Para a superação da crise econômica deflagrada pela pandemia do coronavírus, os empresários precisarão fazer o dever de casa, que significa cortar despesas excessivas e até o pró-labore, além de buscar preservar ao máximo os empregos, que constituem um dos ativos mais importantes de uma empresa. A opinião é do diretor superintendente do Banco do Empreendedor, Luiz Carlos Floriani. A instituição que promove um dos maiores sistemas de microcrédito do país, já emprestou quase meio bilhão de reais em 20 anos de atuação. Nesta entrevista a Empreendedor, ele aponta como superar os desafios que estão postos e os que certamente ainda virão para os pequenos e microempresários brasileiros.
Empreendedor – A diminuição do consumo no período de quarentena e isolamento social afetou diretamente os pequenos empresários. Como superar essa realidade?
Luiz Carlos Floriani – Os impactos foram inevitáveis, considerando a suspensão de todas as atividades que atingiram diretamente os pequenos negócios, que precisam de um fluxo de caixa com entrada de recursos diários. Não resta a menor dúvida que os pequenos negócios são um segmento com maior fragilidade, levando-se em conta que também carecem de maiores orientações na linha de provisões, reservas de caixa e assim por diante. Existem segmentos ou atividades econômicas muito afetadas que estão precisando muito de ajuda, e podemos citar a área de eventos, por exemplo, que está completamente parada. Porque não há alternativas de solução. Para outras atividades entra em jogo a criatividade, a inovação. Tem loja que mesmo estando fechada arranjou uma maneira de levar o produto até o cliente. Na área de alimentação, o delivery nunca esteve tão em alta como agora. A entrega via motoboy nunca foi tão utilizada na história desse país como está sendo utilizado agora.
Empreendedor – Teremos uma outra realidade de mercado depois dessa crise?
Vai ser diferente, eu não tenho dúvida. Está se chegando a conclusão de que não sairemos dessa crise sem mudanças. Há um movimento que está obrigando as pessoas a repensarem como será o mercado depois disso tudo. Quem está estudando o que está acontecendo afirma que estamos apenas começando a nossa crise. No Brasil, é o princípio da crise, então imagina se acontecer como em outros países. Então é preciso ter estratégias para enfrentar o pior cenário. Tomara que o pior cenário não aconteça, e até desejamos e rezamos por isso, mas precisamos estar preparados. Apesar de que ninguém no mundo tenha informação concreta para nos dizer como vamos sair disso, todos estão procurando soluções no curto, médio e longo prazo.
Empreendedor –Como o Banco do Empreendedor está agindo nesse momento?
Baseado em um contexto de mais de 6 mil clientes que temos, nessas últimas duas semanas o Banco do Empreendedor definiu uma prioridade. Consultamos todos os clientes para saber como estavam e qual o impacto que estavam sentindo, se precisavam de repactuação ou mais recursos. Porque entendemos que precisávamos saber como estavam aqueles que nos trouxeram até aqui, que são nossos clientes. Para em um segundo momento vermos o que podemos fazer com os novos clientes que chegam as dezenas todos os dias. A procura por crédito nunca foi tão grande, é simplesmente inacreditável. Mas para uma crise desse tamanho ninguém está preparado ainda, nem um banco de micro finanças como o nosso, nem bancos estatais ou comerciais. Todos estão procurando num primeiro momento renegociar. O Badesc anunciou R$ 50 milhões, em uma linha de empréstimo de R$ 15 mil a R$ 150 mil, e em sete dias a linha esgotou! E isso é muito pouco.
Empreendedor – O socorro precisa vir do sistema financeiro?
Estamos aguardando a chegada de novos recursos em regime de urgência, que precisam vir rápido para que possamos atender essa nova demanda. Temos feito um trabalho muito forte de orientar os clientes a fazer o dever de casa. Porque essa não é uma crise setorizada, ela atingiu toda a cadeia produtiva e toda a cadeia de consumo. Para o empresário, a hora é de sentar com o contador e rever o fluxo de caixa, especialmente o fluxo de despesa. Antes de entrar em pânico e correr para o banco, primeiro reveja seu fluxo de despesa. Porque algumas despesas não vão ser necessárias nesse período em que estamos vivendo. Despesas bancárias e tributárias estão ganhando prazo, mas o empresário precisa conversar com seus fornecedores. Quem está com loja locada, tem que conversar com seu locatário, pois como ele paga se não está tendo receita? É aquela história de que estamos abraçados, pois fazemos parte de uma cadeia e se nos ajudarmos facilitaremos tudo. O que o pessoal da saúde fala, do achatamento da curva, a mesma coisa é com a economia. Temos que achatar o tamanho da necessidade de UTI para nossas empresas, principalmente dos pequenos empreendedores, e ganhar tempo para não levar nossos negócios direto para o hospital. Temos de levar paulatinamente, para acharmos as soluções e remédios. Porque não dá para tratar todo mundo ao mesmo tempo, na economia assim como na saúde.
Empreendedor – Essas medidas fazem parte da lição de casa que todos devem fazer?
O empresário tem que rever inclusive a retirada de pró-labore dele. É fundamental. Estava acostumado a uma realidade, mas isso foi em um outro momento. Tem um monte de coisas que se fazia antes da crise que e que não está se fazendo agora. Então, é preciso ajustar o fluxo de necessidades, que são muito menores do que antes, e isso facilita até parabuscar recursos para sanar as necessidades que realmente ficaram.
Empreendedor – Qual as diretrizes que o Banco do Empreendedor recomenda?
No caso das empresas que temos contato, a sugestão é segurar o tanto quanto for possível os empregos. Porque os dois principais ativos de uma empresa são os colaboradores e os clientes. É preciso pensar muito nessas duas pontas, considerando que iremos superar essa crise. Porque depois iremos precisar mais do que nunca desses dois ativos. O pior que pode nos acontecer é um achatamento da capacidade do consumo. As pessoas precisam entender que o que movimenta a economia é a capacidade de consumo, principalmente da base da pirâmide. Se perdermos essa capacidade, cada ponto percentual irá significar encerramento de muitas atividades e negócios. Não basta simplesmente dar um canetaço e se livrar de um empregado, porque ali na frente se estará diminuindo a capacidade de consumo do mercado. Se todo mundo fizer isso ao mesmo tempo, não há como segurar empresa nenhuma. Para o comércio, para a distribuição e para a fabricação. E isso seria o pior cenário. Nesse momento o sacrifício de todos significa cortar na raiz o pró-labore, renegociar despesa, salário, e focar na superação da crise e a retomada das atividades com os dois principais ativos preservados: os colaboradores e os clientes.