Antes dos dois últimos anos da pandemia, no dia 15 de abril, Paulinho e seus vizinhos entregaram na escola onde estudam as armas de brinquedo que tinham em casa e receberam em troca gibis, livros infantis e brinquedos educativos. A troca de armas de brinquedo por brinquedos de verdade ocorre pelo Dia do Desarmamento Infantil, celebrado no Brasil desde 2001.
Agora, em troca de nada, sem nenhum custo, as crianças de 5 a 11 anos de idade, poderiam receber a vacina no braço para combater o vírus da pandemia, ir para a escola com mais segurança, estudar e conviver com os amigos.
Mas o presidente da República Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, o médico Marcelo Queiroga, declarados negacionistas da pandemia e da própria vacina, dizem não. Pedem uma audiência pública, aberta, para ouvir todas pessoas, muitas delas que até podem entender de tudo sobre motor de avião, mas nada de uma seringa, uma vacina, como ela é feita, aprovada e seus benefícios para a saúde pública.
A Anvisa, criada como um organismo de Estado, não de governos que são provisórios, com um corpo técnico de alta qualidade, ciente das suas responsabilidades, tem por missão acompanhar o desenvolvimento, receber relatórios, aprovar e autorizar a aplicação de vacinas e uso de remédios. A Anvisa recorre sempre a um comitê de especialistas, de fora da instituição, para aprovar um novo medicamento ou uma vacina.
No dia 16 de dezembro de 2021 autorizou o início da vacinação das crianças. Mas no atual governo e, só no atual governo, depois de mais de 100 de anos diferentes imunizações de doenças, essa decisão passou a ser do presidente da República e do ministro da Saúde.
Enquanto isso, mais de 1.150 crianças na idade de 5 a 11 anos já morreram no Brasil em 21 meses da pandemia, vítimas do coronavirus. Só no Chile e na China, mais de 60 milhões de crianças já foram vacinadas, número que supera toda a população de crianças no Brasil, sem registros graves de complicações de saúde.
Sem vacina no braço e ao contrário do Paulinho e dos seus vizinhos que entregaram armas de brinquedos, milhares de crianças no Brasil, também sem vacina no braço, têm nas mãos armas de verdade. Frágeis, desorientadas essas crianças são alvos certeiros dessas próprias armas e traçam um destino trágico para suas vidas.
No Brasil, a cada 60 minutos uma criança ou adolescente morre de decorrência de ferimentos por arma de fogo. Nas duas últimas décadas mais de 145 mil jovens, com idade entre zero e 19 anos, faleceram em consequência de disparos acidentais ou intencionais.
Verdadeiros e cruéis, esses números de vítimas de crianças e jovens são de um levantamento feito pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) com o objetivo de ajudar a entender esse problema que atinge proporções endêmicas e com implicações nos indicadores de saúde pública.
Seria muito pedir para o atual governo convocar as crianças para entregar suas armas de fogo numa mesa e ao lado receber a vacina. Jamais será feito isso, pois além de ser contra a vacina o governo de hoje defende o armamento de toda a população.
Nesse exato momento, pelo menos um menino, sem casa, sem família, sem comida no estômago e sem vacina no braço está na rua com uma arma de verdade na mão.