O sabor dos melhores cafés brasileiros alcança cada vez mais paladares nacionais e estrangeiros, levado ao vento por aromáticas e charmosas cafeterias de empreendedores apaixonados. O País, que há um século era reconhecido pela quantidade produzida (80% da produção mundial em 1900), atualmente começa a se destacar pela qualidade dos grãos. Hoje os brasileiros produzem 30% do café do mundo, e 70% de seus grãos são de origem arábica, uma formação de mais qualidade que o grão robusto – além de seguir como o maior produtor mundial do grão.
Seja resultado do crescimento econômico das classes C e D ou de novas experiências por produtos mais requintados, o certo é que o consumo interno de cafés especiais cresce 12% ao ano no Brasil, enquanto a demanda pela commoditie cresce 2% ao ano. A segunda bebida mais consumida no mundo depois da água é também o segundo tema mais pesquisado na internet – perde apenas para o sexo.
Conforme a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA), o Brasil exporta cerca de 65% da produção nacional. “Podemos dizer que a frase ‘o Brasil exporta seus melhores cafés’ é ultrapassada. Das cerca de 4 milhões de sacas que produzimos, 33% são consumidas no território nacional. Além disso, é crescente o interesse da população por esses cafés diferenciados, superiores. O que ocorre é que, como na questão do vinho, os cafés especiais custam mais e nem todos preferem pagar o preço justo pelo produto, optando por beber cafés convencionais”, afirma a diretora executiva Vanusia Maria Carneiro Nogueira.
Nossas melhores cepas estão no sul de Minas Gerais, região com forte plantio do Bourbon Amarelo, variedade que tem vencido vários concursos internacionais. Na Chapada Diamantina é feito o café Natura Gourmet, com um sabor tão apreciado que se tornou o café oficial do Papa Francisco desde 2010. A empresa que costumava exportar a maioria de sua produção agora vende a maior parte das sacas para o mercado nacional.
“Antigamente o café considerado bom era o supertorrado, extraforte. Sentíamos mais o gosto do queimado do que do grão. Quando, na verdade, a torrefação deve ser mais leve e de acordo com as características do café”, aponta Clovis Athaus Júnior, que há 17 anos fundou o Café do Mercado, empresa com forte atuação no Sul do Brasil.
Desde que fundou a loja, Athaus buscou oferecer cafés de alta qualidade e moídos na hora. Apreciador da bebida desde criança, ele se deparou com os cafés especiais quando, entre 1995 e 1996, decidiu deixar seu trabalho na área de mercado de capitais do grupo Gerdau e viajar. Iria conhecer lugares, surfar, e buscar algo para realizar, aos 27 anos.
Na volta ao Brasil, em 1997, abriu o Café do Mercado. No ano passado. a empresa investiu em um moderno torrador alemão e dobrou sua capacidade de produção. Em breve, a fábrica estará em nova sede em Porto Alegre. “Chegamos ao limite de nossa capacidade inicial e precisamos ampliar a infraestrutura. Hoje temos quatro lojas em Porto Alegre, uma filial em Florianópolis e abriremos a nossa segunda filial em São Paulo”, afirma. Em 2013, foram produzidas 240 toneladas, e 2014 deve fechar em 260 toneladas.
Para o próximo ano, o faturamento atual de R$ 11 milhões deve crescer 50% caso a empresa expanda com franquias e 25% em caso negativo. Com mais de 1.200 clientes no Rio Grande do Sul, 200 em Santa Catarina e 200 no Brasil, a ideia é expandir nacionalmente. Além de grãos de Minas, o Café do Mercado oferece oito opções especiais de cinco regiões diferentes e três pontos de torra. Entre as origens, grãos do sul de Minas, do cerrado mineiro, norte de São Paulo, da chapada baiana e norte do Paraná. “Inicialmente eu me deslocava até Torres para torrar os grãos no café Rosenda, do seu Paulinho, o melhor torrador do Rio Grande do Sul, e depois ia até Arroio dos Ratos, até termos nosso equipamento”, lembra.
Não basta ser arábico para ser um bom café, mas todo café especial é arábico, com suas principais variedades brasileiras: bourbon, catuaí, acaiá e mundo novo. Os grãos robustos são mais resistentes a pragas, têm produtividade maior, e possibilidade de plantio em nível do mar, ao contrário dos arábicos, que se desenvolvem em regiões de maior altitude. Por essas e outras, os grãos robustos chegam ao consumidor com um terço do custo do arábico, mas produzem bebidas mais adstringentes e com menos sabor. No supermercado, grosso modo, quanto menor a qualidade do café, mais grãos robustos ele possui.
No Brasil, o órgão responsável por fiscalizar a qualidade dos cafés especiais é BSCA. Fundada há 23 anos por 12 produtores, é a única instituição que certifica lotes e monitora selos de controle de qualidade do produto. Na classificação, o tipo e a bebida são avaliados. A nota de tipos vai de 2 a 8 conforme a forma do grão, cor e defeitos. A prova de xícara define os sabores entre estritamente mole, mole, apenas mole, dura, riado, rio e rio zona. Hoje conta com 200 membros, dentre os quais outras associações e cooperativas, responsáveis por aproximadamente 7% do total das exportações brasileiras.
A BSCA também certifica a origem do café, o café gourmet (arábico com peneira maior que 16, quase isento de defeitos), o orgânico (sem agrotóxicos) e o café fair trade, com certificado sobre as condições socioambientais (produzido por pequenos produtores ou em cultura associada à floresta, por exemplo). Enquanto o certificado de propriedade atesta boas práticas agrícolas, a certificação do lote se baseia em análises sensoriais.
Segundo a associação, a qualidade do produto brasileiro não deve em nada aos cafés de outras origens mesmo que alguns deles tenham obtido maior notoriedade no mercado internacional. Outros países em destaque no segmento de especiais são a Etiópia, Quênia, Guatemala e Costa Rica. Já a Colômbia, pela constante produção, é um dos nossos maiores concorrentes.
A garantia do prazer do bom café também está intimamente ligada aos conhecimentos do barista, arte que vem sendo fortemente difundida junto aos grãos especiais. “São eles que zelam pelo melhor aproveitamento das origens. Conhecem os grãos, entendem, harmonizam processos”, afirma Athaus. Neste ano, um de seus baristas, Daniel Nunes, responsável por ministrar oficinas pelo Rio Grande do Sul, ficou em quarto lugar no 14º Campeonato Brasileiro de Baristas.
A atenção para a origem do grão, conhecimento de suas propriedades e o domínio do preparo para alcançar as melhores virtudes do café também é muito trabalhada pelo Café Cultura, com sede na Lagoa da Conceição, em Florianópolis. No Lab Café, onde eles fazem a torra e embalagem, também ministram cursos para baristas e apresentam os equipamentos de preparo expresso ou doméstico, por exemplo. “O local funciona como uma experiência sensorial.
Diferentes grãos em diferentes preparos ou um mesmo grão com diferentes preparos apresentam nuances importantes”, afirma a fundadora Luciana Roberta de Melo. O negócio nasceu há 10 anos, numa parceria dela com o marido Joshua Daniel Stevens. Ela, natural do sul de Minas, de onde compra seus grãos. Ele veio da Califórnia e cresceu vendo seu pai gerenciar centenas de cafeterias. “O mercado vem sofrendo uma elitização. As pessoas possuem não só mais poder de compra, mas mais informação e estão aprendendo a apreciar café como apreciam vinho”, afirma Luciana Melo.
Os especiais têm dado tão certo que em janeiro o casal abriu uma franquia no Shopping Iguatemi, em Florianópolis, e lançam outra em Balneário Camboriú em novembro. Com crescimento médio anual de 10%, a ideia é expandir as receitas com as novas unidades, nas quais vendem um Blend vindo do sul de Minas, café orgânico, descafeinado e 100% ecológico, o adocicado Pea Barry (grão moca) e o Bourbon amarelo.
Com a qualidade garantida e expansão dos pontos de venda de bons cafés, resta se render aos sabores. “Um bom café te surpreende. As percepções que ele proporciona na doçura, corpo e simplicidade emocionam. Um amante de café está sempre em busca da xícara perfeita”, comenta Athaus.