Os interesses comerciais podem ter pesado mais que as questões técnicas no pedido de adiamento do início da portabilidade numérica, apresentado esta semana à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) por um grupo de operadoras. Por orientação do Ministério das Comunicações, a Anatel deve rejeitar o pleito e manter o cronograma da portabilidade, que permite ao usuário preservar o número de telefone em caso de troca de prestadora de serviço.
A Claro, Embratel, GVT e Intelig não pediram o adiamento. "A Claro trabalha para estar pronta em 1º de setembro", disse Antônio Britto, diretor de Assuntos Corporativos da operadora, sobre a data de início da portabilidade. "Nós condicionamos a possibilidade de discutir o adiamento se houvesse uma divulgação de onde estava o problema."
Experiências de portabilidade numérica em outros países mostraram que as operadoras com maior fatia do mercado são as que mais têm a perder com o serviço. As concorrentes não conseguem conquistar uma fatia de seus clientes porque eles têm seus números há muito tempo, e não estão dispostos a abrir mão deles.
Para a Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (TelComp), não dá para se aceitar uma mudança no cronograma sem que se demonstre, claramente, qual é o problema técnico existente e qual o prazo necessário para resolvê-lo. "O Brasil não é pioneiro na portabilidade", disse Luis Cuza, presidente da TelComp. "Ela já existe em cerca de 50 países. No México, ela foi implantada em seis meses. Aqui, as empresas tiveram um ano e meio."
Os autores do pedido de adiamento foram a Telefônica, Oi, Brasil Telecom, Vivo, TIM, Sercomtel e CTBC. Segundo uma fonte do mercado, a Telefônica e a Oi tiveram resultados ruins nos testes. As empresas preferiram não comentar o tema.
@@@
O conselho diretor da Anatel se reuniu ontem, mas o adiamento da portabilidade não entrou na pauta. O presidente da agência, Ronaldo Sardenberg, tem dito que a Anatel acompanha os testes de perto e trabalha para que o cronograma seja respeitado. De acordo com uma fonte do governo, a orientação de iniciar a implantação da portabilidade em setembro será mantida, para preservar os direitos do consumidor. Pelo cronograma da Anatel, o sistema deve estar funcionado em todo o País em março de 2009.
"É um descaramento das empresas, para falar um português bem claro", disse Daniela Trettel, advogada do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec). "A sociedade não pode arcar com a inércia e a desídia (negligência) das empresas. O fato de que algumas empresas conseguem cumprir o prazo mostra que é um caso de má-fé ou incompetência."
Alex Zago, analista sênior de Telecomunicações da consultoria IDC, analisou a portabilidade numérica em outros países, e não encontrou registros de problemas técnicos que impedissem o seu funcionamento. "O que aconteceu em outros países foram problemas de preço ou de burocracia, em que as operadoras demoravam para atender e o consumidor não tinha com quem reclamar", disse Zago.
Em posicionamento oficial, a Oi, que pediu o adiamento, aproveitou para bater no grupo Telmex/America Móvil, que controla a Embratel e Claro: "É preciso lembrar que em 1999, durante a introdução dos códigos de longa distância, a Embratel, que tinha então a maior infra-estrutura desse serviço, foi responsabilizada pelos problemas ocorridos em escala nacional."
@@@
Sem mudar o número
O que é: A portabilidade numérica permite ao consumidor manter seu número de telefone quando troca de operadora. As regras da portabilidade foram definidas pela Anatel no ano passado. Será possível transferir o número de operadora fixa para operadora fixa e de empresa celular para empresa celular. Não será permitida, como acontece em outros países, a portabilidade de fixo para móvel ou de móvel para fixo.
Prazo: A portabilidade será instalada em etapas, com início em 1º de setembro, nas cidades de Bauru e São José do Rio Preto (SP), Vitória (ES), Divinópolis (MG), Londrina (PR), Goiânia (GO) e Teresina (PI) e no Mato Grosso do Sul. Ela chega ao Rio de Janeiro (DDD 21) em fevereiro de 2009 e em São Paulo (DDD 11) em março.
Adiamento: A Abrafix, associação das operadoras fixas locais, e a Acel, das celulares, haviam pedido adiamento do início da portabilidade à Anatel, no mês passado. Não deu resultado. Esta semana, um grupo de empresas voltou a pedir o adiamento. A Claro (associada da Acel), a Embratel, a GVT e a Intelig não assinaram o documento.
Impacto: Em outros países, a portabilidade numérica teve um impacto negativo nas operadoras dominantes, que perderam clientes para seus competidores. No caso brasileiro, os clientes pós-pagos devem ser alvo do serviço. Segundo a consultoria IDC, apesar de serem menos de 20% do total de assinantes, eles respondem por mais de 50% da receita das operadoras celulares. A consultoria apontou que, em São Paulo, as novas operadoras celulares – Oi e Aeiou – devem ser as mais beneficiadas pela medida.