“Não se vacine” (Don’t get vaccinated). Em letras garrafais, essas palavras estavam na parte de trás e nas duas laterais do caminhão da Funerária Wilmore que percorreu as ruas de Charlotte, a maior cidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, na mesma época que Bolsonaro, e a sua turma, adeptos do “não se vacine” perambularam pelas calçadas americanas, num inesquecível turismo que num outro momento poderia ser classificado como tipo estudantil. Numa hora, comeram pizza na rua mesmo e, em outra hora, engoliram um churrasco, embaixo de uma lona preta improvisada, no lado de fora de um restaurante.
A mensagem no caminhão da Wilmore Funeral Home chamou à atenção de muitas pessoas nas ruas e viralizou pela internet. Não sem razão, esse caminhão circulou por Charlotte. Ali, como em toda a Carolina do Norte, concentra uma população expressiva que nega a eficácia e os benefícios da vacina. O próprio presidente americano, Joe Biden, afirmou que o país vive uma “pandemia de não vacinados”.
No Brasil, também existe o coro dos que não acreditam e negam os benefícios da vacina, embora em menor volume do que nos Estados Unidos. Aqui, o presidente da República está sentado na primeira fila desse coro.
Mesmo com a perspectiva de fazer o discurso de abertura da assembleia geral da ONU, que ocorreu no dia 21 de setembro, Bolsonaro se recursou a tomar a vacina. Por isso teve que fazer refeições no meio da rua, sem poder entrar em restaurantes por não ser vacinado, conforme determinação das autoridades americanas. Enquanto o presidente viajava pelo país americano, o número de mortes de brasileiros pela pandemia chega cada vez mais perto da trágica marca de 600 mil, número alcançado em grande parte pela omissão do próprio governo Bolsonaro, por não disponibilizar vacinas em tempo hábil.
A maioria dos brasileiros, ao contrário do presidente, quer se vacinar com a primeira, a segunda e até com o reforço das doses, por um simples fato. Sabe-se, por diferentes estudos e constatações de hospitais e entidades públicas e privadas, que mais de 70% das atuais mortes pelo vírus são de pessoas que não completaram o ciclo das doses de vacinas.
No entanto, a situação de hoje de aceitação da vacina pelos brasileiros não é nada parecida com a que ocorreu no tempo da varíola, por exemplo, em 1904. Neste ano, o Brasil viveu a rebelião contra a Lei da Vacina Obrigatória para combater essa pandemia que vitimava, por ano, mais de 400 mil pessoas na Europa e 3.500 pessoas só na cidade do Rio de Janeiro, números assustadores na época. Entre os dias 10 e 18 de novembro de 1904, o Rio de Janeiro virou uma praça de guerra. Bondes foram tombados, trilhos arrancados do chão e calçamentos de paralelepípedos destruídos.
No centro dessa rebelião, esteve o jovem médico sanitarista Oswaldo Cruz que determinou, com o apoio do governo, a vacinação obrigatória para conter a pandemia e evitar mais mortes. Na época, o médico idealista quase foi linchado. Nos primeiros anos de 1950, com a insistência pela vacinação, a varíola foi erradicada do Brasil. Hoje Oswaldo Cruz é reverenciado e nome de ruas e centros médicos em diferentes cidades brasileiras.
A vacina na atual pandemia não é obrigatória no Brasil. Fica por conta da consciência de cada um de se imunizar, de se proteger a si mesmo e de quem vive ao seu lado.
No caminhão que circulou em Charlotte, além da frase “Não se vacine”, tinha o endereço para acessar o site da funerária. Ao abrir o site, feito por uma criativa agência de propaganda, para uma funerária inventada, havia apenas uma mensagem: “Vacine-se agora. Senão nos veremos em breve”.