Por Karen Fontana, CCSO da FutureBrand São Paulo*
Há um paradoxo notável no mercado de trabalho brasileiro: apesar da queda na taxa de desemprego, a rotatividade dentro das empresas já ultrapassa os 52% ao ano, conforme dados do Ministério do Trabalho e do Emprego. Essa contradição revela um descompasso entre as práticas de contratação e a experiência real de trabalho que é oferecida.
Essa baixa retenção não é apenas uma questão conjuntural, mas estrutural, que evidencia falhas em três processos primordiais: de integração cultural, clareza de propósito e liderança inspiradora. Quando as empresas aceleram contratações sem garantir uma estrutura de acolhimento e desenvolvimento, gera ciclos curtos, frustração e perda de talento. O problema, portanto, não está no volume de admissões, mas sim na qualidade da jornada após o ingresso.
Hoje, embora o salário continue sendo importante, ele perdeu o protagonismo, e outros fatores tomaram a frente para impulsionar a rotatividade. O primeiro deles é a qualidade da liderança, seguido pelo vínculo emocional com o trabalho e a coerência cultural. Outro fator relevante é a conexão entre o engajamento e o propósito declarado, já que a ausência de significado no trabalho leva à queda no interesse, na performance e, consequentemente, aumenta a rotatividade.
A accountability é caminho para diminuir o turnover?
O conceito de accountability, baseado em transparência, responsabilidade e autonomia, pode realmente reduzir o turnover. Culturas que distribuem responsabilidade com suporte e autonomia têm 35% mais chances de manter a performance no longo prazo, é o que revela dados da McKinsey, de 2024. Na prática, isso exige papéis bem definidos, feedbacks construtivos frequentes, delegação com acompanhamento real, e metas conectadas à performance, mas também aos valores organizacionais. É fundamental entender que a accountability sem estrutura torna-se apenas cobrança. Porém, quando bem aplicada, promove engajamento, protagonismo e retenção.
E é possível promover responsabilidade sem sobrecarregar, desde que resultado e empatia caminhem juntos. O ponto mais sensível para isso está na forma como tratamos o erro. Líderes que agem como facilitadores, e não como fiscais, criam ambientes nos quais o erro é visto como parte do aprendizado. Isso tanto aumenta o senso de responsabilidade, o famoso “ownership”, quanto melhora o engajamento em até 70%, segundo a Gallup (2025).
Para aumentar o número de profissionais mais responsáveis, é essencial três mudanças de mentalidade e gestão: sair da lógica de comando e controle para construir ambientes de confiança, substituir a competição interna por colaboração e interdependência,e, por fim, declarar metas atreladas ao propósito da organização. Líderes que comunicam bem seus objetivos aumentam em até 31% a produtividade, destaca levantamento da HBR, de 2022.
Definitivamente, o modelo de gestão tradicional, centralizador e pouco participativo, é um grande obstáculo para a permanência dos talentos. Ele reduz o engajamento, afasta profissionais que buscam mais autonomia e, consequentemente, desacelera a inovação. Se a gestão precisa ser mais horizontal, o RH precisa sair da lógica operacional e assumir um papel estratégico no desenho de ambientes que integrem cultura, desempenho, aprendizagem e bem-estar. Isso exige sistemas de gestão que combinem metas claras com autonomia de execução.
Em última instância, trata-se de construir uma nova cultura de confiança, em que líderes inspiram, times se sentem parte do propósito e o aprendizado contínuo guia as decisões. Organizações que conseguirem equilibrar resultados e humanização sairão à frente, não apenas por reterem seus melhores talentos, mas por transformarem o trabalho em um espaço genuíno de desenvolvimento e inovação. O futuro das empresas que prosperam será, cada vez mais, o futuro das pessoas que crescem dentro delas.
*Karen Fontana é CCSO da FutureBrand São Paulo, consultoria de branding do McCann Worldgroup/IPG.



