Não é de hoje que os mercados de terra e de produção agrícola em geral atravessam um processo de concentração no país. Nos últimos anos, porém, esse movimentou ganhou uma nova roupagem e agentes diferentes. Agricultores tradicionais, incluindo os de grande porte, passaram a conviver com concorrentes nacionais e estrangeiros fincados desde a origem em pilares corporativos e discursos baseados em profissionalização, governança, sustentabilidade e retorno do capital.
Alguns desses "players" não têm vínculos diretos anteriores com o campo, enquanto outros vêm de segmentos próximos. Mas todos estão de olho ou na valorização imobiliária em si das terras brasileiras, cujos preços estão em níveis recordes, e na agregação de valor a essas terras com a produção de alimentos, tendo em vista a tendência de crescimento da demanda internacional.
Não há números oficiais sobre a área agricultável total que já está nas mãos desses grupos de empresas, algumas já de grande porte e outras em processo de expansão. Mas, baseados nos projetos mais conhecidos, é consenso entre especialistas que o movimento ainda crescerá muito mais, a depender das discussões em torno do novo Código Florestal e dos limites às aquisições de terras por estrangeiros. Marcos Fava Neves, ex-coordenador do PENSA/USP e criador do centro de pesquisas e projetos Markestrat, por exemplo, estima que a área desses grupos deverá ao menos dobrar de tamanho até 2020.
Levantamento do Valor mostra que cerca de 1,3 milhão de hectares já foram ocupados por grupos com essas características com grãos, fibras e até culturas perenes. Entre eles estão a SLC Agrícola, maior companhia agrícola do Brasil, que pode ser incluída na lista não por ser um "novo" player, já que têm décadas de plantio nas costas, mas pelo que agregou a seu negócio com a criação da Land Co, uma companhia especializada na compra e na venda de terras. Na mesma linha está a Radar, criada pela gigante sucroalcooleira Cosan.
O montante de terras sob o tutela dessas corporações poderá avançar para 1,5 milhão de hectares se forem consideradas as áreas do Grupo Vanguarda, do empresário rural Otaviano Pivetta, que poderão ser incorporadas pela Brasil Ecodiesel. A própria Ecodiesel foi "reinventada" e ganhou força no mercado de terras e produção após passar ao controle do grupo do investidor espanhol Enrique Bañuelos. Recentemente o conselho da Brasil Ecodiesel rejeitou proposta de incorporação do Vanguarda, mas o assunto segue vivo. Em 2010, a Ecodiesel tornou-se protagonista na "agricultura corporativa" ao assumir o controle dos ativos do Grupo Maeda, de quem incorporou 94 mil hectares cultivados. A companhia pode elevar essa área para 320 mil hectares se concretizar o negócio com o Grupo Vanguarda.
Uma das maiores indústrias têxteis do país, a Coteminas surpreendeu ao anunciar no mês passado sua aliança com grupos de expertise em produção e comercialização de grãos. A empresa quer desbravar oportunidades no mercado de terras no Brasil e criou a Cantagalo, na qual detém 50% de participação. A companhia tem meta ambiciosa de sair do zero para cultivar 150 mil hectares em terras próprias, entre grãos e fibras, em dois a três anos.
Esse modelo traz mais segurança ao investimento estrangeiro, afirma Neves
Muitas dessas empresas já detinham grandes áreas de terras antes do boom imobiliário no campo. Por isso, diz Fava Neves, participaram de um dos melhores momentos da valorização imobiliária rural do país. "Em 1987, um hectare custava 4 sacas de soja no oeste baiano. Em 1998, essa relação subiu para 15 sacas e neste ano está em 400 sacas". Mas, apesar de toda a alta, o movimento vai continuar. "Em uma escala de zero a dez, o movimento de valorização está no nível 6", afirma.
Obviamente, diz Neves, uma região madura e disputada como Ribeirão Preto (SP), por exemplo, está perto do nível 9 nessa escala. "Por isso, essas empresas estão atuando em novas fronteiras como Piauí, Maranhão, Tocantins, além de área de Mato Grosso e Bahia que ainda não perderam seu potencial imobiliário". Assim, esse modelo corporativo tem na terra um pilar estratégico relevante.
Nesse ponto talvez esteja a principal diferença entre essa "agricultura corporativa" em formação e as empresas agrícolas criada e conduzidas por grandes produtores rurais. É o caso do Bom Futuro, do maior produtor de soja e algodão do país, Eraí Maggi, que tem na produção agrícola – mais do que na posse da terra – o foco de seu negócio. "Para a produção de alimentos, o modelo de arrendamento é mais rentável. O de aquisição de terras só tem sentido econômico nessas áreas onde há margens significativas para valorização imobiliária", diz Maggi.
Independentemente das diferenças dos dois modelos, ambos tendem a deixar o campo mais profissionalizado – o que significa, em tese, mais governança e respeito às práticas ambientais e trabalhistas. A Insolo é uma das que reforçam seu compromisso nessas frentes. A empresa, que partiu para esse modelo depois que seu controle foi adquirido pela família Iochpe, chegou a encarar problemas fundiários no Piauí, berço de seu avanço, no fim do ano passado, mas já tem decisão favorável à sua expansão na Justiça federal.
Segundo Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura, a profissionalização do setor faz parte de uma onda iniciada no início da década de 90. A economia brasileira era fechada e protecionista e, entre 1990 e 1996 isso mudou radicalmente. A abertura econômica gerou a primeira onda de exclusão. "Estima-se que cerca de 200 mil produtores perderam tudo", lembra Rodrigues.