também é condição fundamental para garantir o aumento da produtividade. E a cada ano as técnicas comprovam que não é necessário desmatar reservas inteiras para continuar usufruindo dos benefícios da madeira. “Temos fornecedores com florestas nativas que têm obtido incremento anual de 5 metros cúbicos de volume por hectare ao ano só com o manejo sustentável”, afirma Guido Otte, presidente da Butzke, indústria de móveis para o lazer.

Essa produtividade é ainda maior em áreas reflorestadas. Segundo o empresário, o Brasil já é uma referência internacional em silvicultura e tem os maiores índices de produtividade do segmento no mundo. Ele cita o exemplo de fornecedores de áreas reflorestadas da Butzke, que produzem 60 metros cúbicos de madeira por hectare – 12 vezes mais do que numa floresta nativa. Com sede em Timbó (SC), a empresa exporta para mais de 30 países.

O reconhecimento internacional da Butzke se deve, em grande parte, à política ambiental da marca. Desde 1998, a empresa é certificada pelo FSC (Forest Stewardship Council), selo que garante o manejo sustentável dos recursos naturais em todas as etapas de produção. Seguindo a filosofia de fazer mais com menos, a Butzke tem investido no design ecológico de suas peças. “A proposta é garantir o maior aproveitamento possível da matéria-prima, reduzindo o consumo de madeira e a geração de resíduos”, explica Otte.

Linha Direta:

Butzke: (47) 3312-4000
Clube Amigos da Terra de Tupanciretã:(55) 3272-1361
Comitê Estratégico Soja Brasil (Cesb):(61) 3201-0050
Embrapa Cerrado: (61) 3388-9898
Fazenda Leitíssimo: (62) 3445-1360
Fibria: (11) 2138-4000

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