Cultura empreendedora deve começar nas salas de aula

por Raquel Rezende (raquel@empreendedor.com.br) em série de reportagens especiais sobre o crescimento da educação superior no Brasil*

O tema empreendedorismo está mui­to ligado a se permitir sonhar. Mais do que saber montar um plano de negócios e ter conhecimentos sobre uma série de áreas, o empreendedor deve estar conectado com seu sonho e fazer tudo para concretizá-lo. Essa ideia que, a princípio, pode causar es­tranheza é difundida por órgãos ligados ao empreendedorismo no Brasil, como Sebrae, Endeavor, Junior Achievement e também universidades. Porém, para incutir esse con­ceito na mente de crianças, jovens e adultos que frequentam as escolas do País, muito trabalho ainda precisa ser feito.

Segundo Renata Chilvarquer, diretora da área de educação da Endeavor Brasil – organização de fomento da cultura empre­endedora no mundo – somente 9% da po­pulação adulta brasileira passa por educação empreendedora. Esse índice é considerado muito baixo, quando comparado com ou­tros países da América Latina, como o Chile, por exemplo, que tem taxas de 40%. Dian­te disso, ela enfatiza que é preciso oferecer conhecimentos de empreendedorismo de forma mais prática e incentivar os jovens a sonhar grande, pois, ela argumenta que so­nhar grande e sonhar pequeno dá o mesmo trabalho, por isso é melhor sonhar grande. “Fazer com que o Brasil não seja só o País da intenção de empreender. Se a pessoa tem um sonho, tem que ir em frente e empreen­der”, encoraja.

Por meio da combinação de recursos variados, como a facilitação em sala de aula, livro completo da metodologia e um portal de apoio na internet, o projeto Bota pra Fazer, principal programa para ensino do empreendedorismo no País, oferecido pela Endeavor habilita as instituições de en­sino a ampliarem a sua oferta de educação empreendedora, oferecendo conteúdos qualificados e conectados à realidade do empreendedorismo no País e no mundo e disseminando a mensagem do empreende­dorismo de alto impacto. Os alunos que cur­sam o Bota pra Fazer têm contato com casos de sucesso, exercícios e conteúdo prático. Ferramentas, dicas para a criação de um pla­no de negócios bem estruturado e conteúdo complementar para quem vai encarar o mer­cado pela primeira vez também integram os conteúdos disponibilizados aos alunos.

Até o momento, 50 universidades apli­cam o projeto e cerca de 14 mil estudantes universitários passaram pelo Bota para Fazer. Além disso, uma parceria com o Sebrae foi firmada para financiar cursos sobre empre­endedorismo para 35 mil alunos universitá­rios até final de 2014. O projeto Bota para Fazer também capacita professores e facili­tadores para trazer o tema empreendedo­rismo para a sala de aula com um viés mais prático. “É preciso que os professores, que têm um importante papel, possam incenti­var os alunos a empreender, pois conforme dados da pesquisa Empreendedorismo nas Universidades Brasileiras, realizada em 2012, pela Endeavor 60% dos universitários têm in­teresse em empreender e somente 30% vão realmente atrás”, destaca Renata.

A educação empreendedora não é só acessível a quem frequenta a universidade. De acordo com a diretora da área de edu­cação da Endeavor Brasil, cerca de 2 mi­lhões de empreendedores acompanham conteúdos relacionados ao tema no portal Endeavor. Desse número, 60% são empre­endedores e o restante são pessoas que têm a intenção de empreender. Ainda segundo dados da Endeavor, no Brasil, existem 10% de potenciais empreendedores, correspon­dendo a 7 milhões de pessoas. Renata afirma que para aumentar esse número, uma das possíveis maneiras é democratizar o conhe­cimento. “Empacotar todo o conteúdo e le­var o conhecimento em diversos formatos e com relevância aos empreendedores, fazen­do com que todos tenham acesso. Essa é a intenção da Endeavor”, enfatiza.

A Endeavor oferece também diferentes cursos on-line, específicos para sanar dúvidas dos empre­endedores, que são pagos. Renata explica que a intenção da Endeavor é fazer com que a população em geral se identifique com as histórias e desafios dos empreendedores. “Nesses 14 anos que a organização atua no Brasil, selecionamos 100 empreendedores de alto impacto e usamos suas experiências como laboratório e divulgamos isso para outros empreendedores aprenderem com eles”, relata.

Ainda de acordo com a pesquisa – que apresentou um retrato do jovem empre­endedor no País, resultante de entrevistas colhidas com 6.215 universitários de todas as regiões, entre fevereiro e maio de 2012 – 60,3% dos estudantes de universidades públicas e privadas não cursaram disciplina ligada ao empreendedorismo. Esse dado pode ser explicado por diferentes fatores, conforme explica Amisha Miller, gerente de pesquisas e políticas públicas da Endeavor Brasil. Entre eles, restrição dos programas de empreendedorismo às carreiras relacio­nadas à gestão de negócios, fraca divulgação ou até mesmo baixa qualidade dos cursos. Entretanto, não são somente as universida des as responsáveis por esses números, pois apenas 4,3% delas não oferecem atividades ligadas ao empreendedorismo. “O problema também está na falta de iniciativa e interesse dos alunos em buscar conhecimentos sobre empreendedorismo”, constata Miller.

O estudo aponta também que 6 em cada 10 estudantes universitários brasileiros gos­tariam de ter a própria empresa no futuro. O interesse dos alunos em empreender não se restringe às carreiras ligadas diretamente à gestão de negócios, como administração ou economia. A taxa que mede a intenção de abrir um negócio próprio varia bem pouco entre cursos da área de exatas, como engenharias (62,7%) e física (56%), e de hu­manas, como arquitetura (65,6%) e direito (56,3%). Na faculdade de administração, por exemplo, o número de alunos que pensa em empreender é apenas 0,1% maior do que no curso de arquitetura. Mas, enquanto a parcela de estudantes de administração que já cursaram alguma disciplina ligada ao em­preendedorismo é de 53,7%, a mesma taxa cai para 21,9% quando se trata do curso de arquitetura. O mesmo acontece em outras carreiras, como engenharias (39,8%), física (28%) e medicina veterinária (33,3%). No to­tal, a média dos estudantes que já cursaram uma disciplina ligada ao empreendedoris­mo é 44,2% e daqueles que dizem usar seu tempo para aprender a iniciar um negócio, 28,4%.

Uma das conclusões da pesquisa é que a preparação para o empreendedorismo gera um impacto direto na confiança dos estudantes para abrir o próprio negócio. Em uma escala de 0 a 100, a maior confiança (en­tre 61 e 100) é 10% superior entre os alunos que cursaram disciplinas de empreende­dorismo. A partir disso, explica-se porque a maior parte dos estudantes que já tem negó­cio próprio encontra-se nos cursos de pós-graduação, seja um MBA, Mestrado ou Espe­cialização, com uma média de 22,1%, contra uma parcela bem menor entre os estudantes de graduação, de 7,9%. “Os alunos mais ve­lhos costumam ser mais confiantes do que os mais novos, o que reforça a importância da preparação para o empreededorismo”, destaca Amisha Miller, gerente de pesquisas e políticas públicas da Endeavor Brasil.

Para Margarida Berns Schafaschek, pro­fessora de economia e integrante do setor de projetos da Universidade do Contestado (UnC), com campus em Santa Catarina, a universidade é um local por excelência para o desenvolvimento de uma cultura empre­endedora. “Em todos os cursos, é necessário que seja desenvolvido o espírito empreen­dedor nos acadêmicos para que surjam no­vas organizações, trazendo assim emprego e renda para a sociedade, bem como novos produtos e serviços”, opina. Ela conta que a universidade foi parceira no projeto Bota para Fazer da Endeavor, porém o projeto não teve êxito.

O curso foi oferecido na modali­dade semipresencial a 47 alunos e apenas 22 alunos terminaram o curso. “Houve muitas desistências e apenas 22 concluíram o curso, com a entrega do plano de negócios”, relata Margarida. Na avaliação dela, os alunos ainda não desenvolveram a cultura da educação a distância e tiveram dificuldade de efetuar as atividades na plataforma. Margarida pensa que o curso Bota Pra Fazer é inovador, mas para a região de atuação da universidade ainda se faz necessário trabalhar mais esses conceitos. “Vemos como um projeto para o futuro. Alguns alunos desenvolveram uma boa ideia de negócio, mas ainda não foram implantadas”, afirma.

A inserção de conteúdos de empre­endedorismo no ensino formal possibilita que crianças, jovens, adolescentes e adultos conversem sobre a estruturação de seus so­nhos pessoais e profissionais, identificando oportunidades que gostariam de realizar ou desenvolver em uma atividade empreen­dedora, segundo Luiz Barretto, presidente do Sebrae Nacional. “Por isso é importante que o empreendedorismo faça parte do currículo das escolas. Quanto mais cedo as pessoas têm contato com o tema, maiores as chances de elas aplicarem o comportamento empreendedor em várias áreas de sua vida.” Ele enfatiza ainda que os estudantes ao vivenciarem conteúdos de empreendedo­rismo também se preparam para o mundo do trabalho, seja seguindo carreira em uma empresa, seja abrindo o próprio negócio.

Na visão de Barreto, o conteúdo desafia o estudante a raciocinar e a buscar aprender, de forma sólida, conceitos, conhecimentos e técnicas que o ajudam a resolver problemas do dia a dia com os quais ele terá de lidar na vida profissional. “Assim, são formados pro­fissionais que sabem planejar, buscar informações, estabelecer metas, ser persistentes, proativos, independen­tes e autoconfiantes.”

O presidente do Sebrae defende que é necessário desenvolver uma cultura empreendedora que contri­bua para a criação de um novo perfil de estudantes do ensino fundamen­tal, médio/técnico e superior pauta­do em um novo modelo de educação que favorece metodologias criativas, linguagem adequada e inserção nas realidades locais. “Consequentemen­te, essa cultura estimulará também o surgimento de um novo perfil de professor”, argumenta.

Na visão de Barreto, a cultura empreendedora não tem a ver com status quo, com estagnação, mas com transformação. Por isso, ele enfatiza, que para termos uma cultura empreende­dora é preciso que haja professores empre­endedores: que sonhem e incentivem seus alunos a sonhar também. “Isso requer de­dicação, vontade de fazer diferente, buscar desenvolver autonomia em si e nos estudan­tes. Os professores são protagonistas nessa transformação. Por meio deles, modificamos a educação”, afirma. Barreto destaca ainda que a educação empreendedora é o cerne e o principal vetor do desenvolvimento dos países e regiões que aspiram ver seus jovens se tornarem grandes empreendedores. “É o fortalecimento da crença em um futuro me­lhor, onde cada um é capaz de construir e empreender”, diz.

Para impulsionar o desenvolvimento da cultura empreendedora, o Sebrae atua em diversos níveis da educação empreendedora desde o Ensino Fundamental até o nível su­perior. Com uma metodologia própria para trabalhar o desenvolvimento de caracterís­ticas empreendedoras em crianças, adoles­centes e universitários, o Sebrae conta com diversos parceiros que trabalham em con­junto para a formação de cidadãos empreen­dedores. “Isso não significa necessariamente que estaremos formando uma nação de em­presários e sim de pessoas empreendedoras que terão este comportamento quer seja sendo dono de seu próprio negócio, quer seja tendo uma carreira bem-sucedida na profissão que escolher”, explica Barreto. Ele acrescenta ainda que ao desenvolver carac­terísticas empreendedoras, a pessoa se torna mais propensa a aprender com os próprios erros, ser mais persistente, mais consciente de todos os processos de uma empresa e, com isso, aumentar suas chances de ter uma carreira bem-sucedida.

Recentemente, o Se­brae criou o Programa Nacional de Educação Empreendedora para levar o ensino de em­preendedorismo a todos os estados do País. A meta é que mais de 1 milhão de estudan­tes tenham contato com o tema em todo o Brasil até 2017. “Estamos criando uma rede organizada e sistematizada de atuação do Se­brae para que todas as ações relacionadas ao empreendedorismo na educação sejam po­tencializadas e que se forme realmente uma cultura empreendedora no Brasil”, finaliza.

Outra instituição que incentiva a prá­tica empreendedora nos jovens é a Junior Achievement. Considerada a maior e mais antiga organização de educação prática em negócios, economia e empreendedoris­mo do mundo, a instituição foi criada em 1919, nos Estados Unidos. Atualmente está presente em 120 países e, no Brasil, possui unidades em todos os estados.

O princi­pal projeto que a instituição desenvolve, conforme explica Wilma Resende Araujo Santos, superintendente da Junior Achievement Brasil, é o programa Miniempresa que trabalha com jo­vens que cursam o segundo ano do Ensino Médio. Esses estudantes recebem assessoria empresarial mi­nistrada por quatro executivos de di­ferentes áreas, entre elas, marketing, finanças, recursos humanos e pro­dução durante 15 semanas. Os exe­cutivos que atuam no projeto são voluntários e recebem treinamento da Junior Achievement. Atualmente, são 700 empresários participando. “Os empresários são a fonte que precisamos para contribuir com o desenvolvimento do País”, opina Wilma.

A superintendente da Junior Achieve­ment Brasil comenta também que a insti­tuição instiga os jovens a serem empreen­dedores com o método aprender fazendo. “Os jovens verbalizam o seu sonho e depois tentamos direcioná-los para a ideia de que esse sonho pode se tornar realidade muito rápido”, explica Wilma.

A Junior Achieve­ment possui 26 programas com o objetivo de desenvolver o empreendedorismo. E, se­gundo Wilma, permanentemente a institui­ção pensa projetos novos, buscando a cada ano ampliar a abrangência dos programas. Ela destaca que o empresário que deseja contribuir com o projeto pode participar como voluntário, basta entrar em contato com a instituição. As escolas interessadas também podem procurar a Junior Achieve­ment, solicitando o projeto. “Queremos criar uma grande rede que possibilita o empreen­dedorismo. Enriquecer o currículo das esco­las e, consequentemente, a cultura da socie­dade para que evolua, gerando emprego e aumentando a renda”, afirma Wilma.

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