Quando a cultura e o bom senso se tornam vacinas para combater o vírus da pandemia

A aluna japonesa, com máscara, na capital Tóquio, em plena pandemia, entra na sala de música, se aproxima do professor e mantém uma distância de dois metros. Em pé, ela junta as duas mãos e faz uma inclinação com o corpo para frente em direção ao professor. Assim cumprimenta e referencia o mestre que lhe ensina a arte de tocar piano.

 

Um jovem catarinense, sem máscara, na capital Florianópolis, em plena pandemia, entra numa festa clandestina, numa elegante casa, de uma badala praia. Ele cumprimenta a todos, não mantém nenhum distanciamento das outras pessoas. Logo segura uma taça na mão e se mistura com o grupo de mais de 60 jovens ali reunidos.

 

No dia 24 de março de 2021, o Brasil, com 207 milhões de habitantes, alcançou o trágico número de 300 mil mortes. Só Santa Catarina, o estado brasileiro com a melhor estrutura de serviços médicos do país, hoje com 7 milhões de habitantes, ultrapassou no mesmo dia o número de 10 mil mortes.

No mesmo dia 24 de março de 2021, o Japão, com 126 milhões de habitantes, 18 vezes mais que o número de habitantes de Santa Catarina, desde o início da pandemia registrava 8.989 pessoas mortas pelo coronavírus.

São vidas perdidas, mas números distantes demais de um país para outro. A explicação para a diferença de números nesta tragédia humana está na cultura e também no bom senso. No modo de viver do brasileiro e do japonês. De como cada povo encara a vida.

Mesmo antes da pandemia, o japonês sempre teve o hábito de usar máscara, para evitar as gripes e as alergias pelo excesso de pólen no ar, vindo em especial das belas cerejeiras em flor, muito plantadas em todo o país.  Por tradição, o japonês também não cumprimenta com as mãos, nem dá abraços, hábitos bem contrários dos sempre elogiados gestos de afeto, de carinho, de desconcentração do brasileiro. Mas o vírus está na espreita desses aconchegantes gestos.

O Japão é uma referência para o mundo todo na condução, no tratamento da pandemia. Com liderança, coordenação nacional e testagem em massa, não fez lockdown e manteve a economia ativa, com restrições apenas em bares, restaurantes e casas noturnas. Mas foi rigoroso em manter o distanciamento social, evitar aglomerações e obrigar o uso de máscara em todos os ambientes fechados.

O Brasil, desde o início, fez tudo ao contrário do Japão. Não teve coordenação nacional e tudo ficou por conta de governadores e prefeitos. Trocou em um ano 4 vezes de Ministro da Saúde. Os principais líderes políticos, a começar pelo presidente da República, desde o início faziam questão de aparecer em público sem o uso de máscara e sempre também desdenharam dos efeitos, da eficácia e da importância das vacinas. Assim, fiéis seguidores faziam o mesmo. Até o jovem catarinense se animou a ir numa festa clandestina.

Depois de um ano da primeira onda da pandemia, em todos os estados brasileiros os hospitais e espaços de saúde estão em colapso, com falta de leitos, respiradores e medicamentos indispensáveis para tratar os sintomas da pandemia. Milhares de pessoas já morreram e vão morrer mais, sem nenhum recurso, em cadeiras pelos corredores de hospitais, aos olhos de médicos desolados, inconformados por não terem as mínimas condições de salvar vidas.

O jovem catarinense e participantes do grupo da festa clandestina, sem o mínimo de bom senso, aumentaram a fila da morte. A moça japonesa, ao terminar a aula de música, de máscara, vai novamente em direção ao professor. Mantém o distanciamento. Faz o gesto de referência, de reconhecimento, de agradecimento. Na língua japonesa o “Ojigi”, o arco, que forma a inclinação do corpo. Agora, pela pandemia, esse seu gesto também significa preocupação, solidariedade, empatia e amor ao próximo.

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