A retração na oferta de crédito internacional obrigou as empresas brasileiras a buscarem alternativas domésticas para financiar investimentos. Um termômetro da mudança é a forte expansão dos empréstimos bancários, na casa de 30% no primeiro semestre, e a evolução das captações feitas no mercado de renda fixa, com emissão de debêntures e notas promissórias. Já as operações no mercado externo recuaram 36%.
O lançamento de ações, uma das principais fontes de recursos das empresas nos últimos anos, foi prejudicado pelo mau humor do ambiente internacional, que reduziu o apetite do estrangeiro por papéis de mercados emergentes. Com investimentos na carteira, as empresas tiveram de retornar ao mercado doméstico, apesar do atual ciclo de alta dos juros.
Essa foi uma das grandes surpresas da última safra de balanços dos bancos. Nos quatro principais bancos nacionais (Banco do Brasil, Bradesco, Itaú e Unibanco), a carteira de crédito para grandes empresas cresceu 30% no primeiro semestre, ante igual período de 2007, e somou R$ 180,3 bilhões. "Nos últimos anos, houve uma mudança grande de escala das companhias brasileiras. Com isso, as necessidades operacionais e de investimento também cresceram", diz o diretor-executivo do Bradesco, Sérgio Clemente.
Segundo ele, parte da demanda foi suprida pelas Ofertas Públicas Iniciais (IPOs). Mas, com a turbulência no ambiente internacional, provocada pelos prejuízos bilionários dos bancos com as hipotecas de alto risco (subprime), esse mercado se fechou. No primeiro semestre, apenas quatro novas empresas entraram no mercado acionário, o que representou uma queda de 44,5% no volume total de ofertas, conforme dados da Associação Nacional dos Bancos de Investimentos (Anbid).
"As empresas cresceram. Aquelas que fizeram IPOs já gastaram e precisam de mais dinheiro para cumprir os investimentos. Fazer financiamento é mais rápido", diz Clemente, do Bradesco, onde o crédito para grandes empresas cresceu 39,8%. Para o segundo semestre, a expectativa é que esse portfólio continue em alta. Segundo especialistas, o que as empresas estão fazendo é conseguir um empréstimo-ponte, por prazos de um a três anos, e depois tentar lançar algum título no mercado interno ou externo, quando o mau humor passar.
Isso tem sido feito até mesmo em investimentos de infra-estrutura. As concessões rodoviárias, cujo leilão ocorreu em 2007, exigiram volume grande de recursos no primeiro semestre por causa das melhorias iniciais exigidas pelo governo. Junta-se aí outras obras, como as usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira. Uma parte do financiamento dos dois empreendimentos, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), será repassada pelas instituições financeiras.
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Renda Fixa
Não foram apenas os empréstimos bancários que tiveram forte expansão no semestre. As captações no mercado de renda fixa cresceram 250,2% em junho, ante junho de 2007 e atingiram R$ 48,43 bilhões. Quase 70% desse montante refere-se à emissão de debêntures.
Segundo o presidente da Anbid, Luiz Fernando Resende, o crescimento da emissão desses títulos na primeira metade do ano – com prazo médio de três anos e meio – foi impulsionado pelos bancos. Para o segundo semestre, a tendência é de que a emissão seja liderada pelas empresas.
O cenário de incerteza também fez as companhias reaquecerem o mercado de notas promissórias. Entre janeiro e junho, o setor privado captou, por meio de 18 operações, volume de R$ 9,97 bilhões, 258,6% superior ao mesmo período do ano passado. Todo esse movimento ocorreu apesar da elevação da taxa de juros iniciada em abril.
Pesquisa mensal feita pelo Bradesco com os principais clientes mostrou que a maioria dos investidores não deve alterar projetos para o ano por causa dos juros. Caso a Selic suba para 13,25% ao ano na próxima reunião, quase 50% dos entrevistados disseram que os investimentos não serão afetados. O porcentual cai para 33,9% se a Selic subir para 15,25% ao ano. Na avaliação de especialistas, o porcentual de empresas que não devem mexer em seus projetos continua alto por causa da diminuição do desemprego. Além disso, o consumo caiu um pouco, mas continua elevado.
"De qualquer forma, as empresas terão de pagar mais para tirar qualquer projeto do papel", diz o economista da RC Consultores, Fábio Silveira. Segundo ele, no mercado interno, com a alta da Selic, o custo dos empréstimos está subindo. No ambiente internacional, apesar do juro menor, o prêmio exigido pelos investidores é alto nesse momento de incerteza. "Com a crise do subprime, a concessão de crédito no exterior está mais seletiva, mais criteriosa."
Nem o grau de investimento concedido ao Brasil por duas agências de classificação de risco foi suficiente para melhorar as condições do crédito lá fora, diz o analista da Austin Rating, Luiz Miguel Santacreu. "O investment grade foi como receber a notícia que você ganhou na loteria no meio de uma guerra. A classificação ainda não se materializou em recursos de longo prazo."