Depois de passar quatro anos detida no Presídio Feminino de Florianópolis sem sair um dia sequer por não ter quem visitar – e também sem receber visitas – a jovem Cristiane (nome fictício), de 22 anos, do interior do Estado, estava livre – e atravessou os portões já com bolsos e estômago vazios. Mas trazia nas mãos o endereço da casa de uma amiga da prisão e, na perspectiva, o trabalho remunerado na Malharia Social, empresa recém situada em prédio anexo à penitenciária.
O idealizador e criador da Malharia, Filipe Rodrigues da Silveira, conta que, de repente, Cristiane apareceu livre, sem nada nas mãos, e disse que queria trabalhar ali. “Dei um dinheiro ao menos para a alimentação e ônibus, e conseguimos encaixá-la na serigrafia, já que a produção inicial era baixa, mas hoje é uma excelente costureira. Logo depois, foi convidada a costurar em uma fábrica de cortinas a duas quadras da casa em que está morando e com um salário maior, mas ficou chateada com minha sugestão de aceitar. Repetiu que veio para trabalhar aqui e ficaria aqui. Isso não tem preço, e justifica tudo”, afirma Silveira. Cristiane começou a participar do projeto assistindo às aulas do Senac e Moda da Udesc. Foi quando inclusive fez seus documentos.
Proporcionar educação profissional, valorização e condições de trabalho para as meninas e mulheres recém libertas é justamente o ideal da Malharia. Nela, as empregadas não trabalham para o lucro do proprietário nem para alguma Ong, mas sim para o desenvolvimento do projeto, que gera educação, trabalho e prevê a entrega de uma máquina de costura para que cada funcionária possa seguir como autônoma. Por ter como finalidade o impacto social e buscar o lucro para ampliar a atuação, a Malharia Social se encaixa na definição de empresa social, setor econômico que vem crescendo fortemente nos últimos anos – a nova geração de empreendedores inovadores.
“Um negócio social não é Ong nem instituição filantrópica, nem empresa formal. Pode produzir qualquer tipo de produto, mas sua meta é impactar a sociedade onde está estabelecida: resolver um problema social com a participação da comunidade, e não apenas gerar emprego. E o lucro deve ser distribuído entre os participantes externos ou ser reinvestido na empresa”, explica o diretor regional do projeto Negócios Sociais do Sebrae, Roberto Menezes, acrescentando que a idoneidade financeira do projeto pode ser conferida pelo balanço anual.
Olhar social
No Brasil, a nomenclatura a respeito de negócios sociais ainda não está definida por lei, assim como as normas que regem o setor, ao contrário de outros países, como os Estados Unidos. Maure Peçanha, diretora-executiva da Artemísia, primeira aceleradora de negócios de impacto social do Brasil, acrescenta que os primeiros casos apareceram há mais de 30 anos em Bangladesh (Grammeen Bank) e Índia (Avarind Eye Care System). No Brasil, o termo chegou com a Artemísia em 2004. Para Maure “a destinação do lucro não é critério para definir um negócio de impacto social. O que diferencia um negócio de impacto social de um tradicional é a intencionalidade de gerar impacto positivo. Ou seja, o negócio tem como missão melhorar a qualidade de vida da população de baixa renda”.
Nos últimos três anos, a Artemísia acelerou 47 empresas das quais 90% continuam economicamente ativas e articulou mais de R$ 24,6 milhões para esses negócios, impactando1,8 milhão de pessoas. Há dez anos, eles trabalhavam com 10 negócios por ano, em 2014 estão com mais de 1.200 empresas. “É um país que ainda precisa superar grandes desafios sociais, entre eles, uma das mais altas taxas de desigualdade do mundo”, analisa Maure.
O gerente-executivo do Instituto Comunitário Grande Florianópolis (ICom) Anderson Giovani da Silva entende que a inovação está na mudança de perspectiva de pessoas líderes sobre o mundo. “Ao invés de olhar em volta e escolher o melhor a fazer para si, agora as pessoas estão buscando o que fazer em volta para tornar a vida melhor. Este olhar é recente, de gente mais desprendida e satisfeita, que quer um mundo melhor para todos”, afirma ele, também vice-presidente do Social Good Brasil (centro de apoio para inovações sociais que utilizam tecnologias e novas mídias em seu desenvolvimento) e vice-presidente para desenvolvimento institucional da Associação Saúde Criança Florianópolis. Exemplos locais não faltam, como a Meritt e Xmile, empresas de Florianópolis que desenvolvem tecnologias de informação na educação e jogos eletrônicos educativos respectivamente.
Em Santa Catarina, ICom e Sebrae trabalham em parceria pela causa, sendo a atuação do Sebrae mais recente na área: há cerca de apenas dois anos a instituição desenvolve pesquisas e metodologias de ações sobre negócios sociais. O plano do Sebrae é servir de caminho de desenvolvimento e aperfeiçoamento para negócios descobertos, selecionados e incentivados e acelerados por outras instituições da área como ICom, Artemísia, Pipa, Inspirare e Yunus Social Business Brasil, entre outras. “Entendemos que estas instituições de referência atuam no incentivo, desenvolvimento e criação dos negócios sociais. O papel do Sebrae será auxiliar o empreendedor social depois, na gestão contínua”, afirma Menezes.
Maratona Sebrae
Em novembro, Florianópolis sediará a primeira Maratona de Negócios Sociais em Santa Catarina, realizada pelo ICom, Sebrae, Yunus Negócios Sociais e Impact Hub. Será a segunda edição nacional, depois do Rio, que sediou o evento em janeiro deste ano. O Sebrae promoverá a inscrição de empresários com negócios sociais, que passarão por quatro dias de intensa capacitação, trabalho e mentoria. No último dia, todos os selecionados apresentam o projeto à banca de investidores, e os finalistas recebem prêmio, como viagens para conhecer um negócio motivador dentro de sua área de atuação. Mais informações e inscrições pelo 0800 570 0800.
Onde procurar ajuda
ICom – Oferece espaço de encontros e aprendizagens para negócios sociais, além de gerenciar rede de investimento. Rua Lacerda Coutinho, 100, Centro, Florianópolis – (48) 3222-5127 www.icomfloripa.org.br
Artemísia – Oferece programas de aceleração e capacitação. As inscrições para aceleradas deste ano encerraram em junho. Rua Álvaro Anes, 46, Pinheiros, São Paulo – (11) 3812-4303 Também possui escritório em Recife. www.artemisia.org.br
Yunus Negócios Sociais – Oferece fundo de investimentos, incubadora de empreendedores, consultorias e palestras e eventos no meio acadêmico e em outros ambientes de todo Brasil. Praça Atahualpa, 60, Cj. 506, Leblon, Rio de Janeiro www.yunusnegociossociais.com
Inspirare – O programa Iniciativas Empreendedoras fomenta e acelera negócios sociais que propõem soluções para ampliar o acesso e melhorar a qualidade das oportunidades educacionais especialmente para a base da pirâmide. inspirare.org.br
Impact Hub – Comunidade global de empreendedores de impacto que reúne inspirações, recursos, conhecimento e oportunidades de colaboração. Presente em 60 cidades. impacthub.org
Horyou – Rede social voltada à promoção do bem comum, lançada em dezembro de 2013. Conta com mais de 300 organizações e 100 personalidades com membros de 50 países diferentes. www.horyou.com
Pipa – Oferece programas de educação, aceleração e investimento para negócios com valor compartilhado. (21) 2148-0200 – oi@pipa.vc