Pode ser empreendedora sim, a Rede da Mulher Empreendedora (RME) e o Instituto RME nasceram e trabalham para que cada vez mais mulheres empreendem com sucesso
Engenheira Mecânica pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), Célia Kano (foto) é a Co-CEO da RME e a diretora do Instituto RME. Ela está na linha de frente de uma grande rede de proteção e para fortalecer as mulheres no competitivo mundo dos negócios.
Nesta entrevista, Celia Kano aponta as conquistas, os avanços e os novos desafios da mulher empreendedora. Para ela, potencializar a atuação da mulher como empreendedora é um passo decisivo para reduzir as desigualdades econômicas e sociais do país.
A Empreendedor (portal e revista) alcança neste mês os 30 anos de atividades. Na época que foi criada a palavra Empreendedor não estava em nenhum dicionário brasileiro. Entrou no Dicionário Aurelio de 1996. A primeira capa da Empreendedor estampou a foto de uma rara mulher empreendedora na época, a Dona Adelina Hess que na vida gerou 16 filhos e criou/comandou a maior camisaria do Brasil, a Dudalina. De lá para cá como você olha essa trajetória das mulheres no mundo dos negócios?
CÉLIA KANO – Precisamos reconhecer que as mulheres no passado tiveram muitas barreiras e espaços a abrir. E o mundo dos negócios foi um deles. O reconhecimento de mulheres como a Dona Adelina Hess é importante, pois gera um sentimento de pertencimento às novas gerações que a área de negócio também é das mulheres.
Na RME entendemos que precisamos apoiar toda a diversidade de mulheres e entender que existem aspectos sociais que historicamente fazem as mulheres partirem de pontos diferentes na largada. A raça, condição socioeconômica, maternidade e outros aspectos influenciam significativamente a jornada das novas empreendedoras.
Por isso, buscamos atuar com um time de facilitadoras diversas que terão conexão e poderão dar dicas para cada uma delas. Isso é o que chamamos de atuação em rede. E nesse sentido, é curioso citar que hoje, a Sônia Hess, filha da Dona Adelina Hess é também uma mulher que atua em rede e é do conselho consultivo da RME, compartilhando seus aprendizados conosco e tem o compromisso de apoiar as mulheres na sua diversidade também!
Qual a atual figura da mulher empreendedora?
Precisamos desconstruir a imagem da mulher maravilha ou guerreira. A mulher empreendedora costuma acumular múltiplas funções: jornada dupla, cuidado com a família e casa, sendo a maioria mulheres empreendedoras solos, ou seja, sem funcionários. Elas normalmente devem se preocupar com vendas, finanças e o produto ou serviço prestado.
Na RME incentivamos que a mulher busque capacitação, mentoria e conexão com uma rede de apoio com outras mulheres que possam ajudá-la a compartilhar experiências e dicas para o negócio. A base da nossa metodologia é o autoconhecimento e a liderança.
É importante no início da jornada que a mulher entenda o que ela faz bem e que podem pagar para ela, e também o que é sucesso. Com tantos rankings e matérias com empreendedores famosos, com startups, unicórnios escaláveis, precisamos que a mulher entenda que o sucesso existe também em negócios pequenos, mas com grande saúde financeira. E para reduzir essa sobrecarga e ajudá-la, que a RME foi criada!
É possível quantificar e segmentar o universo das mulheres empreendedoras hoje no Brasil?
Segundo o Global Entrepreneurship Monitor, o Brasil possui 10 milhões de mulheres empreendedoras. Dessas, 49% das empreendedoras não se planejam antes de empreender e apenas 34% se sentem capazes disso (IRME). Das empreendedoras, 44% delas começaram o negócio por necessidade, ante 32% dos homens, segundo o Global Entrepreneurship Monitor 2017. Além disso, em cerca de 40% das empreendedoras, o negócio é a única fonte de renda, especialmente, aquelas de maior idade e classes mais baixas (Pesquisa IRME,2019). Entende-se então que potencializar a atuação econômica das mulheres é fundamental para a redução da desigualdade.
A Rede Mulher Empreendedora começou como um blog para tratar dos assuntos relacionados as dificuldades, medos, dúvidas do empreendedorismo feminino? Esses assuntos ainda estão no dia das mulheres que empreendem no momento?
A RME nasceu durante o “Programa 10 mil Mulheres da FGV”, quando a fundadora Ana Fontes teve a ideia de criar um blog sobre os medos, as dúvidas e as dificuldades do empreendedorismo feminino. Ela percebeu, então, que esses questionamentos eram compartilhados por outras mulheres, que também buscavam ajuda e apoio. Inicialmente foram criados os Cafés com Empreendedoras, um evento de palestras e networking.
Ao longo, elas pediram mentorias para tirar dúvidas individuais e foi criado o Plantão de Mentorias RME. Para se manterem conectadas, o grupo facebook Empreendedoras foi criado. E assim, sempre ouvindo as demandas das mulheres, diversas outras formas de apoio foram criadas e se mantém ativas até hoje.
Os assuntos se mantêm até hoje. A grande diferença é que nos dias de hoje, a RME não somente acompanha os pedidos das mulheres atendidas nos eventos e programas, como também possui uma pesquisa anual. Desde 2016, uma pesquisa aberta e nacional, semelhante ao Censo, é realizada para mapear o perfil e os desafios das mulheres com a geração de renda. Com isso, conseguimos mapear e aprofundar em dores específicas atuais como acesso a crédito e digitalização, e criar novos programas com esses dados.
O que faz e a importância para as mulheres a Rede Mulher Empreendedora?
A metodologia de atuação da RME é baseada em 3 pilares: competências socioemocionais, competências técnicas do negócio e atuação em rede. Treinamento, mentoria e capacitação se baseiam nesses pilares. Nas competências socioemocionais , consideramos incentivar o autoconhecimento e aumentar as competências pessoais de liderança feminina e atitude empreendedora. Nas competências técnicas do negócio consideramos as competências relacionadas ao gerenciamento do negócio , como marketing, vendas, gestão financeira, contabilidade, operação, relacionamento com o cliente e desenvolvimento de produtos ou serviços. No trabalho em rede, acreditamos ser necessário estimular competências para fortalecer a rede de contato, integração e colaboração de mulheres em grupos. Acreditamos que as redes colaborativas fortalecem o desenvolvimento pessoal das mulheres e o progresso de suas vidas.
Em paralelo, o Instituto RME é o braço social da RME que atua para mulheres em vulnerabilidade social e políticas públicas de apoio à geração de renda para as mulheres. Além disso, criamos um mapa de iniciativas de apoio às mulheres que reconhece e facilita o acesso de mulheres às organizações que promovam alguma iniciativa que as beneficie. Na versão mais recente, publicada em março de 2023, o mapa reconhece quase 200 iniciativas nacionais em 20 categorias (como finanças, mães, agro, política, negras, saúde da mulher, etc). O mapa pode ser acessado em https://institutorme.org.br/mapa-do-ecossistema/
Entre os diferentes programas da RME quais os que mais impactam as mulheres empreendedoras?
O Ela Pode é o maior programa de capacitações gratuitas, que já impactou 360 mil mulheres desde 2018, focado no desenvolvimento das habilidades socioemocionais essenciais para o sucesso da mulher empreendedora e que busca uma colocação no mercado de trabalho, realizado pelo Instituto Rede Mulher Empreendedora, com o apoio do Google. O programa surgiu da parceria realizada entre o Google Brasil e a RME para a realização do Women Will, uma iniciativa global da empresa focada no desenvolvimento econômico das mulheres.
A partir de toda experiência à frente de iniciativas de apoio ao empreendedorismo feminino, a RME desenhou um modelo de capacitação inovador, focado no desenvolvimento das habilidades socioemocionais essenciais para o sucesso da mulher empreendedora. Enquanto a maioria dos cursos sobre empreendedorismo disponíveis tinham como objetivo ensinar conhecimento técnico, este novo modelo buscou ir à raiz dos problemas, abordando temas essenciais às mulheres, como gestão do tempo, explorando crenças limitantes, como o relacionamento da mulher com as finanças e criando redes de contato entre mulheres que enfrentam as mesmas questões, de forma a se apoiarem e se inspirarem.
Para garantir que a capacitação estava bem desenhada, duas turmas piloto foram realizadas em 2017, uma em Paraisópolis e outra em Brasilândia. Em 2018, surgiu a oportunidade de levar a capacitação para todo o Brasil por meio de um aporte de 1 milhão de dólares doado pela Google.org ao Instituto RME.
O programa se utilizou então da metodologia train-the-trainer, em que facilitadores são treinados para replicar o conteúdo, chamadas no programa de Multiplicadoras. Desde o início, o programa já teve mais de 100 multiplicadoras em mais de 3 mil cidades. O programa continua ativo e com inscrições abertas e gratuitas em: https://elapode.com.br/
Quando uma mulher procura ou entra para a RME o que em primeiro lugar ela solicita, pede, precisa? No mundo dos negócios, quais são hoje as maiores dificuldades para as mulheres que desejam empreender?
Na pesquisa Empreendedoras e Seus Negócios – 2020, realizada pelo IRME, os principais desafios relatados por elas foram: marketing (46%), vendas (41%), gestão do tempo (40%) e gestão financeira (37%). As principais motivações para mulheres começarem a empreender são a flexibilidade de horário do trabalho e o tempo que podem dedicar para a família.
Por esse motivo, muitas das vezes, empreender se torna quase a única opção possível para a geração de renda, se tornando uma atividade essencial para muitas mulheres, e isso tende a aumentar, devido às mudanças no mercado de trabalho.
As mulheres empreendedoras geralmente não têm conhecimento para iniciar e administrar seus negócios e, como resultado, ganham menos com seus negócios do que os homens e enfrentam uma taxa de descontinuidade mais alta. Desta forma, para que as mulheres avancem economicamente, é importante apoiá-las para que se sintam capazes e promover as habilidades e competências necessárias para abrir e gerir um negócio.
Quais os segmentos empresariais que as mulheres no momento estão mais seguindo e qual ao seu ver será a tendência futura?
Segundo pesquisa do Instituto RME de 2022, 55% das mulheres atuam no setor de moda, alimentação, cosméticos e beleza. No paralelo, sobre o uso da tecnologia no ambiente empreendedor feminino, a pesquisa IRME mostra que 89% das mulheres utilizam a Internet, tanto no trabalho quanto para lazer. Além disso, 54% delas controlam as contas com planilhas de Excel, aplicativos de celular, entre outros meios.
Por isso, acredito que existe uma tendência de digitalização dos negócios, mas também um desafio a ser vencido, dado que a inclusão digital das mulheres depende de acesso à infraestrutura tecnológica, educação digital e o aprendizado de como a tecnologia pode impulsionar modelos de negócios que muitas vezes são pouco digitalizados, como a venda de roupa, alimentos e revenda de produtos de beleza.
FICHA
CÉLIA KANO
Cidade natal: São Paulo
Idade: 36 anos
Formação: Engenheira Mecatrônica pela Escola Politécnica da USP
Cargo atual: Co-CEO da RME e Diretora do Instituto RME