O Brasil que se mostra na pintura de Abaporu no centenário da Semana de Arte Moderna

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Poderia ser apenas mais um quadro na parede. Recebeu o nome de Abaporu que na língua guarani significa  aba (homem) porá (gente)  e ú (comer).  Assim seria o “homem que come gente” ou o “homem antropófago”.

A pintura mostra uma figura humana de frente para uma vegetação verde, numa paisagem árida e ensolarada. Foi assinada por uma artista na época desconhecida,  nascida  em Capivari, interior de São Paulo, em 1886. Hoje, mesmo após a sua morte em 1973, é reconhecida e reverenciada em todo o mundo. Nome dela: Tarsila do Amaral.

Abaporu é hoje uma das obras mais valiosas da arte contemporânea brasileira. É também uma das obras mais completas e a perfeita síntese dos últimos 100 anos, cada vez mais viva, significativa, intrigante e inconclusiva, até os dias atuais, dominados por um vírus de uma pandemia que corrói vidas humanas e contamina, come a cultura brasileira justo no momento que se comemora a data centenária da Semana da Arte Moderna Brasileira.

Realizada no monumental Teatro Municipal de São Paulo, entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922, essa revolucionária maratona cultural, de música, exposição de arte, teatro, declamação de poesia e dança abriu novos caminhos para a arte e cultura brasileira.

Tarsilia do Amaral pintou  Abaporu no calor da Semana da Arte Moderna  e deu de presente de aniversário para o seu marido, o escritor Oswald de Andrade, um dos principais artífices do evento, junto com outros expoentes da cultura brasileira na época, entre eles Anita Malfatti, Mario de Andrade, Graça Aranha, Plinio Salgado, Menotti Del Picchia, Guilherme de Almeida.

Oswald de Andrade quando recebeu e viu o quadro não se conteve de alegria. Logo que abraçou e beijou Tarsila, colocou o quadro debaixo do braço e ganhou as ruas para mostrar aos amigos. Para ele, Tarsila conseguiu captar no quadro a essência da alma e do momento vivido no Brasil. Aos gritos, dizia que o “homem” da Tarsila iria devorar, comer toda a cultura passada, imposta pela Europa, dominada pela burguesia, para ressurgir com uma legítima e verdadeira cultura brasileira.

Os comandantes da Semana da Arte Moderna defendiam uma cultura e uma arte mais livre para o Brasil, baseada no movimento futurista que ganhava força na Itália, sem as amarras das escolas da Europa em geral que defendiam um padrão realista, na pintura, por exemplo, ou a poesia e letras de músicas sempre dentro de palavras e rimas pré-estabelecidas.

Na véspera da celebração centenária da Semana da Arte Moderna, o governo de Jair Bolsonaro lança um pacote de medidas para cortar em 50% a Lei Rouanet, o único canal oficial de incentivo à cultura brasileira. Por essa nova lei, nenhum artista poderá ganhar cachê maior que R$ 3 mil.

Ainda quando elaborava o corte desse  incentivo cultural, o titular da Secretaria Especial da Cultura do governo federal, Mário Frias, fez uma viagem para os Estados Unidos com um único objetivo: encontrar e discutir com o lutador de jiu- jitsu brasileiro, Renzo Gracie, a produção de um audiovisual. Essa negociação, que muito bem poderia ter sido feita por uma vídeo conferência, reduziria em R$ 78 mil os gastos dos cofres públicos e poderia cobrir o futuro cachê de 26 artistas.

O quadro Abaporu de Tarsila do Amaral, que hoje se encontra no Museu de Arte Latinoamericana de Buenos Aires,  até hoje não tem uma interpretação definitiva. A própria filha da artista, em livro, defende uma narrativa que Tarsila apenas queria fazer um auto- retrato e se revelar para o seu marido nua.

Com a atual pandemia ainda em curso, o aumento do desemprego e o alastramento do pobreza por todas as regiões brasileiras, além da desidratação da cultura brasileira com um brutal corte de verba, a pintura Abaporu de Tarsila do Amaral pode ter uma atual e definitiva interpretação:  um país nu, com fome de comida e sedento para gerar uma nova cultura, inclusiva e livre.

 

 

 

 

 

 

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