Viagem no tempo

São poucas as empresas que podem se dar ao luxo de parar no tempo. E a Cerâmica Luiz Salvador é uma delas. De quando foi inaugurada há seis décadas até hoje, pouca coisa mudou no que diz respeito à produção das peças. Avessa às inovações tecnológicas, a companhia mantém intacta a linha de produção 100% artesanal – e é justamente isso que tem ajudado a atrair visitantes de diferentes origens e nacionalidades. “Nossa produção é totalmente manual, uma raridade nos dias de hoje que desperta a curiosidade de pessoas de diferentes idades e perfis”, aponta o diretor José Marcelino Albernaz.

Localizada no bucólico distrito de Itaipava, na serra fluminense, a cerâmica decidiu ingressar de vez no ramo do turismo de experiência para movimentar o negócio e recuperar os prejuízos causados pela enchente que assolou a região no início de 2011. Fundada em 1952 pelo português Luiz Salvador, a fábrica artesanal, por si só, já justifica o passeio. Mas, para se enquadrar no perfil do turista contemporâneo, cada vez mais interessado em sensações e emoções, a empresa oferece diversos serviços extras, com destaque para um roteiro guiado com a proposta de fazer o turista colocar a mão na massa – ou melhor, na argila.

Pelo valor de R$ 70 é possível percorrer os bastidores da fábrica, que segue à risca as técnicas de modelagem e pintura típicas da cidade de Alcobaça, na região oeste de Portugal. Todas as tintas utilizadas, por exemplo, também são fabricadas artesanalmente pelo grupo. No trajeto, percorrido em cerca de duas horas, o visitante aprende que transformar barro em louças de extrema delicadeza é um processo que requer paciência e inclui diversas etapas, incluindo duas queimas de aproximadamente quatro horas cada, em fornos que atingem temperaturas acima de 1 mil graus.

Depois, a pessoa é convidada a modelar e decorar uma peça ao seu gosto e escolha, experimentando a sensação única de ser um artesão à moda antiga. A obra de arte é então levada ao forno e, no dia seguinte, embalada e encaminhada para o endereço do visitante-artista. “Antes já abríamos a fábrica para visitação, mas o movimento tem melhorado muito depois que passamos a oferecer essa oportunidade de cada um confeccionar sua própria cerâmica”, conta Albernaz, que assumiu a direção da empresa em 1991.

Instalada numa área de 6.500 metros quadrados, a companhia emprega 94 funcionários, incluindo 25 artistas que se dedicam exclusivamente à pintura e decoração das peças. Ao todo, são produzidos 1,3 mil modelos de diferentes peças, somando mais de 40 variedades de padronagens à disposição, entre louças, jarros, vasos, azulejos decorativos e aparelhos de chá e jantar, entre outras. “Por mês, produzimos aproximadamente 30 mil peças”, contabiliza Albernaz. Destas, o empreendedor estima que 60% seja comercializada diretamente no showroom anexo à fabrica, enquanto 40% seguem para venda em lojas especializadas em decoração, louças e presente espalhadas por todo o Brasil.

Além disso, a cerâmica faz parte de um complexo, chamado Vila Luiz Salvador, que inclui showroom, ateliê e restaurante. “Queremos ser uma opção completa de passeio em Itaipava, um local onde as pessoas podem vir, conhecer nossa história, fazer compras, almoçar e, principalmente, se divertir e vivenciar bons momentos”, diz o empresário.

História da cerâmica
Natural de Portugal, Luiz Salvador chegou ao Brasil em 1950, aos 40 anos. Na época já possuía grande experiência adquirida em ateliês de arte. Ocupou, entre outros cargos, o posto de diretor de pintura da Cerâmica Raul da Bernarda, tradicional indústria localizada em Alcobaça, a oeste de Portugal. Disposto a empreender, construiu uma pequena indústria em meio à paisagem montanhosa de Itaipava, distante 30 minutos de carro do Centro de Petrópolis. Apesar das dificuldades iniciais, aos poucos ele se adaptou às condições e matérias-primas locais, sempre mantendo vivo o estilo lusitano que o caracteriza.

A fábrica transformou-se numa verdadeira escola de ceramistas, que desde muito passaram a receber e propagar os ensinamentos de Luiz Salvador. Nos anos 1960, durante o governo de Juscelino Kubitschek, a cerâmica foi ampliada e modernizada, passando a produzir a níveis industriais. Com a morte do fundador, nos anos 1990, a cerâmica foi adquirida por um grupo de empresários cariocas que faz questão de manter vivas as tradições e técnicas do artista português, investindo no turismo de experiência para alavancar os negócios.

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