Acesso à energia elétrica garante melhores condições de vida e a possibilidade de empreender

Acesso à energia elétrica garante melhores condições de vida e a possibilidade de empreender, gerando renda e empregos

A chegada de energia elétrica, de água encanada, de telefone e da internet a comunidades que viviam sem essa infraestrutura muda a realidade local. Além de garantir melhores condições de vida e de promover a inclusão social, o acesso a esses bens abre novas oportunidades. Permite, por exemplo, que essas pessoas empreendam, aumentem sua renda e ainda gerem empregos. Uma transformação que para se tornar realidade precisa de forte investimento público e de cursos e treinamentos que capacitem essas comunidades a abrir e gerenciar suas próprias empresas.

Há oito anos, mais de 13 milhões de brasileiros viviam sem luz, morando em situação precária, sem condições de ter uma geladeira sequer para conservar seus alimentos. Os mais prejudicados eram as pessoas que viviam em zonas rurais do País, onde para levar os cabos e postes de energia até as casas era necessário um investimento alto dos municípios ou mesmo dos próprios moradores.
Sem condições de fazer isso, muitos produtores largavam o campo e os que ficavam não tinham muitas perspectivas – a maioria plantava e vendia aquilo que produzia a preços baixos para outras empresas industrializarem os produtos.

Uma realidade que atingia principalmente os municípios mais pobres do Brasil e os moradores de comunidades quilombolas, ribeirinhos, assentados da reforma agrária e aldeias indígenas. Segundo levantamento do Ministério das Minas e Energia, das 13 milhões de pessoas que viviam sem luz em 2003, cerca de 90% das famílias tinham renda inferior a três salários mínimos e 80% delas moravam em zonas rurais.

A vida dessas pessoas passou por uma grande transformação quando o governo federal criou em 2003 o programa Luz Para Todos para levar energia elétrica a comunidades carentes que não tinham acesso ao serviço. Coordenado pelo Ministério das Minas e Energia, o programa recebeu investimentos de R$ 20 bilhões, recursos vindos do governo federal, dos governos estaduais e de empresas de energia. Um dinheiro que vem sendo utilizado em obras de infraestrutura para levar energia elétrica para as comunidades e em uma série de ações integradas que buscam viabilizar novas oportunidades de renda e melhores condições de vida para os beneficiados.

Só na região Sul do País e em Mato Grosso do Sul, mais de 1 milhão de pessoas não tinham acesso a energia até 2003. Na área rural de Canguçu, no Rio Grande do Sul, camponeses do assentamento Herdeiros da Luta viveram por mais de cinco anos sem luz. A principal produção da comunidade na época era leite, mas como não tinham geladeira, os produtores eram obrigados a andar mais de cinco quilômetros para pedir para os vizinhos armazenarem o produto – o que tornava muito difícil a vida dos agricultores na região.

Em 2005, a energia elétrica chegou ao assentamento através do programa Luz Para Todos e mudou a forma de viver na comunidade. Além de comprar geladeiras e freezers para armazenar o leite, os agricultores montaram uma confecção de roupas. Para auxiliá-los no novo negócio, o grupo Eletrobras, por meio das ações integradas do Luz Para Todos, doou máquinas de costura e de bordado para o assentamento. Desde setembro de 2010, os agricultores, além de produzir grãos e leite, vendem roupas, bolsas e sacolas ecológicas. A confecção representa hoje uma renda de R$ 3 mil para o assentamento, e cada moradora que participa da associação como costureira recebe em média R$ 250 por mês.

A chegada da energia elétrica à comunidade cafuza do município de José Boiteux, em Santa Catarina, também abriu novas oportunidades de negócios para os moradores. As 26 famílias da localidade viveram por mais de dez anos sem luz, em condições precárias, tendo como sustento o plantio de fumo, hortaliças e a colheita de erva-mate. Como não podiam beneficiar os produtos por conta da falta de energia, vendiam o que produziam a preços muito baixos. “Antes a gente fazia a colheita de erva-mate e precisava ir a cidades que ficam a 280 quilômetros de José Boiteux para vender o produto a grandes empresas ao custo de R$ 0,42 o quilo. O preço era baixo porque a gente não podia fazer o processamento da erva-mate”, explica Mário de Jesus, um dos líderes da comunidade cafuza.

Com a chegada da energia elétrica em 2005, a produção da comunidade aumentou e eles passaram a beneficiar parte dos alimentos produzidos. No ano passado, os moradores ganharam do Ministério do Desenvolvimento Agrário, do Incra e da Eletrosul, empresa que pertence ao sistema Eletrobras, máquinas para fazer o processamento da erva-mate colhida e a partir dessa oportunidade eles montaram sua própria empresa de beneficiamento, a Ervateira Cafuza. Ela funciona como uma associação e todos os moradores da comunidade participam da colheita e do processamento da erva. Até o momento foram produzidos cerca de 2 mil quilos de erva-mate pilada por mês, mas essa quantia pode aumentar e chegar a 20 mil quilos por mês.

Os primeiros pacotes da erva-mate Cafuza, que foi processada e embalada em José Boiteux, foram trazidos pelo líder da comunidade para serem vendidos em Florianópolis na Feira Luz Para Todos, evento organizado pela coordenação do programa na Região Sul e em Mato Grosso do Sul que reuniu, na sede da Eletrosul, no mês de maio, comunidades beneficiadas pelo programa. Nos dois dias de feira, Mário de Jesus vendeu mais de 200 quilos de erva-mate e, diferente da época em que a comunidade precisava comercializar o produto por alguns centavos, hoje eles ganham R$ 5 por pacote vendido.

Além da comunidade cafuza, outros dez grupos beneficiados pelo programa na Região Sul e em Mato Grosso do Sul participaram da 1ª Feira do Luz Para Todos. Em estandes montados no hall da Eletrosul, cada comunidade trouxe uma amostra de produtos que eles fabricam em suas regiões. “A proposta da feira foi reunir os beneficiados pelo programa na região, dar visibilidade ao que eles vêm produzindo e ainda garantir uma oportunidade para que pudessem vender seus produtos. Para muitas comunidades, essa foi a primeira vez que participaram de uma feira para expor e vender o que produzem em suas associações, e isso é importante para que tenham mais noção de mercado”, explica Delmar Gonçalves, gerente do Luz Para Todos na Região Sul e em Mato Grosso do Sul.

Os assentados de Rio Cascudo, em Guaraniaçu, no Paraná, trouxeram para a feira pães, bolos e bolachas que produzem na Cozinha e Panificadora Comunitária montada na localidade através das ações integradas do Luz Para Todos. A produtora rural Rosa de Oliveira participa da associação e conta que o novo negócio tem mudado a vida dos assentados. “Antes a gente fazia pão em casa, mas não podia vender. Com a cozinha industrial, vendemos nossos produtos para a cidade e para o programa de compra direta da merenda escolar do município.”


Treinamento

Agora empreendedoras, muitas comunidades beneficiadas pelo Luz Para Todos estão se deparando com novos dilemas. A questão não é mais falta de luz, mas como criar estratégias para vender os produtos, aumentar a produção e melhorar a gestão do negócio criado. No assentamento Herdeiros da Luta de Canguçu, o maior problema que a confecção de roupas, bolsas e sacolas enfrenta hoje é conseguir vendedores. “Há muita mão de obra no assentamento para costureira, mas são poucas as pessoas que têm perfil para ser vendedor. Precisamos de gente que saia no comércio das cidades da região para oferecer nossos produtos”, afirma Sérgio Blau, assentado do Herdeiros da Luta.

No caso da ervateira de José Boiteux, Mário de Jesus explica que no período de entressafra não há como processar a Carrara, do Senar: no Brasil ainda são poucos os pequenos produtores com plano de negócio erva-mate e que nesse período as máquinas ficam paradas, mas elas poderiam ser utilizadas de outra forma. “Estamos pensando em começar a processar também chás na ervateira, mas ainda precisamos ver como planejar isso.”

Os índios da etnia Kadwéu, de Bodoquena, em Mato Grosso do Sul, também beneficiados pelo Luz Para Todos, têm dificuldade em encontrar compradores para as peças de cerâmica produzidas na aldeia. “Para produzir uma peça precisamos encontrar vários tipos de tinta na mata e isso deixa o produto mais caro. O problema é que quando vamos até Bonito (MS) para tentar vender a cerâmica, são poucos os que aceitam pagar o preço que nós pedimos”, conta a índia Clotilde Matechulte.

Os assentados de Rio Cascudo, em Guaraniaçu (PR), passaram por problemas semelhantes. Para resolvê-los, aprimoraram os processos de produção da panificadora. Eles buscaram capacitação e assessoria técnica no Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), órgão que desenvolve ações de formação profissional rural e oferece cursos de gestão e aprimoramento de produção para empreendedores rurais. “O treinamento que fizemos nos ajudou a ter mais noção do negócio e do mercado em que estamos atuando”, afirma Rosa de Oliveira, moradora do assentamento.

Assim como a comunidade de Guaraniaçu,1 milhão de pessoas participam por ano dos treinamentos oferecidos pelo Senar. O órgão tem uma série de cursos de capacitação gratuitos que atendem desde o pequeno até o grande produtor rural. O programa “Com Licença vou à Luta”, por exemplo, é voltado para a formação de mulheres proprietárias rurais e tem como foco trabalhar conceitos de liderança, planejamento e gestão financeira.

O programa “Negócio Certo Rural”, desenvolvido pelo Senar em parceria com o Sebrae, auxilia os produtores a identificar novas áreas de investimento, a analisar a viabilidade do negócio e a gerenciar o empreendimento. “Percebemos que no Brasil ainda são poucos os pequenos produtores que têm um plano de negócio. Nossa proposta no ‘Negócio Certo Rural’ é incentivá-los a fazer um plano para eles poderem identificar oportunidades e rever seus processos. Nesse programa, além de trabalhar conceitos teóricos com os produtores, há ainda um trabalho de consultoria técnica”, afirma Daniel Carrara, secretário executivo do Senar.

Isso faz do “Negócio Certo Rural” um dos cursos mais procurados – cerca de 10 mil pessoas passam pelo treinamento por ano. “Temos percebido um aumento signficativo no número de inscritos no programa, o que mostra que cada vez mais o pequeno produtor rural está vendo sua propriedade como um negócio”, considera Ênio Queijada, gerente da unidade de atendimento coletivo, agronegócios e territórios do Sebrae.

Mas, ao mesmo tempo em que há um maior interesse do produtor em se profissionalizar, ele ainda esbarra em problemas estruturais. Queijada explica que entre as principais dificuldades de quem empreende em zonas rurais estão os custos elevados para fazer a logística do que é produzido e a falta de acesso à internet – segundo dados do Sindicato Nacional das Operadoras de Satélites (Sindisat), dos cerca de 31 milhões de brasileiros que moram em áreas rurais, apenas 2%
dos domicílios têm acesso à web.

Além de luz e internet, a lista de bens que ainda precisam ser universalizados no campo é grande. A falta de água ainda é um problema que atinge cerca de 5 milhões de famílias que moram em zonas rurais do semiárido nordestino. Somamse a isso outras 4 milhões de famílias que vivem no campo e não têm acesso a telefone fixo. Sem infraestrutura adequada, esses moradores das zonas rurais representam 46% do número de pessoas que vivem em condições miseráveis no País. No plano de erradicação da miséria, lançado em junho pela presidenta Dilma Rousseff, estão previstos programas para a melhoria das condições de vida do homem do campo como o “Água Para Todos”, que prevê a construção de 800 mil cisternas, adutoras e reservatórios até 2014.

Luz e força para todos

Lançamento: 2003

Coordenação: Ministério das Minas e Energia
Investimento: R$ 20 bilhões, vindos do governo federal, governos estaduais e empresas de energia

Beneficiados: 13 milhões de pessoas

80% dos beneficiados moram em zonas rurais

24 mil famílias indígenas beneficiadas

Quando receberam energia elétrica, 90% das famílias atendidas tinham renda inferior a três salários mínimos

Falta de estrutura no campo

– 5 milhões de famílias que vivem em zonas rurais não têm água encanada em casa;
– 4 milhões de famílias não têm acesso a telefone fixo;
– Apenas 2% dos produtores rurais têm internet em casa;
– 46% dos brasileiros que vivem em condições miseráveis no País moram no campo.

Referência assentada

Celestino Persch já viveu em lonas e acampamentos em beiras de estrada quando lutava por um pedaço de terra para plantar. Assentado em 1985 no Oeste de Santa Catarina, ele passou a produzir em conjunto com outros agricultores de 14 assentamentos da região. Em 1996, eles montaram a Cooperativa Regional de Comercialização do Extremo-Oeste (Cooperoeste) para industrializar o leite produzido. Em 16 anos de trabalho, os produtores transformaram a cooperativa em uma das maiores empresas do município de São Miguel do Oeste e uma das maiores no ramo de leite em Santa Catarina. São produzidos em média 120 milhões de litros de leite por ano, vendidos nos estados do Sul e em São Paulo com a marca Terra Viva.

Para Persch, que é hoje diretor financeiro da Cooperoeste, o sucesso do negócio se deu pelo trabalho em conjunto de todos os assentados. “Nós nos baseamos na experiência de outras associações e buscamos sempre trabalhar em cooperação. Isso fez com que alcançássemos os nossos objetivos de forma mais rápida. Hoje, cada família associada à cooperativa tem, só com a venda do leite, uma renda entre dois e dez salários mínimos.”

Contatos:

Luz Para Todos: http://luzparatodos.mme.gov.br/luzparatodos/asp/
Sebrae: www.sebrae.com.br
Senar: www.senar.org.br
Terra Viva: www.terravivasc.com.br
 

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