A rica biodiversidade brasileira pode ser uma aliada das micro e pequenas empresas. O mercado consumidor nacional e internacional anda ávido por produtos que utilizam plantas medicinais, aromáticas e especiarias. Os setores de cosméticos, perfumaria e higiene pessoal, de alimentação e fármacos são os que mais seguem essa tendência e podem crescer nos próximos anos. Micro e pequenas empresas podem investir e apostar nos elos dessas cadeias produtivas, envolvendo plantio, coleta, processamento, embalagem, novos produtos e serviços.
Esse foi o recado do Seminário Plantas Medicinais, Aromáticas e Especiarias, promovido pelo Sebrae Nacional na quinta-feira (14) na Fundação Getúlio Vargas em Brasília. O evento reuniu gestores das carteiras de projetos de agronegócios de 11 unidades do Sebrae nos estados e Distrito Federal. O objetivo foi fornecer subsídios para o desenvolvimento de novos projetos da Instituição voltados aos negócios e empreendimentos baseados no uso de plantas medicinais, aromáticas e especiarias.
Palestrantes convidados apresentaram balanço das cadeias produtivas de cosméticos, perfumaria e higiene pessoal, das indústrias de alimentação e de fármacos no Brasil e no mundo e temas derivados.
Os convidados foram: João Carlos Basílio, presidente da Abihpec (Associação Brasileira da Indústria de Produtos de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos); Maria Bloise, da Beraca; Sérgio Gallucci, da Natura; Cléber Sabonaro, da Abia (Associação Brasileira da Industria da Alimentação); Walery Josef Bader, da Herboflora; Anny Trentini, da Herbarium; Flávia Ranna, da Nicsfarma; Daniel Queiroga, da Unidade de Agronegócios do Sebrae Nacional; e Camila Oliveira, do Cgen (Conselho de Gestão do Patrimônio Genético).
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A nova tendência de mercado pode beneficiar especialmente pequenos produtores e agricultores familiares, segundo Juarez de Paula, gerente da Unidade de Agronegócios do Sebrae Nacional. “Não é preciso possuir grande área para cultivar essas plantas. Há grandes compradores para elas, seja no setor da alimentação, fármacos ou de cosméticos”, afirmou Juarez. A indústria de cosméticos talvez seja a maior interessada nessas matérias-primas, segundo ele.
As indústrias compradoras das plantas medicinais, aromáticas e especiarias estão em praticamente todas as unidades da Federação e é preciso estreitar laços e elos com elas. O mercado de sucos e chás, por exemplo, cresce a 15% ao ano, enquanto o de refrigerantes, por exemplo, cresce entre 2% a 3%. “As pessoas estão preocupadas em consumir alimentos saudáveis e estão abandonando os refrigerantes”, observou o gerente.
Na área de cosméticos, a tendência é a mesma. “O consumidor quer produtos mais naturais e isso está favorecendo o crescimento das indústrias com essa preocupação”, acrescentou Juarez. O setor de cosméticos e higiene pessoal está entre os que mais crescem, a cada ano, e interessa muito às micro e pequenas empresas, disse ele.
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Informalidade sanitária
Para Basílio, presidente da Abihpec, a regularização sanitária das pequenas empresas produtoras de cosméticos, perfumaria e higiene pessoal é a principal questão a ser solucionada para o setor crescer. Segundo levantamento da Anvisa, existem atualmente cerca de 1,6 mil empresas regularizadas no País. A mesma quantidade deve estar operando na informalidade sanitária (sem seguir normas e legislações sanitárias), estima Basílio.
“A tendência das empresas que operam na clandestinidade sanitária e à margem do mercado é de que sobrevivam entre dois a três anos, apenas”, disse ele. O setor cresceu 10,9% ao ano nos últimos doze anos, enquanto o PIB nacional teve taxas médias de 2,8%. “Essa indústria tem grande fôlego e deve continuar crescendo na casa de dois dígitos, pelo menos nos próximos cinco anos”, previu.
No momento, há 800 tipos de xampus no mercado brasileiro, citou como exemplo.“Se a empresa não for extremamente competitiva e não oferecer qualidade e preço, perde mercado”, alertou.
Pesquisa do IBGE aponta que o setor de cosméticos, perfumaria e higiene pessoal é o que mais apresenta oportunidades de trabalho para mulheres. Mais de três milhões de pessoas estão diretamente ligadas a essa indústria, correspondendo a 3% das pessoas ativas entre 16 e 60 anos no País; 90% desse mulheres, segundo o IBGE.
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“Nos últimos anos, a brasileira deixou de apostar no cosmético importado”, afirmou Basílio. No primeiro semestre deste ano, as exportações do setor já haviam atingido 23% de crescimento em relação ao ano passado. “Há possibilidade de alcançarmos US$ 650 milhões no mercado externo”, comentou. “Se algumas barreiras técnicas junto à Anvisa forem flexibilizadas, há expectativa de chegarmos a US$ 1 bilhão em exportações”, acrescentou.
Os principais países importadores dos produtos cosméticos e de higiene pessoal brasileiros são: Argentina, Chile, Venezuela, Paraguai, Peru, México, Uruguai, Colômbia, Cuba e Bolívia. A Argentina é responsável por 26% das exportações do setor. “As plantas industriais da Argentina estão no Brasil. Os argentinos escovam dente, lavam cabelo e se banham com produtos feitos no Brasil”, disse o presidente da Abihpec.
O mercado interno brasileiro é o terceiro maior consumidor de cosméticos e produtos de higiene pessoal do mundo, só ficando atrás dos Estados Unidos e Japão. Fica em segundo lugar no consumo mundial de produtos capilares, perfumes, desodorantes, produtos masculinos, higiene oral e infantil.
Atualmente os cuidados para pele são considerados o maior nicho de mercado do setor de cosméticos e higiene pessoal. “O Brasil ainda está em oitavo lugar, porque suporta carga tributária absolutamente irreal”, justificou Basílio. No Distrito Federal, 25% do preço dos cremes faciais são impostos, exemplificou. “Justamente onde a seca exige cuidados extras com a pele”.
A hidratação da pele está entre as tendências de consumo em alta no mundo, em conseqüência da maior longevidade dos seres humanos. O consumo de cremes de corpo cresceu 17,7% em média nos últimos cinco anos, enquanto de cremes faciais, ficou em 7,9%. “A pele envelhece, mas fica saudável. Homens precisam despertar para esse hábito diário de consumo”, alertou.
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Produção comunitária
Países europeus são os que mais importam cosméticos brasileiros feitos a partir da nossa biodiversidade. Existe enorme carência em pesquisas agronômicas sobre espécies potenciais para o ciclo produtivo no País. A quantidade de espécies exploradas nos biomas brasileiros voltadas para a produção de cosméticos e produtos de higiene pessoal é difícil de ser mapeada e rastreabilizada.
“A maior parte desses produtos ainda é coletada de forma extrativista. Informações sobre essas commodities são fáceis de obter apenas quando envolvem pequenas organizações que trabalham informatizadas e organizadas, viabilizando a rastreabilidade deles”, afirmou Maria Inês Boise, palestrante e representante da Beraca, empresa 100% brasileira, com mais de 50 anos de atividades e especializada no desenvolvimento de tecnologias, soluções e matérias-primas de alta performance para tratamento de águas, cosméticos, nutrição animal e indústria de alimentos e bebidas.
Comunidades de baixa renda da Amazônia geralmente estão envolvidas na coleta e processamento de espécies oleaginosas, que compõem fórmulas de sabonetes, xampus e cremes faciais e capilares, desejados em todo o mundo. Andiroba e copaíba estão entre as espécies mais demandas pelo setor de cosméticos.
A exploração do óleo dessas árvores, frutos e sementes proporciona a inserção socioeconômica de grupos de ribeirinhos que vivem longe dos grandes centros urbanos na Amazônia, especialmente. “Eles nem sempre têm acesso a recursos financeiros, mercados e outras demandas”, disse Inês. “Se bem organizados, são capazes de produzir produtos potenciais para aplicações cosméticas, medicinais e funcionais, agregando valor”, complementou.
A produção comunitária na floresta significa enfrentar vários desafios logísticos, de segurança e qualidade. “São necessários dois anos, em média, para identificar e desenvolver um novo produto”, informou a palestrante. A demora para se chegar ao resultado, costuma desestimular as pessoas envolvidas na coleta e processamento das espécies. Uma avaliação minuciosa da realidade local e dos meios de transporte para matérias-primas e produtos é determinante para decidir se será viável ou não.
“A confiabilidade da matéria-prima é o ponto principal”, acrescentou Inês. Muitas reuniões com as comunidades, para organizá-las em associações, integram a longa agenda de trabalho até a concretização da produção e fornecimento sistemático ao mercado. “O campo tem de estar organizado para que o consumidor final receba um produto de qualidade”, ressaltou.
Nem todas as árvores, frutos e sementes possuem teor de óleo adequado à exploração. As áreas devem ser muito grandes para dar volume e que justifique a produção, de acordo com a palestrante. É necessário capacitar as comunidades para trabalhar na coleta. Em alguns casos é possível montar unidades de processamento dentro da própria floresta, agregando valor aos produtos e gerando melhor remuneração das comunidades. Essa é a situação ideal, segundo Inês.