Um novo olhar sobre os negócios

“Existia simplicidade e beleza nas formas, capazes de despertar emoções e admiração, mas ao mesmo tempo perfeitamente harmonizadas com a função.” Esta é a descrição feita por Domenico de Masi de como se fabricava uma cadeira na era pré-industrial. Estava lá a arte, junto dela o artista, que a olhava maravilhado tão logo terminava sua obra.

Ao examiná-la, o artesão examinava a si próprio. Enxergava o seu talento, avaliava a sua habilidade, comemorava o tempo bem empregado. O trabalho produzia cansaço e até sofrimento, mas era como uma dor de parto. Orgulhava-se da sua obra. Uma cadeira tinha utilidade e beleza, serventia e design. Inserido no trabalho estava o aprendizado. Por isso, uma cadeira, mesmo que fosse de modelo semelhante, não era igual à outra. A última trazia toda a experiência acumulada naquela série e a somava aos conhecimentos adquiridos. O artesão se superava a cada nova obra e o maior desafio estava em exceder a si próprio nas competências adquiridas.

Os bons mestres da época, nas oficinas de produção, pouco ensinavam. Deixavam seus discípulos livres para expor em seus trabalhos o que sabiam. Os mestres sabiam que algumas habilidades podiam ser partilhadas, mas o talento é de cada um. E é da natureza humana deixar que aflore, sem bloqueios e restrições. 

As antigas oficinas de trabalho eram ambientes de conversação, relacionamento e aprendizado. Enquanto trabalhavam, os artesãos colocavam as conversas em dia, fossem relacionadas ao trabalho, ou à vida na aldeia e aos dilemas pessoais.

No piloto automático

A era industrial trouxe a economia de escala, ou seja, fazer mais com menos. No mesmo lapso de tempo em que se fazia uma cadeira, faziam-se outras 100. Tornou-se impossível, para o artesão, competir em preço e prazo com os produtos industrializados. A beleza deu lugar à eficiência, o design foi substituído pelo padrão, o artesão se transformou em mão de obra.

Ao olhar a obra que ajudou a fazer, o empregado “mão de obra” não a reconhece e nem se reconhece nela. Sua alma não está lá. O que vê é insosso e insípido. O trabalho foi dividido em processos e os processos em tarefas. As tarefas são organizadas em funções e essas, por sua vez, aglutinadas em especializações. O produto, quando pronto, é anônimo, sem personalidade, sem alma.

O objetivo do lucro fez com que as empresas buscassem desesperadamente ganhos de produtividade. Produtividade implica o máximo de produto com o mínimo de insumo. A mão de obra transformou-se em insumo. A meta da produtividade é torná-lo mínimo, em troca do produto que almeja ser o máximo. Há uma inversão dos valores: as coisas valem mais do que as pessoas. E não se trata apenas das pessoas que produzem (os funcionários), mas também das pessoas que compram ou consomem (os clientes). 

A padronização da produção é o ápice para se atingir os ganhos de produtividade. Mas, junto com o apogeu, vem a ruína. Sem a alma humana presente, os produtos, inertes, tornaram-se iguais, produzidos em processos iguais, feitos por pessoas que se tornaram também iguais. Líderes e dirigentes de empresas assistem, atônitos, às margens dos produtos despencarem a cada dia, clientes infiéis migrando para os concorrentes e funcionários desmotivados reivindicando melhores condições de trabalho.

Desaprenda agora mesmo!

Uma nova era se instalou e não foi sem motivo: a industrial morreu da sua própria voracidade. Durante toda a sua vigência, as atenções estavam concentradas na busca incessante dos ganhos de produtividade, na economia de escala, na produção em massa, no retorno sobre os ativos, nas capturas de fatias cada vez maiores do mercado. Esse jogo deu certo até certo ponto e algumas empresas persistem, aferradas ao passado, seguindo aquelas mesmas regras, num suplício de fim de era, mergulhadas em um torvelinho de fusões e incorporações. Com isso, adiam o ingresso na era do conhecimento. Lá, o jogo é outro, os propósitos são outros, assim como são outros os métodos de trabalho e as relações com clientes e funcionários.

Quem insistir nessa atitude vai viver uma rotina de perdas: a queda nas margens de lucro, o esvaziamento do fluxo de caixa, um quadro de pessoal cada vez mais passivo e letárgico e o êxodo dos bons clientes. Ficarão só aqueles que leiloam condições comerciais favoráveis a cada compra, na velha cantilena do menor preço e do maior prazo. Alguns dirão: “No mercado em que atuo é assim que as coisas funcionam”. Ou: “No meu mercado, a concorrência é predatória”. Enganam-se! A era do conhecimento surge como um novo jogo, diferente desse a que já estamos acostumados e que precisamos desaprender.

Surge uma nova esperança de vida no trabalho. O sistema humano retorna triunfante, tal como era no tempo dos artesãos. Mas não pense o leitor que isso é uma volta à bigorna e aos métodos rudimentares de produção. A tecnologia aí está, e dela não podemos abrir mão, principalmente no que ela pode contribuir para substituir o trabalho mais braçal e deixar para os humanos aquilo que existe de mais humano: o exercício da criação.

Mas não pense que a era do conhecimento tem um pórtico largo, por onde todos podem passar, sem mais nem menos. Como o nome já diz, a travessia tem tudo a ver com novos conhecimentos. Mas eles não podem se instalar, enquanto os antigos permanecem. Examine algumas dessas indagações: por que, com toda a tecnologia disponível, as empresas ainda deixam tanto a desejar? Por que, se o cliente é tão importante, muitas empresas insistem em maltratá-lo? Por que algumas empresas conseguem e outras, no mesmo ramo de atividade e no mesmo mercado, não conseguem? Por que, apesar das turbulências econômicas, algumas empresas se dão bem, enquanto outras sobrevivem a duras penas?

Aceite, por ora, o fato de que o maior desafio dos líderes e trabalhadores da era do conhecimento é desaprender muito do que a era industrial nos ensinou, para então aprender toda a grandeza que essa nova era nos oferece. A esse processo damos o nome de metanoia, ou seja, mudança de modelo mental.

O desafio da mudança de modelo mental

Reconhecemos apenas aquilo que somos capazes de conhecer. Mudança de modelo mental implica mudança de olhar. Expandir a visão e enxergar o que antes estava ali, mas era impossível de ser visto. Mas, para enxergar melhor a realidade, é preciso pedir os óculos emprestados daqueles que já conseguem ver. E se torna possível quando somos capazes de suspender os julgamentos e administrar os nossos preconceitos.

Está aí o nosso maior desafio, capaz de nos transformar enquanto transformamos nossos negócios.

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