Hora de aquecer

O que um vendedor de peixe tem a ver com a Copa do Mundo de Futebol que o Brasil vai sediar daqui a dois anos? Há pouco tempo, o mineiro Francisco Batista de Melo, proprietário de uma banca de pescados na tradicional Feira dos Produtores, em Belo Horizonte, achava que ele seria apenas um torcedor brasileiro de olho no hexacampeonato. Hoje, ele já se vê como um empreendedor diante de uma oportunidade que pode impulsionar seus negócios – e não só durante os 30 dias em que acontecerão os jogos, mas também antes e, principalmente, depois do evento.

Francisco aprendeu a vender seu peixe – mais do que no sentido literal. Ele é um dos participantes do Programa Sebrae 2014, criado para estimular os micro e pequenos empresários e os empreendedores individuais a aproveitar o aumento da demanda por produtos e serviços que a Copa do Mundo vai gerar nas 12 cidades-sede do evento. A proposta do programa do Sebrae está conectada a um dos legados esperados pelo País em relação aos megaeventos esportivos que o Brasil receberá nos próximos anos: negócios mais competitivos, inovadores, criativos e, claro, mais rentáveis.

A oportunidade não deve ser subestimada. “Não podemos achar que todos os nossos problemas serão resolvidos com a Copa do Mundo e as Olimpíadas, mas pode ter certeza que teremos muitos avanços. E a qualidade dos serviços, especialmente no segmento de turismo, é uma delas”, acredita Jeanine Pires, presidente do Conselho de Turismo e Negócios da Fecomercio de São Paulo. “Os eventos são grandes mobilizadores de circulação de investimentos públicos e privados. Inserir as micro e pequenas empresas nestas oportunidades é o nosso desafio”, afirma Paulo Alvim, gerente da Unidade de Acesso a Mercados do Sebrae.

O Programa Sebrae 2014 tem mais de 2 mil empresas inscritas e a meta é chegar a 6 mil. “Queremos que as MPEs participem, no mínimo, de 25% das oportunidades de negócios decorrentes da Copa”, conta Alvim. Em dois anos, Francisco e outros 62 colegas da Feira dos Produtores já fizeram uma série de melhorias relacionadas à infraestrutura, organização e merchandising visual das lojas. Segundo Ricardo Mageste Vieira, gerente-geral da Feira, as mudanças aumentaram o faturamento em cerca de 30%. “As reformas trouxeram outros perfis de cliente para a feira. Agora, queremos incluí-la no guia turístico oficial de Belo Horizonte”, afirma o administrador.

Gestor do projeto pelo Sebrae, Aristides Rocha Araújo explica que a Feira dos Produtores está localizada numa área estratégica para a Copa de 2014. A região receberá um centro de eventos e até o Mundial deverá se firmar como o terceiro polo hoteleiro da cidade. Além disso, o centro comercial está situado num corredor para o aeroporto de Confins. Francisco espera receber muitos turistas em sua peixaria durante a Copa, mas sabe que é preciso focar os resultados no pré e pós-evento. “Aprendi em uma missão empresarial que fizemos no Mercado de São Paulo que turista não é só aquele que vem de fora, mas também os moradores que vêm dos bairros vizinhos.”

Leve à prorrogação

Esta é uma mensagem que o Sebrae ressalta aos empreendedores. “A Copa é só um chamariz que pode potencializar os investimentos. A maior preocupação deve ser com a sustentabilidade econômica dos negócios e a melhoria dos serviços e produtos para os clientes”, explica Araújo. Em Pernambuco, os artesãos que participam do Programa Sebrae 2014 também estão se preparando para prorrogar os efeitos positivos do mundial de futebol. “O que nós recomendamos é que eles aproveitem a consultoria do Sebrae para resolver suas deficiências. Se focarem só na Copa, teremos muita gente frustrada”, alerta Fátima Gomes, gestora do projeto de artesanato do Sebrae/PE.

Um dos maiores desafios, segundo Fátima, é melhorar as vendas do artesanato, já que a maioria dos artistas só se preocupa com a criação. Para estimular boas práticas de comercialização, o programa promove rodadas de negócios para aproximar os artesãos de hoteleiros, comerciantes, proprietários de restaurantes, arquitetos e decoradores. A proposta é inserir o artesanato pernambucano nos principais pontos de circulação de turistas, potencializando as vendas. “Além disso, incentivamos o desenvolvimento de um artesanato com referência cultural, mas que ao mesmo tempo trabalhe a inovação”, destaca a consultora do Sebrae.

A artesã Tita Araújo é uma das participantes do Sebrae 2014 que tem investido em uma proposta inovadora. “Tenho um estilo próprio de envelhecimento de objetos com aplicação de flores que eu mesma desenvolvi há seis anos. E o melhor de tudo é que a técnica pode ser aplicada em diferentes superfícies. Inclusive, nesse momento estou decorando a parede de um restaurante”, afirma Tita. Para ela, a Copa do Mundo será uma grande vitrine. “Além de artesã, sou empreendedora e não fico parada esperando as coisas acontecerem. Já participei de feiras internacionais na Itália e no Panamá e trabalho para colocar minha arte em destaque.”

Hora de inovar

Segundo Pamella Gonçalves, cooordenadora de Serviços a Empreendedores da Endeavor, os megaeventos esportivos são uma grande oportunidade do País investir em inovação. Como haverá uma demanda garantida, o momento é propício para o desenvolvimento e aplicação de tecnologias que levem à aceleração dos processos sem perder a qualidade. “Eventos criam picos de demanda que costumam ser um problema para os empreendedores porque eles podem deteriorar a qualidade dos produtos e serviços. Nessa hora, surge espaço para empresas inovadoras que oferecem tecnologias capazes de garantir a eficiência e estender ao máximo essa demanda”, explica Pamella.

É o caso da mineira JN2, desenvolvedora de soluções para comércio eletrônico. Os sócios Leonardo Neves e Fernando Juste viram na Copa de 2014 a oportunidade de oferecer ao mercado de pequenas hospedagens uma ferramenta para a venda de diárias pela internet, inclusive com transações internacionais. Hoje, grande parte destes negócios perde clientes por não ter um sistema eficiente de reservas on-line, além de sites muito ruins. Batizado de Guest 4U, o portal será lançado ainda em 2012 em 65 idiomas. Os usuários poderão usar o serviço logo após se cadastrar no portal, um processo tão simples quanto abrir uma conta no Facebook. A mensalidade deve ficar em torno de R$ 69.

A meta dos sócios da JN2 é chegar a 2014 com pelo menos 1 mil clientes. “É uma meta conservadora se levarmos em conta o volume de hotéis e pousadas existente no País. Uma pesquisa do Ministério do Turismo indica que o número de hospedagens vai dobrar até 2014, chegando a 40 mil. E nosso público-alvo são as empresas com até 50 leitos, que representam 87% desses empreendimentos”, afirma Neves. Para ele, um ponto importante do projeto é que a ferramenta será útil antes, durante e depois da Copa. “Além disso, o evento vai proporcionar alta taxa de ocupação, ou seja, o empreendedor terá um resultado que vai justificar o investimento em nossa tecnologia.”

Para mapear e estimular o desenvolvimento de soluções inovadoras e criativas aplicadas à Copa de 2014, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) idealizou em 2008 o Programa 14BIS. Hoje, o projeto está ligado ao Ministério dos Esportes. O nome é uma alusão ao aeroplano apresentado pelo inventor brasileiro Alberto Santos Dumont em 1906, em Paris, o grande palco do mundo na época. “Em 2014, o Brasil será o grande palco. Precisamos aproveitar essa oportunidade para mostrar ao mundo a nossa capacidade de inovação. Não vamos exibir apenas nosso futebol”, declara o engenheiro Carlos Eduardo Somaggio, diretor-executivo do Instituto Sapientia, vinculado à Fundação Certi, de Florianópolis.

A Certi foi contratada para desenvolver as ferramentas de suporte ao 14BIS: um portal na web que funcionará como uma espécie de galeria de inovações e um showroom móvel e interativo para promover encontros de ofertas e demandas de inovação. “A proposta é que o 14BIS atue como um cupido entre empresas com ideias inovadoras e empresas que demandam tais tecnologias”, afirma Somaggio. O engenheiro explica que o portal foi desenvolvido de forma que inventores de qualquer lugar do Brasil possam cadastrar suas ideias e submetê-las a uma banca. “É uma forma de democratizar as oportunidades geradas pela Copa do Mundo.”

Quem também está atenta à demanda dos megaeventos por tecnologias inovadoras é a Montreal Informática. A empresa é detentora do maior cadastro de dados para identificação biométrica da América Latina, com 17 milhões de registros em oito estados brasileiros. O sistema automático de identificação por impressões digitais (Afis) é capaz de identificar corretamente cerca de 150 milhões de impressões digitais em segundos. A tecnologia, uma parceria com a alemã Dermalog Identification Systems GmbH, é uma ferramenta importante para controle de fronteiras, mas pode ter outras aplicações como, por exemplo, controle de acesso aos estádios.

“Não temos dúvida do potencial de aplicação de nossas tecnologias para aumentar a segurança em eventos como a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas do Rio de Janeiro e o legado que seu uso deixaria para as gerações futuras”, afirma Eduardo Coutinho, diretor-executivo da Montreal. Em fevereiro deste ano, o empresário recebeu a visita da presidenta Dilma Rousseff e da chanceler alemã Angela Merkel no estande de sua parceira Dermalog na CeBIT, a maior feira mundial de tecnologia da informação, realizada em Hannover, na Alemanha. “No Rio de Janeiro, onde já identificamos 12 milhões de pessoas, nossa tecnologia é um sucesso”, destaca Coutinho.

Já a Authentic Feet, grupo que tem mais de 170 lojas franqueadas de artigos esportivos no Brasil, torce para que os megaeventos deixem como legado um novo estilo de vida aos brasileiros. O empresário Adriano Obeid, sócio-diretor do grupo, acredita que a combinação entre a maior oferta de arenas esportivas e a euforia provocada pelos jogos é uma oportunidade única de impulsionar este mercado no Brasil. “Apesar do crescimento nos últimos anos, o mercado de artigos esportivos no Brasil ainda é irrisório. Para se ter uma ideia, corresponde a um terço do americano”, explica Obeid. “As principais marcas de esporte têm grandes planos para o Brasil. Espero que tudo isso inspire o brasileiro.”

Inglês rápido

A intensa demanda pela qualificação profissional para a Copa tem recebido atenção especial do Grupo Multi, multinacional do mercado de ensino de idiomas, informática e profissionalizante. A holding é detentora das marcas Wizard, Yázigi, Skill, Alps, Quatrum, Microlins, S.O.S, Bit Company, People e Smartz. “Estamos conversando com o governo federal para fazer parcerias visando à qualificação de profissionais nas cidades-sede da Copa”, adianta Carlos Wizard Martins, presidente do Grupo Multi. A meta dos ministérios do Turismo e da Educação é qualificar 240 mil pessoas até 2014 por meio do Pronatec Copa (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego).

No início deste ano, o Grupo Multi lançou o guia “2014”, que traz 2.014 frases, expressões e diálogos em inglês que um profissional precisa dominar para atender turistas estrangeiros. O livro vem acompanhado de uma caneta que lê microcódigos de barras e repete palavras e frases em inglês, auxiliando os estudantes na assimilação da pronúncia. Outro lançamento do Grupo Multi com foco nos megaeventos esportivos é o curso “To the Point”, da marca Yázigi. Com duração de 50 horas, das quais metade on-line, ele foi desenvolvido para atender profissionais como taxistas, motoristas, telefonistas, garçons, camareiras, balconistas, staff de suporte em estádios, socorristas, policiais, vendedores ambulantes e artesãos.

“Só a qualificação desses profissionais e toda a lista de pré-requisitos estabelecidos pela Fifa (Federação Internacional de Futebol) e pelo COI (Comitê Olímpico Internacional) no caderno de encargos entregue ao Brasil já representam um grande avanço para o País. São coisas que terão que acontecer”, afirma Jeanine, da Fecomercio de São Paulo. Segundo a especialista, esses eventos também trazem uma transferência de tecnologia e experiências de suas edições anteriores que certamente vão deixar um legado importante para o País. “Mas é preciso pensar mais no pós 2014 e 2016 e fixar estratégias a longo prazo.”

Números da Copa
R$ 183 bilhões é o valor que a Copa 2014 deve somar ao PIB brasileiro até o ano de 2019
R$ 135,7 bilhões é o que se espera que o evento injete na economia brasileira
R$ 33,1 bilhões é o investimento anunciado em infraestrutura para o Mundial
3,7 milhões de turistas são esperados para a Copa 2014, dos quais 600 mil estrangeiros

Fonte: www.sebrae2014.com.br

Além da Copa de 2014, o Brasil vai sediar a Copa das Confederações (2013), a Copa América (2015) e as Olimpíadas e Paraolimpíadas no Rio de Janeiro (2016)

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