Com as constantes variações na economia brasileira e mundial, os gestores precisam redobrar a atenção sobre suas empresas, uma vez que as conjunturas desfavoráveis podem ameaçar a sobrevivência do negócio. Embora prevenir seja sempre o melhor remédio, nem sempre há tempo ou condições de salvar a operação. Mas nem tudo está perdido: também é possível safar-se da crise com estratégias de recuperação e consolidação empresarial elaboradas por especialistas no assunto. “Nosso principal objetivo é evitar a derrocada de empresas e seus negócios. No momento atual de instabilidade, é muito importante reconhecer o momento em que o caos se instalou e buscar ajuda”, diz Artur Lopes, advogado e consultor de gerenciamento da Artur Lopes & Associados, consultoria especializada em salvar a “vida” de outras companhias.
Para o consultor, a vida das empresas é desafiada também por episódios circunstanciais, tais como “modificação de tendências de consumo, modernização dos produtos ou meios de produção, imobilização de recursos, ausência de capacidade gerencial e/ou má administração, ingresso de novos concorrentes no mercado, entre outros”.
Na entrevista a seguir, Lopes fala mais sobre o trabalho de gestão de crise, explicando as fases do processo de recuperação empresarial, além de apontar os motivos mais comuns que levam à falência das pequenas e médias empresas brasileiras.
Em que consiste o trabalho de gestão de crise? E o de recuperação judicial de empresas?
Lopes – A gestão de crise é uma estratégia para auxiliar empresas com dificuldades financeiras ou operacionais. Trata-se, na verdade, de uma verdadeira especialidade na medida em que as lógicas, as métricas e muitas ações diferem completamente de uma situação de normalidade. Quando se está em crise, o objetivo é não quebrar, preservar, salvar a empresa para depois refinar a sua administração e modificá-la no necessário. A recuperação judicial é uma das ferramentas do processo de gestão de crise. A crise pode, perfeitamente, ser superada sem um processo de recuperação judicial, o que, inclusive, acontece na maioria de nossos projetos.
Fale um pouco mais sobre as três fases do processo: recuperação, consolidação e ampliação?
Lopes – São fases de um trabalho único que permitem à empresa não somente sublimar a dificuldade, como dela emergir mais forte. O processo de recuperação é marcado pelo alongamento do passivo das companhias, pela diminuição de suas despesas administrativas, financeiras e comerciais. Nessa etapa, normalmente ocorre a adequação da estrutura de pessoal, a racionalização do mix de produtos, a venda de ativos não operacionais – enfim, é realizado um trabalho cujas ações devem ter impacto imediato no sentido de evitar que a empresa quebre. Já o processo de consolidação é marcado pela mudança de cultura da organização, onde seus colaboradores vão se adequar a essa nova realidade e incorporar no dia a dia todas as medidas implementadas na etapa anterior, passa a vigorar na organização o apreço a uma gestão mais atenta aos resultados. Nessa fase, são incorporadas diversas ferramentas gerenciais e o público interno treinado a utilizá-las. Quando se evita a quebra, sedimenta-se a cultura de resultados e criam-se ferramentas de acompanhamento, a empresa poderá ampliar de modo seguro seus negócios, adequando sua estrutura de capital.
Quanto tempo leva para recuperar uma empresa em falência?
Lopes – O processo de recuperação de uma empresa em dificuldades, normalmente pode demorar de 06 a 24 meses. A maioria dos projetos que executamos se completa num período de 06 a 12 meses.
E em qual momento a gestão de crise deve entrar em cena? É um trabalho constante ou apenas pontual?
Lopes – Para responder a primeira delas, vou recorrer a uma analogia: se estivermos doentes nossa chance de cura não é maior quanto mais cedo se inicie o tratamento? É óbvio que as chances de sucesso aumentam quanto mais precoce for o diagnóstico e iniciado o tratamento. Não é necessário nem desejável que só sejam tomadas medidas corretivas após o aumento expressivo do endividamento, a acumulação de passivos e até mesmo, em alguns casos, a própria paralisação momentânea da atividade. A gestão de crise não é um trabalho constante. Na medida em que a dificuldade é superada, volta-se à normalidade, porém, o que permanece constante em organizações que tiveram a sua perpetuidade desafiada, é a cultura dos indicadores para que ao menor sinal de problema a rota seja corrigida.
Levando-se em conta o contexto das micro e pequenas empresas brasileiras, como é possível gerenciar as crises e blindar sua marca?
Lopes – Tenho por certo que é fundamental tanto para as pequenas quando para as médias e grandes empresas zelar por sua marca perante o consumidor. Para isso, é necessária uma gestão atenta a indicadores e respeitosa com os públicos que interage (fornecedores, clientes, funcionários, bancos, etc.). Ocorre, entretanto, que não há imunidade para momentos difíceis e são raras as empresas pequenas, grandes ou médias que em algum momento de sua história não tiveram a sua sobrevivência em risco. Não há como “blindar” a marca, há sim, como ter uma atitude honesta e construtiva nessas situações. É necessário não esconder a dificuldade, ao contrário, admiti-la honestamente e focar a sua comunicação nas ações destinadas a corrigir a rota e superar os problemas.
Como funciona o processo de recuperação de empresas em falência?
Lopes – Normalmente a companhia que está em dificuldade não possui repertório e credibilidade para reagir aos desafios cotidianos – quase sempre é necessária ajuda externa. Para ser bem-sucedido, o processo de recuperação tem que ser multidisciplinar, ou seja, deve haver ações em todos os setores da empresa, cujos resultados devidamente combinados propiciam a modificação da conjuntura. Na nossa metodologia, a empresa passa por três fases distintas: a recuperação, consolidação e ampliação do negócio.
E o que acontece nos casos de empresas com dívidas fiscais que não conseguem pagar?
Lopes – As empresas que possuem alguma dificuldade de caixa, além de remanejarem compromissos com fornecedores e bancos, acabam também por deixar de recolher alguns impostos. Os prazos e condições para a renegociação (parcelamento) das dívidas fiscais são definidos por lei e absolutamente inadequados. O trabalho, portanto, é realizar um planejamento de caixa que englobe essa dívida com os seus prazos máximos de alongamento.
Em sua opinião, quais os principais fatores que levam as PMEs à derrocada?
Lopes – O índice de mortalidade das empresas, que ainda é alto, vem caindo ano a ano no País. Os principais fatores, na minha avaliação, são a falta de conhecimento do mercado onde se pretende atuar, a falta de experiência empresarial, a ausência de crédito e a pesada carga tributária.
Como detectar a falência iminente de uma empresa?
Lopes – Todo empresário, em tese, deveria acompanhar os indicadores de seu empreendimento. Quando esses indicadores se deterioram, algo não vai bem. Entretanto, várias companhias sequer possuem um repertório de indicadores atualizados e, nesse caso, devem guiar-se por sinais. A crise está presente quando:
I) ocorrem prejuízos sucessivos ou queda acentuada nos lucros; II) acumulam-se passivos tributários; III) aumenta o endividamento bancário; IV) os fornecedores passam a ser pagos com atraso, e V) os funcionários deixam de receber em dia. Se qualquer dessas situações ocorrer, há uma crise instaurada.
O que é mais difícil para os empresários: saldar dívidas ou modificar comportamentos/atitudes que levaram à crise?
Lopes – Certamente, na minha avaliação, é a mudança de atitude. As questões objetivas, como a existência de dívidas, são perceptíveis e reconhecíveis por todos, já os aspectos subjetivos do comportamento do empresário lhe passam despercebidos.
Como evitar a falência nas PMEs cada vez mais soterradas por altas cargas tributárias e oscilações no mercado?
Lopes – A fórmula para evitar a quebra é a mesma para pequenas, médias e grandes empresas: acompanhar o negócio, criar indicadores e, se algo não estiver dando certo, corrigir imediatamente.
O que o senhor acha daquela velha estratégia de demitir – especialmente funcionários com mais tempo de casa e, portanto, salários mais altos – para evitar a falência?
Lopes – Essa estratégia é muito simplista para uma possível crise muito mais abrangente. É certo que há situações onde a equipe mais antiga está acomodada e a relação custo/benefício não é boa. É certo também que em diversas ocasiões todo o know-how da empresa está nas mãos desses profissionais e, uma vez dispensados, a empresa naufraga de vez. Não há receita, cada caso é único.
Por fim, qual conselho o senhor daria a uma pessoa que está iniciando seu primeiro negócio e deseja passar longe desses percalços?
Lopes – Há uma frase de que gosto muito: Quem não mede, não gerencia, e quem não gerencia não melhora. O conselho, portanto, é que o empreendedor crie indicadores e esteja atento a eles.