Os números são grandiosos: R$ 427 bilhões de massa de renda e gastos com produtos e serviços quase sete vezes maiores nos últimos oito anos, totalizando R$ 864 bilhões apenas neste ano, o que representa 41% do consumo nacional. Nos últimos anos, mais de 30 milhões de pessoas entraram no universo do consumo e passaram a integrar a chamada nova classe média brasileira. Embora não seja novidade, o crescimento da classe C se consolidou e ganhou destaque em 2010, influenciado pelo desempenho favorável da economia diante dos reflexos da crise financeira.
Como medidas para diminuir os impactos da turbulência, o governo reduziu impostos em alguns produtos de grande apelo para o consumidor com orçamento mais apertado, como eletrodomésticos e veículos. Aliada a isso, a economia estável fez os níveis de empregabilidade subirem, e, com eles, a renda da população. Dinheiro a mais no bolso significa mais, novos e melhores produtos no carrinho de compra do consumidor da classe C. Dessa forma, eletroeletrônicos, eletrodomésticos e carros passaram a ser itens possíveis e básicos para esse consumidor.
Para o professor de Economia da Trevisan Escola de Negócios, Alcides Leite, o processo de crescimento da classe C não é de hoje. “O destaque maior foi neste ano, mas esse processo ocorre desde o início do governo Lula, devido ao controle da inflação, aumento do emprego, redução da taxa de juros e expansão dos prazos de financiamentos, que proporcionaram condições de melhoria na capacidade de compra desse setor – superando em poder de compra a soma das classes A e B”, analisa.
Hoje, segundo números do Ibope, a classe C representa metade da população brasileira. E, mesmo com o fim dos incentivos fiscais e o arrefecimento do crescimento econômico, dificilmente quem ascendeu na pirâmide social voltará a cair. “A classe C vai se consolidar como principal mercado consumidor do Brasil e não mais como um segmento de mercado”, afirma o sócio-diretor do Instituto Data Popular, Renato Meirelles. Para Leite, esse caminho de crescimento não tem mais volta. “Esse processo tende a continuar, mas não nesse ritmo de crescimento e sim em um processo contínuo, estável e consolidado”, afirma.
O ano dos objetivos
Este ano foi favorável para os consumidores da classe C. Com renda entre R$ 1.500 e R$ 4.500, esse consumidor viu as possibilidades serem abertas: “2010 foi o ano em que os sonhos viraram metas”, afirma Meirelles. O sonho de encher o carrinho no supermercado, de comprar a TV de LCD, a geladeira, o carro zero, a casa própria, bem mobiliada, saiu do papel e entrou para o orçamento das famílias da nova classe média.
Tanto que neste ano ela representou parte significativa das vendas de alguns desses itens. Segundo dados do Data Popular, das nove categorias de produtos analisadas, a participação de eletrodomésticos, eletroeletrônicos, móveis e materiais de manutenção nos gastos da classe C passou de 22,8% para 32,18% em oito anos. Somente em eletrodomésticos, esse segmento da população gastou R$ 20 bilhões. Considerando os itens domésticos e móveis, a classe C desembolsou R$ 17,95 bilhões.
Além de produtos, a classe média neste ano também gastou em serviços. Segundo o Ibope Mídia, o crescimento no número de assinantes de TV paga na classe C foi de 33%, frente a 2009. Desde 2007, a penetração da TV por assinatura na população da classe C dobrou, saindo de 6% e chegando a 12%, em 2010. A pesquisa mostrou que o crescimento na TV por assinatura como um todo, entre 2009 e 2010, foi de 40%. Antes da assinatura da TV, porém, os emergentes compraram o primeiro PC. Hoje, mais da metade dos equipamentos produzidos é destinada ao mercado doméstico, tendo o consumidor da nova classe média o principal foco de demanda, mostrou estudo da consultoria IDC.
Investimentos em produtos de beleza e higiene pessoal também já fazem parte da realidade da classe C. Para 75% desse segmento da população, comprar esse tipo de produto, ainda que caro, vale a pena, mostrou outro estudo do Ibope Mídia com o Target Group Index. Com dinheiro a mais no bolso, a classe média começou a perceber outras possibilidades que não itens de consumo e muito do que se refere à qualidade de vida também passou a fazer parte de suas vidas em 2010.
Com isso, turismo e educação entraram na lista. Para se ter uma ideia, segundo apontou pesquisa do Data Popular, a facilidade de pagamento deve fazer com que, no próximo ano, cerca de 8,7 milhões de consumidores da nova classe média viajem de avião. “A partir do momento que ela já andou de avião, a classe C não volta a andar de ônibus. O crescimento do turismo nacional através da classe média brasileira é um caminho sem volta”, afirma Meirelles.
Apesar do forte ritmo de consumo desses itens, o carro e a casa ainda são os símbolos maiores de ascensão dos emergentes. A parcela do financiamento do automóvel zero hoje já cabe no orçamento. E, embora a compra da casa própria ainda não seja tão fácil como a do carro, ela já não está tão distante como antes. “O automóvel já é uma conquista grande. A casa é mais complicado, devido ao custo e aos prazos mais longos”, resume Leite. Entre os empecilhos para um crescimento maior da demanda por imóvel pelos emergentes, está o custo dos terrenos, que, na avaliação do professor, ainda é muito alto, encarecendo também o financiamento imobiliário.
De olho no filão
O crescimento dos emergentes é inquestionável, na avaliação dos especialistas consultados. E tudo o que move o varejo de produtos e serviços terá de se adequar a essa nova realidade. “O mundo corporativo vai ter de desenvolver estratégias de negócios específicos para saber lidar com esse mercado”, acredita Meirelles.
E isso não é exagero. Previsão da Nielsen, empresa especializada em pesquisas e serviços de inteligência de mercado, mostrou que, neste ano, o comércio varejista terá uma expansão entre 4% e 5%, sendo que a classe C deve responder por cerca de 60% desta evolução. De olho nesse nicho, neste ano, grandes companhias aéreas, como Azul, TAM e GOL, realizaram parcerias com o varejo popular para atrair a classe C. Grandes bancos, como o Bradesco e Banco do Brasil, também não perderam tempo e anunciaram a criação de uma bandeira brasileira para cartões de crédito, débito e pré-pagos chamada Elo, com o objetivo de conquistar esses novos clientes.
Produtos financeiros e de serviços, aliás, serão o novo foco dos emergentes. Após ter conquistado os produtos e serviços a que até então não tinha acesso, a nova classe média vai querer aqueles que lhe proporcionem qualidade de vida. “A classe C vai continuar nesse processo de ampliação do seu portfólio de serviços financeiros, passando a ter seguros. E vamos ver um aumento forte de demanda por serviços, como clínicas de estética, planos de turismo, convênios médicos – serviços que deem um suporte melhor para a qualidade de vida”, explica Meirelles.
A lista de produtos financeiros a serem oferecidos aos emergentes deve ser maior. Isso porque, como afirma Meirelles, os emergentes deixaram de ser investidores em potencial para se tornarem, de fato, investidores. "Agora, o problema deles é garantir a frequência do investimento. Eles já estão pensando nisso", ressalta.
2011: rumo ao desenvolvimento
Esse boom de consumo da nova classe média também não seria possível não fosse o aumento da oferta de crédito aos consumidores. “A expansão do crédito e dos prazos de financiamento e a redução dos juros aumentaram o poder de compra da população. E esse processo contribuiu para o crescimento da classe da classe C”, explica Leite.
E esse cenário de consumo crescente por parte desse segmento da população deve se manter não só em 2011. “Esse ritmo de consumo deve se manter nos próximos anos. É uma tendência", ressalta Leite. "Porém, em uma velocidade menor”, diz o professor. E se em 2010 esse consumo frenético girou em torno de bens de consumo duráveis, em 2011 o foco é o lado profissional, acredita Meirelles. “Ela (classe C) quer ter os instrumentos para se qualificar melhor para o mercado de trabalho e ter um crescimento de renda sustentável nos próximos anos”, diz Meirelles.
Um crescimento sustentável porque o crescimento puro e simples ela já conquistou neste ano. Para o professor da Trevisan, a conquista de espaço dos emergentes tem algo de inédito no Brasil: mostrou que é possível uma ascensão por meio da renda do trabalho. "Essa é a nova realidade: a de um país com diferenças de rendimento menores entre os mais ricos e os mais pobres, com mais mobilidade e com mais possibilidade de crescimento da renda via trabalho – coisa que antes era praticamente impossível", ressalta.
Para além da sua representatividade nas tendências de consumo e estilo de vida, a ascensão da classe C ao nível de mercado mais importante e representativo do País coloca o Brasil também em outro patamar. “A novidade é que o Brasil está se tornando cada vez mais um país de renda média. E esse é um perfil típico de um país desenvolvido. Caminhamos para isso", finaliza Leite.