Cavar a lama com enxada para encontrar o corpo da filha não pode ser o novo normal

Gizelia tragédia Petrópolis

Gizelia tragédia Petrópolis

“Minha filha  era a coisa mais linda que tem no mundo, te juro por Deus”. Com essas palavras, o rosto banhado em suor e os olhos embasados de lágrimas, Gizelia Carminate de Oliveira, 36 anos,  busca um fôlego e mais forças nas mãos para escavar com uma enxada a lama do chão e encontrar a sua Duda, de 17 anos.  Ela só não aceita o destino que as autoridades do governo querem dar a esse novo desastre ambiental, que desta vez se abateu sobre a cidade imperial de Petrópolis, no Rio de Janeiro.

Nesses últimos anos de pandemia, como nenhum período das últimas décadas, o brasileiro precisou ser antes de tudo um forte. Precisou levantar diferentes barricadas para não sucumbir as tragédias humanas e do meio ambiente. Como ter estrutura para suportar a morte diária de mais 3 mil pessoas pela pandemia, a abertura de covas comum para enterrar os mortos pelo vírus ou a disputa de homens e mulheres por ossos jogados num caminhão de lixo.

Logo que as chuvas cessaram em Petrópolis, depois de arrastar centenas de casas das encostas e provocar a morte e o desaparecimento de mais de 300 pessoas, um estudo feito pelo IBGE e pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cenaden), aponta que no país inteiro existem hoje 27.660 áreas perigosas, sujeitas a fúria das chuvas e ao desabamento de casas.  Nessas áreas vivem, em números exatos, pois se trata de vidas humanas, 8.270.127 pessoas.

Chuvas, muita lama, destruição de casas e muitas mortes tem estado no horizonte do brasileiro nos últimos anos com frequência. O rompimento da Barragem de Mariana, que ocorreu em 2015 e matou 19 pessoas, é considerada até hoje a maior tragédia do meio ambiente no país. A pequena cidade mineira de Bento Rodrigues, localizada a 8 quilômetros da barragem, desapareceu na lama em minutos depois do rompimento.

Três anos depois, ocorreram rompimentos da barragem de Brumadinho que alcançaram o número assustador de 259 mortes.  Essa avalanche de lama tóxica atingiu a cidade e o Rio Paraopeba que garantia a água para todas as comunidades locais.

Só neste ano as fortes chuvas provocaram mortes e destruições em diferentes regiões brasileiras. São Paulo registrou 34 mortes em decorrência da chuva, sendo 18 delas no município de Franco da Rocha. No Sul da Bahia mais de 20 pessoas morreram e quase 1 milhão ficaram desabrigadas. Já em Minas Gerais, 20 pessoas morreram e 340 municípios decretaram estado de emergência.

São diferentes tragédias, todas anunciadas., previstas de ocorrer. O poder publica prefere esperar que o pior aconteça para começar agir. Com 27.660 áreas em perigo, se pode garantir que de tempo em tempo, bem provável que mais de uma num mesmo ano, vai ocorrer em diferentes regiões do Brasil.

Ninguém pode aceitar, muito menos a Gizelia Carminate que cavar a lama com uma enxada para encontrar o corpo da própria filha seja o destino, seja o novo normal.

 

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