Os países pobres já estavam “marginalizados” antes da desestabilização dos mercados internacionais e, na nova conjuntura, ficarão ainda mais – uma vez que se inserem na economia mundial como simples exportadores de matérias primas, com investimentos estrangeiros exatamente na exploração desses recursos.
A avaliação foi feita hoje (27) pelo professor do Departamento de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Clélio Campolina, ao comentar os reflexos da crise financeira mundial.
“A crise mundial também afetará os países pobres, mas a esperança é que, em uma retomada do sistema – e a gente tem que esperar que ele retome – isso se faça em novos padrões de organização da economia mundial que possam, de certa forma, reconhecer o direito político desses países de ter algum tipo de apoio”.
Em entrevista ao programa Revista Brasil, da Rádio Nacional, Campolina reforçou que o alcance da atual crise financeira é maior do que o de qualquer crise precedente, já que a economia mundial está extremamente integrada. O impacto, segundo ele, será generalizado e os efeitos serão em cadeia. De acordo com o especialista, à medida que aumenta o peso do comércio internacional, das relações internacionais e da integração do sistema financeiro internacional, tocar em qualquer um dos “pontos de relevância”, “contamina” o restante do sistema.
Ele negou que a decisão do passado de globalizar a economia mundial possa ser considerada um equívoco e acrescentou que as mudanças tecnológicas da época apontavam para uma integração crescente. Para Campolina, o problema vivenciado pelo neoliberalismo na atualidade é que os grandes países “relaxaram” na atuação do Estado na economia.
“O sistema terá que estabelecer novos mecanismos de regulação mundial e não será mais sob a liderança de um único país, como foi o caso dos Estados Unidos [depois da ] Segunda Guerra Mundial. As forças econômicas que se reconstroem seguramente vão levar à formação de um sistema multipolar de poder, o que é bom porque dá mais estabilidade, mais solidariedade e um pouco mais de cuidado e juízo na tomada de decisões”.
Para o economista, o Brasil será “indiscutivelmente” afetado pela crise, mas ele considera que a atual posição internacional em que se encontra o país é “relativamente confortável”, diante de uma certa estabilidade institucional e política que permite a busca de caminhos “de maneira mais racional”.
“Nossa fonte de US$ 200 bilhões [de reservas internacionais] não é inesgotável, mas os bancos brasileiros estão em uma situação relativamente sólida. Pela perversidade da nossa dívida interna, os bancos brasileiros são, hoje, os grande detentores de títulos da dívida interna – não estão no mercado privado de títulos, o que aconteceu com os bancos norte-americanos e europeus".
Campolina afirmou que não há um risco exagerado de corrida de estrangeiros tirando dinheiro do Brasil, o dinheiro não tem muito para onde ir. "O outro lado do mundo está pior do que a gente. Os detentores de capitais internacionais vão pensar duas vezes antes de repatriar dinheiro. Como a situação do vizinho é pior do que a nossa, temos uma situação de relativo conforto”.