A alma do grande sucesso de um negócio

O Box 32, dentro do Mercado Público, comandado pelo Beto Barreiros, completa 40 anos retratando a vasta cultura açoriana de Florianópolis

VALÉRIO FABRIS*

No último dia 3 de março, registrou-se o quadragésimo aniversário do Box 32, que é mais do que um bar dentro do Mercado Público de Florianópolis. É o local de coesão social da Ilha e que atrai dez em cada dez turistas que desembarcam na capital catarinense. É também um espaço que, diariamente, ano após ano, mantém vivas as narrativas sobre história de um povoado que, de 1675 a 1894, era chamado de Nossa Senhora do Desterro e, a seguir, recebeu o nome atual.

Seguidas levas de brasileiros bem aposentados procedentes de outras regiões do país (em sua maioria paulistas) optam por morar em Florianópolis, de preferência em uma das 42 praias catalogadas pela Secretaria Municipal de Turismo. É uma estatística questionada pelos que projetam um número bem maior de praias. Isso por que, se fossem considerados todos os recantos à beira mar (como baías e enseadas que parecem propícias a um banho de sol e a uns mergulhos), o número alegadamente subiria para cem praias ou mais.

Recorrentemente se diz que Florianópolis é a Flórida brasileira, sempre atraindo contingentes de aposentados oriundos de outras partes do país. Conforme se noticiou no jornal O Estado de São Paulo, em sua edição em 2 de julho de 2023, no período entre 2010 e 2022 o número de moradores do município subiu 27,5%, de acordo com o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Além de aposentados, há um significativo contingente de pessoas que ainda estão em plena atividade profissional, mas optam por morar na capital catarinense, trabalhando remotamente, à distância. Fato é que grande parcela dos recém-desembarcados na Ilha facilmente já encontra, mesmo sem conhecer a cidade, uma fácil alternativa de recreação: a ida ao vistoso Mercado Público, inaugurado há 125 anos, precisamente no dia 5 de janeiro de 1899.

A arquitetura do Mercado é mesclada em três estilos: o neoclássico, o art noveau e o colonial português. O interior é dividido em duas alas (com um total de 140 boxes), entre si separadas por um pátio central. O que se vende lá? Pode-se imaginar que tenha disponível quase tudo o que se comercializa nos mais completos hortifrútis e supermercados. Destacam-se as peixarias. No geral, o espectro de mercadorias é muito variado. Por exemplo: artesanato, flores, roupas e acessórios, lembranças de Florianópolis e de Santa Catarina estampadas em camisetas, canecas, chaveiros.

Entre os três bares existentes no Mercado, o de maior fama e destaque é o Box 32, sempre comandado pelo seu fundador, Beto Barreiros, um “gourmet” de larga experiência, que usualmente se comporta de modo comunicativo e coloquial. O Box 32 tornou-se, desde que foi fundado há quatro décadas, não só uma âncora do turismo, mas também o ponto da socialização e celebração cultural da cidade.

É nesse ambiente que mais rápida e profundamente os recém-chegados assimilam as tradições e riquezas culturais de Florianópolis. Uma acentuada característica do Mercado Municipal e do Box 32 é a diversificada frequência de pessoas situadas em todo o espectro socioeconômico, do mais simples operário a qualquer uma das mais de cem destacadas personalidades nacionais e estrangeiras que já estiveram na “Ilha da Magia”.

Balcão do Box 32Entre os de grande fama nacional e até global, encostaram no balcão do Box 32, por exemplo, a bailarina Ana Botafogo, o compositor e bandoneonista argentino Astor Piazzola, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, o cantor carioca Jamelão, o grande chef da cozinha
francesa e seu filho (também chef), Pierre e Claude Troisgros. Beto ensinou Piazzola a preparar uma caipirinha.

Em outra ocasião, Beto descreveu aos chefs franceses exemplos da herança cultural dos açorianos que, a partir de 1748, povoaram a Ilha. Incorporam-se aos hábitos ilhéus a tainha assada em telha de barro, as rendas de bilro, as danças típicas dos Açores, como o fandango,
marcada por movimentos rápidos e ritmados. Beto acaba atuando como um mestre informal, descontraído professor da Ilha.

A conversa com uma só pessoa, no espaço do Box 32, pouco a pouco até se desdobra em ocasional e inclusiva roda de bate-papo, à qual se junta ele ou ela, gente das mais variadas profissões: peão de obra, jornalista, escritor(a), artista plástico, vereador(a), deputado (a). É assim que até mesmo os recém-chegados a Florianópolis, aposentados de altos salários ou não, gradativamente também vão se tornando (em diferentes graus de açorianismo) “manezinhos” ou “manezinhas” da Ilha.

Entre um drinque e outro, uma garfada e outra, geralmente os seguintes temas ilhéus salpicam as conversas: a gastronomia, as tradições e os costumes, o falar e os dialetos “manés”, a arquitetura e as artes, as músicas de compositores locais, como o “Rancho de Amor à Ilha”, de
Zininho (Cláudio Alvim Barbosa), que, em um trecho da letra assim se expressou: “Num pedacinho de terra, beleza sem par. Jamais a natureza reuniu tanta beleza, jamais algum poeta teve tanto pra cantar”. Quarenta anos recepcionando os ilhéus e visitantes de todos os lugares. Jamais o Box 32 teve tanto pra contar.

*JORNALISTA – Natural de Cachoeiro de Itapemirim (ES). Residiu em Florianópolis durante seis anos, no período 1986/1992. Também residiu e trabalhou em Vitória no Espírito Santo, no Rio de Janeiro, em Brasília e Curitiba. Mora e trabalha em Belo Horizonte desde 2001.

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