O avanço da inflação pode impactar o planejamento financeiro dos cidadãos de renda mais baixa de forma dúbia. Os efeitos negativos imediatos são o comprometimento da renda e a perda do poder de compra dos consumidores, resultando em inadimplência.
Entretanto, segundo o professor Nuno Fouto, coordenador do Provar (Programa de Administração de Varejo) da FIA (Fundação Instituto de Administração), o momento também pode ser de aprendizado, principalmente no que diz respeito ao endividamento de longo prazo.
Aumento da inadimplência
Dados divulgados na última segunda-feira (21) pela Fecomercio-SP mostram que tanto o nível de endividamento quanto o de inadimplência em São Paulo aumentaram, principalmente entre consumidores que ganham até três salários mínimos.
Pesquisa semelhante realizada pela Fecomercio-RJ, divulgada na última quinta-feira (17), aponta que o percentual de famílias do Rio de Janeiro com renda até oito salários mínimos e que estão com atraso em prestações de financiamentos aumentou, chegando a 26,3% em julho.
A relação entre a inflação e o aumento da inadimplência entre consumidores de baixa renda pode ser explicada, segundo o professor Fouto, considerando principalmente a perda do poder de compra dessa classe.
Oscilações do poder de compra
De acordo com Fouto, a estabilidade e o crescimento econômico experimentados pelo Brasil nos últimos anos vinham promovendo um aumento na capacidade de compra dos consumidores. Anteriormente, as classes mais baixas gastavam com sua cesta básica de consumo, mas tinham uma demanda por produtos de valor mais alto bastante reprimida.
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Com o aumento da estabilidade, o crédito ao consumidor também foi elevado, fazendo com que essa repressão na demanda diminuísse. A conseqüência, segundo o professor, foi o aumento do endividamento do consumidor, que passou a comprometer maior parcela da sua renda com financiamentos.
Entretanto, com a retomada do avanço da inflação, o consumidor viu novamente seu poder de compra ser reduzido, principalmente com o aumento do preço dos alimentos. A maior parte da renda das classes mais baixas tem sido novamente deslocada para o consumo de produtos básicos.
O problema é que o compromisso com os financiamentos continuou. "Logo, a probabilidade de não honrarem os pagamentos das dívidas assumidas aumentou", diz o professor. "Isso explica o aumento da inadimplência nos financiamentos entre a população mais pobre", explica.
Momento de aprendizado
Por outro lado, o professor destaca que esse quadro de aumento do endividamento não pode ser considerado de todo maléfico. Alguns efeitos podem melhorar o planejamento financeiro dos consumidores. "É de se esperar que o aumento das dívidas tenha um efeito de aprendizado. O consumidor está aprendendo a se endividar, a planejar, entrar em um parcelamento que será prolongado", afirma Fouto.
"Com isso, o perfil orçamentário dos consumidores de menor renda tende a melhorar", estima Fouto. A pesquisa da Fecomercio-RJ mostra dados que reforçam a afirmação do professor. A parcela de famílias que tem orçamento com sobra ou equilibrado aumentou para 74,7% em julho, contra 70,1% no mês anterior.
A tendência no médio prazo, portanto, é que o consumidor se adapte a lidar com o comprometimento de sua renda por longos períodos, ao conciliar esses gastos com a parcela da renda que deverá destinar para seu consumo básico.