Todos os anos, centenas de turistas visitam o restaurante Osteria Della Colombina, em Garibaldi, na Serra Gaúcha. Enquanto esperam a refeição, os visitantes são convidados pela proprietária Odete Bettú Lazzari, 62 anos, a fazer pãezinhos em forma de uma colombina (pombinha em italiano). Odete também faz questão de mostrar, em meio a muitas histórias, sua bela propriedade, onde frutas e hortaliças orgânicas são cultivadas para abastecer o estabelecimento. Após o banquete com pratos típicos dos imigrantes italianos, os turistas recebem as colombinas já assadas para levar com eles.
A Osteria Della Colombina foi uma das primeiras empresas a participar do projeto Economia da Experiência, iniciado em 2006 pelo Ministério do Turismo (MTur), em parceria com o Sebrae e o Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares da Região Uva e Vinho (SHRBS). Hoje, são cerca de 200 pequenos empreendimentos turísticos certificados com o selo Tour da Experiência – criado pelo projeto – em cinco destinos: Uva e Vinho (Serra Gaúcha), Bonito (MS), Belém, Costa do Descobrimento (BA) e, recentemente, Serra Carioca (RJ).
A chamada Economia da Experiência parte do princípio de que o mundo busca novos valores de mercado, onde o componente emocional se sobrepõe ao racional. O conceito se inspira nos livros A sociedade dos sonhos, de Rolf Jensen, e Economia da experiência, de Joseph Pine e James Gilmore, ambos publicados em 1999. Aplicado ao turismo, defende que há um número crescente de turistas que procuram fazer viagens que lhes tragam vivências marcantes, como protagonistas e não meros espectadores.
“O turista não quer mais ser só um observador, ele quer participar, vivenciar experiências novas, fazer o açaí, e não só comê-lo. É um processo de encantamento que o faz voltar para casa e recomendar o destino aos amigos ou mesmo desconhecidos na internet. Aplicar o conceito da Economia da Experiência nos empreendimentos turísticos, de fato, pode transformar pequenas coisas em grandes negócios”, afirma Wilken Souto, coordenador-geral de segmentação do turismo do MTur. Ele destaca uma pesquisa que o ministério fez com os visitantes dos roteiros, cujo grau de satisfação chegou a 80%.
Odete Lazzari não tem dúvida de que os visitantes da Osteria Della Colombina vão embora satisfeitos. Muitos voltam, e outros que chegam pela primeira vez receberam a recomendação de amigos que conheceram o restaurante. Em 2011, foram 3 mil visitantes e, em 2012, a perspectiva é fechar com 6 mil. “Tem muita gente que se emociona fazendo a colombina, lembrando-se de seu próprio passado. Outros dizem que viajaram o mundo inteiro, mas que nunca ficaram tão encantados como aqui, no meu restaurante”, afirma Odete, cheia de orgulho do trabalho que faz com a ajuda das quatro filhas.
Oferecer a colombina aos turistas foi ideia da própria Odete. Era uma tradição em sua família quando ela era criança. A lembrança veio certa vez em que o Sebrae pediu para cada um dos empreendedores do roteiro levar algo para fotografar. “Minha responsabilidade era o pão e decidi fazer a colombina. Fez o maior sucesso, tanto que há dois anos fui convidada para ir ao Salão de Turismo, em São Paulo. Foi a primeira vez que viajei de avião. E no primeiro dia da feira fiquei rouca de tanto falar sobre a colombina”, conta Odete.
Presidente do SHRBS, Márcia Ferronato acompanhou todo o desenvolvimento do conceito de economia da experiência na região da Serra Gaúcha. Para ela, o projeto valorizou as histórias e o estilo de vida dos moradores e transformou o patrimônio do território e das pessoas em produtos que geram vivências memoráveis aos turistas. Os empreendedores perceberam a importância da inovação na busca da competitividade. “Há muito por fazer, mas tenho certeza de que plantamos a semente para seguir evoluindo com a razão de ser do turismo: encantar”, afirma Márcia.
Simples e criativo
Uma das vantagens de investir no conceito de vivência é que em muitos casos não são necessários investimentos altos. Aliás, é possível transformar uma dificuldade em oportunidade. É a história de Maria Nilza, proprietária de um restaurante na Costa do Descobrimento, na Bahia. Sem água encanada, ela dava banhos de regador nos turistas. Com o projeto Economia da Experiência, transformou esse momento em uma vivência – o banho da deusa. Ervas aromáticas foram acrescentadas à água e o regador foi substituído por cuias feitas por um artesão local, que também vende as peças para quem quiser levar uma lembrança do banho.
Na Vinícola Cristófoli, em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha, o turista fica encantado com a ideia de fazer um piquenique sobre um edredom esticado sob o parreiral. No menu, vinhos, espumantes e comidas preparadas pela família Cristófoli. “É a nossa forma de surpreender o visitante. Procuramos focar nosso produto mais no prazer de beber o vinho do que falar de especificações técnicas. Por isso, investimos numa mesa bem posta, com as taças corretas para a degustação”, explica a enóloga Bruna Cristófoli, filha de um dos proprietários e diretora comercial da vinícola.
Bruna tem muitos planos para tornar a experiência dos turistas pela propriedade da família ainda mais memorável. Um deles é transformar os arredores da vinícola num imenso jardim onde os visitantes poderão passear e apreciar os parreirais. No alto do terreno, a ideia é fazer um deque com divãs para desfrutar a bela vista da região com suas casas em estilo europeu. Um dos destaques da vinícola é o Spazio del Vino, o porão da residência paterna onde é feita a recepção dos visitadores e as refeições são servidas. Feita com tijolinhos à vista, a construção chama a atenção de quem passa.
O projeto Economia da Experiência já foi concluído pelo MTur. A proposta era criar uma metodologia, que hoje está sendo aplicada em novos destinos por consultores do Sebrae e do Instituto Marca Brasil (IMB), gestor do programa. “Todos os empreendimentos passam por um processo de capacitação e adequação até serem certificados e poderem usar a marca Tour da Experiência”, explica Daniela Bitencourt, do IMB. Segundo ela, o desenvolvimento dos roteiros aumenta não só o número de turistas como a permanência deles na região. “Promovemos uma sinergia entre as vivências”, afirma Daniela.
Roteiro premiado
No Paraná, um projeto semelhante desenvolveu a Rota do Café na região de Londrina. Integram o roteiro 35 atrativos de 12 cidades, incluindo fazendas produtivas, restaurantes, cafeterias e museus. Desenvolvido pelo Sebrae/PR, a rota é administrada pelos próprios empreendedores em reuniões mensais. “Quebramos paradigmas porque não tínhamos uma cultura de turismo na região, que se limitava ao turismo de negócios. Após um diagnóstico, percebemos que o potencial para desenvolver um roteiro ligado ao café era muito grande”, conta Sérgio Ozório, gestor do programa pelo Sebrae/PR. No ano passado, a Rota do Café recebeu o prêmio do MTur de melhor roteiro turístico do Brasil.
Proprietária da Fazenda Palmeira, no município de Santa Mariana, Cornélia Gamerschlag admite que ficou um pouco ressabiada quando foi convidada a fazer parte da Rota do Café. “Nós éramos focados apenas na produção de café, olhávamos só da porteira para dentro”, conta Cornélia. Com a proposta de apenas abrir a porteira para o turista espiar, ou seja, não mudar nada na estrutura da propriedade, ela decidiu entrar no projeto. E é justamente aí que está o grande diferencial da Fazenda Palmeira. “O turista vem buscar aqui uma vivência original, autêntica, que de fato não foi feita para ele. Nós somos uma fazenda produtora de café”, ressalta Cornélia.
Na Palmeira, os grupos de visitantes conhecem o dia a dia de uma fazenda cafeeira e até ajudam em algumas atividades no cafezal. A visita guiada dura de três a quatro horas e termina com a degustação de um café servido de acordo com a tradição dos antepassados da proprietária. Além de agregar valor ao negócio, gerar empregos e qualificar os empregados da fazenda, as visitas também trouxeram pontos positivos à gestão do empreendimento. “Hoje estamos com tudo sempre andando perfeitamente porque temos que estar prontos para receber os turistas. Isso faz muito bem também para a produção de café”, afirma Cornélia.
Na cafeteria O Armazém Café, a proprietária Cristina Rodrigues Maulaz recebe grupos de turistas para diversas opções de degustação do café. Barista, ela considera a bebida como “o irmão mais moço do vinho” e trabalha para que os brasileiros aprendam a apreciar e deem valor a um bom café. “Trabalho com grãos especiais de várias regiões produtoras do Brasil. Procuro mostrar o valor de todo o processo da cafeicultura. Muitos roteiros começam aqui, na minha cafeteria, e seguem para as fazendas produtivas”, conta Cristina. Ela destaca os benefícios da cooperativa formada pela Rota do Café. “Sozinhos não conseguiríamos fazer o que fizemos.”
Cristina se diz a propagandista número um da região e acredita que há muito ainda por fazer para desenvolver o turismo local. “Ainda estamos semeando, mas também já estamos colhendo frutos. Fiquei muito contente outro dia, quando um grupo de turistas que já esteve em minha cafeteria mudou a data da viagem porque no dia marcado já estávamos com um grupo agendado”, conta a empreendedora. Resultado de quem conseguiu aplicar com sucesso o principal preceito da economia da experiência: o encantamento.