por Raquel Rezende (raquel@empreendedor.com.br)
Famílias que se unem e colocam sua força de trabalho nas produções agrícola, florestal, pesqueira, pastoril e aquícola fazem parte do segmento econômico denominado agricultura familiar. A Organização das Nações Unidas (ONU) declarou 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar (AIAF) com o propósito de chamar a atenção para o fato de que a atividade, de pequena escala, está intimamente vinculada à segurança alimentar mundial, à preservação dos alimentos tradicionais, à proteção da agrobiodiversidade e ao uso sustentável dos recursos naturais. Além disso, a agricultura familiar representa uma oportunidade para impulsionar as economias locais, especialmente quando combinada com políticas específicas destinadas a promover a proteção social e o bem-estar das comunidades.
No Brasil, esta atividade é representada por 84% dos estabelecimentos agropecuários do País e ocupa diretamente mais de 12 milhões de pessoas (74% da mão de obra no campo). Apesar de os agricultores familiares ocuparem apenas 24% da área agrícola do País, respondem por cerca de 33% do valor total da produção no campo, segundo dados do Censo Agropecuário 2006 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O governo federal oferece alguns programas que incentivam a atividade e se percebe uma melhoria na qualidade de vida de muitos agricultores, entretanto é preciso avançar para aumentar a conscientização da sociedade sobre os desafios que os pequenos produtores enfrentam.
O agricultor João Rocha Oliveira de Planaltina (DF) integra a lista dos trabalhadores rurais que se beneficiam dos programas de incentivo do governo federal. Oliveira possui uma chácara de 14 hectares, onde mantém estufas de tomate e pimentão. Com o empréstimo de R$ 59 mil adquiridos por meio 2014
do Programa Mais Alimentos do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a juros de 2% ao ano e prazo de três anos para começar a pagar, Oliveira comprou um novo trator de 50 cavalos que supriu as necessidades de trabalho na chácara. “Antes do Mais Alimentos eu tinha que alugar um trator e pagar por hora de serviço. Hoje não é mais necessário. Com a máquina nova dá para fazer tudo. O trator é completo”, conta João.
O Programa Mais Alimentos, criado em 2008, é uma linha de crédito do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) que financia a modernização das propriedades familiares. Por meio do Mais Alimentos, o agricultor familiar pode acessar até R$ 130 mil, com taxa de juros de 2% ao ano, 10 anos para pagamento e três anos de carência. A partir do Plano Safra da Agricultura Familiar 2010/2011, o Mais Alimentos passou a financiar também projetos coletivos de até R$ 500 mil. Oliveira relata que o trator dinamizou o trabalho no preparo da terra no momento de arar, na distribuição das sementes no canteiro e também na pulverização da terra. A elaboração do projeto técnico da propriedade e a assistência necessária para aquisição do financiamento foi realizada pela Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal (Emater/DF). “A empresa é parceira mesmo em matéria de assistência aos agricultores”, opina Oliveira. Além da Emater, Oliveira considera a Cooperativa Agrícola da região de Planaltina (Cootaquara) de fundamental importância para os agricultores locais.
Em Manhuaçu (MG), o agricultor Messias Leite da Silva também sustenta a família com a plantação de café. Messias planta café em uma pequena propriedade. Por ano, ele produz 800 sacas. “Desde menino, nunca fiz outra coisa na vida”, diz. Messias afirma que o Pronaf ajuda muito, pois se o agricultor não pode pagar, o prazo é prorrogado, o montante do valor financiado pode ser parcelado ou ainda é possível pagar com o próprio café produzido. “Tenho 10 filhos e sustento a família com a lavoura”, enfatiza.
O agricultor familiar João Mendes Rocha conta que sempre gostou da vida no campo, por isso resolveu abandonar as salas de aula de Química e tornar-se agricultor de profissão. Em seu sítio de 15 hectares, no Núcleo Rural Sobradinho dos Melos, em Paranoá (DF), João das Pimentas, como ficou conhecido, planta seis hectares do produto. Por semana, entrega 5 mil bandejas da especiaria para a Ceasa de Brasília e em feiras das cidades do Paranoá e Planaltina (DF). Além das pimentas, o agricultor colhe 1,5 tonelada de pimentão, goiaba, acerola, limão, quiabo e maxixe em outros seis hectares. Ele ainda planeja investir no chuchu e maracujá.
Acesso facilitado
João das Pimentas relata que, em 2010, decidiu comprar um caminhão para escoar a produção e, assim, deixar de gastar toda semana com frete. O Programa Mais Alimentos facilitou a aquisição para o agricultor, que economiza cerca de 40% por semana. “O Mais Alimentos é nota 10 e me ajudou muito. Sem o crédito, com certeza eu não teria como comprar um caminhão. Além de conseguir levar toda a minha produção nos dias de feira, ainda levo um pouco dos vizinhos”, comemora. O agricultor financiou o caminhão por R$ 70 mil, a juros de 2% ao ano, e dois anos de carência para pagar a primeira parcela. Desde 1983, João também recebe apoio da Emater/DF.
O técnico do escritório regional, Hélcio dos Santos, relata que o primeiro trabalho na propriedade de João das Pimentas foi destinado à produção de hortaliças. Com o passar dos anos, os técnicos ensinaram o agricultor a trabalhar com a irrigação localizada e outras formas de plantio, sempre com foco na preservação do meio ambiente. Os técnicos da Emater também ajudaram no controle das pragas e doenças. “O órgão que sempre ajuda a gente aqui é a Emater, eles sempre visitam a minha propriedade”, destaca João das Pimentas. Com o apoio recebido, João se sentiu confiante para buscar mais um financiamento pelo Programa Mais Alimentos para comprar um microtrator.
Com planos de facilitar o acesso dos agricultores à tecnologia, a LS Mtron – 13º maior grupo empresarial da Coreia do Sul, com faturamento de US$ 30 bilhões anuais – investiu cerca de R$ 150 milhões em sua fábrica em Garuva (SC). A perspectiva da empresa, que opera com a marca LS Tractor, é fabricar anualmente 5 mil tratores com faixa de potência entre 40 a 105 cv para atender, especialmente, pequenos e médios produtores e agricultores familiares. O diretor comercial e de marketing da LS Tractor, André Rorato, explica que os tratores fabricados pela empresa vêm com equipamentos que só são encontrados nos tratores de maior potência e a economia com combustível vai girar em torno de 40%. “Os tratores têm configuração mecânica eficiente e conforto. Vamos entregar um equipamento com grande desempenho, economia e dois anos de garantia”, enfatiza. A LS Tractor comercializa oito modelos de tratores e todos estão enquadrados no BNDES Finame (Financiamento de Máquinas e Equipamentos) e no Programa Mais Alimentos.
Outra modalidade inovadora de financiamento oferecida pela LS Tractor permite que o agricultor possa pagar o trator com sacas de café em um prazo de três safras. Rorato destaca que a modalidade, chamada de barter, foi criada para facilitar a aquisição do equipamento pelo produtor. “Fizemos um acordo com operadores de café para que recebessem o produto deste cliente como forma de pagamento do trator. Esta fórmula se mostrou muito positiva”, avalia.
O governo federal, através do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), disponibiliza crédito rural com a finalidade de estimular a geração de renda e melhorar o uso da mão de obra familiar, por meio do financiamento de atividades e serviços rurais desenvolvidos em estabelecimento rural ou em áreas comunitárias próximas. Atualmente, 4,7 milhões de agricultores familiares possuem a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP), documento que garante acesso a esses programas. Outras 2,8 mil entidades ligadas aos agricultores familiares possuem registro de pessoa jurídica no Pronaf.
Plano de investimentos
O diretor do departamento de financiamento e proteção da produção da Secretaria da Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), João Guadagnin, explica que o plano de aplicação de recursos do crédito rural da família é consolidado em uma proposta ou projeto de crédito elaborado com o apoio de técnicos da extensão rural, especialmente quando o financiamento é para investimento na melhoria da infraestrutura de produção e serviços agropecuários ou não agropecuários da unidade familiar, para empreendimentos que vão contribuir para a agregação de valor à produção primária (agroindústrias familiares), aquisição de máquinas e equipamentos. “Os agricultores familiares aplicam integralmente os recursos do crédito rural do Pronaf nas atividades que estão nos contratos. Há elevada eficiência, eficácia e efetividade na aplicação dos recursos do crédito rural do Pronaf”, afirma Guadagnin.
Os valores para crédito são disponibilizados por ano safra, que vai de 1º de julho a 30 de junho do ano seguinte. Para a safra de 2013/2014, o valor disponibilizado foi de R$ 21 bilhões. Segundo Guadagnin, o governo federal garante que esse valor pode ser ampliado caso haja demanda dos agricultores. “Se os agricultores necessitarem de mais crédito, há o compromisso de ampliação dos recursos”, enfatiza. Guadagnin relata que o número de agricultores familiares que necessitam do crédito rural do Pronaf vem crescendo anualmente.
As operações de custeio, de acordo com Guadagnin, são as linhas de financiamentos mais procuradas pelos agricultores. Esses créditos se destinam ao financiamento das despesas de custeio agrícola ou pecuário. “Tem um elevado potencial de contribuição para a melhor utilização dos fatores de produção, terra, máquinas, mão de obra e os insumos. Os financiamentos de custeio são contratados e pagos em cada safra. Por ano, são realizados mais de 800 mil contratos de custeio”, comenta Guadagnin.
Outra linha de financiamento muito acessada, segundo Guadagnin, é o Grupo B do Pronaf. Trata-se de um microcrédito produtivo rural orientado ao apoio de atividades agropecuárias e não agropecuárias desenvolvidas no estabelecimento rural ou em áreas comunitárias rurais próximas. A implantação, ampliação ou modernização da infraestrutura de produção e prestação de serviços agropecuários e não agropecuários, o turismo rural, a produção de artesanato ou outras atividades que sejam compatíveis com o melhor emprego da mão de obra familiar no meio rural também integram a lista de atividades cadastradas para receber crédito. “O financiamento do Grupo B do Pronaf pode cobrir qualquer demanda que possa gerar renda para a família atendida. São realizados mais de 400 mil contratos do Pronaf Grupo B por ano”, relata Guadagnin.
Através dos pedidos de financiamento de atividades produtivas geradoras de renda no meio rural, Guadagnin observa que as necessidades dos agricultores se concentram em conseguir financiamento para o plantio de culturas alimentares de consumo interno, especialmente frutas, hortaliças, milho, feijão, soja, mandioca e produção de leite. Segundo o diretor do MDA, o governo federal trabalha para atender a demanda desses agricultores, por meio de um conjunto de políticas públicas, que além do Pronaf envolve o Programa de Garantia de Preços para a Agricultura Familiar (PGPAF) e o Seguro da Agricultura Familiar (SEAF). “Queremos ampliar o acesso de agricultores às nossas políticas. Ampliar o número de contratos pelo Pronaf. Hoje, temos mais de 3,5 milhões de contratos ativos. Isso indica que cerca de 2 milhões de unidades familiares de produção já se beneficiam do Pronaf, do PGPF e do SEAF. Porém, é possível ampliarmos ainda mais o número de beneficiários dessas políticas”, destaca.
Além disso, Guadagnim comenta que a recém-criada Agência de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater) pretende qualificar mais a assistência técnica, fazer parcerias, articular mais pesquisa e extensão. “A expectativa do governo federal é ampliar o acesso dos agricultores às políticas públicas e qualificar a Anater para ampliar a renda e promover o bem-estar dos agricultores no meio rural brasileiro”, afirma. Os programas de compras públicas integram outras políticas que se destinam a impulsionar a agricultura familiar e ampliar o acesso da população aos alimentos. Entre eles, destaca Guadagnim, o Programa de Aquisição de Alimentos investiu R$ 5,3 bilhões em uma década. Nesse período, foram comprados 4 milhões de toneladas de produtos da agricultura familiar. Em todo o Brasil, foram mais de 1,3 milhão de operações de compra de alimentos de 388 mil produtores. Já o Programa Nacional de Alimentação Escolar investiu mais de R$ 745 milhões na compra de produtos da agricultura familiar de 2010 a 2012.
Agricultura familiar no Brasil
84% dos estabelecimentos agropecuários
24% da área agrícola do País
74% da mão de obra no campo (12 milhões de pessoas)
33% do valor total da
produção no campo
No mundo
500 milhões de agricultores
80% dos alimentos consumidos pela população mundial
Fontes: IBGE e ONU