Nasci no dia 4 de setembro de 1973. Para este texto, o dado mais importante sobre este evento consta nos arquivos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ao nascer, a minha expectativa de vida era de 60 anos. O último levantamento do Instituto aponta que os brasileiros nascidos em 2019 viverão em média 76 anos.
Em pouco mais de quatro décadas o brasileiro “ganhou 16 anos”, basicamente metade da vida de um jovem – quase não tão jovem – adulto. Para quem começa do zero, em 16 anos aprende-se a falar, andar, ler e escrever, viver em sociedade e, com sorte, usar a regra de três. Mas e para quem já aprendeu e construiu muito?
Se tudo der certo, os 60 anos que delimitavam o meu tempo médio de existência marcarão apenas o começo de outra fase da minha vida: a terceira idade. Eu poderia dizer que o perfil do idoso mudou e que o vovô não está mais na cadeira de balanço, mas você já sabe disso. Você se sentou ao lado da mesa do vovô no seu bar preferido e comprou uma Smart TV no mesmo site que ele. A verdade é que o vovô faz parte de um grupo que movimenta R$ 1,6 trilhão anualmente só no Brasil, ou seja, 23,5% do PIB do país em 2018 (R$ 6,8 trilhões). E se engana quem acha que todo este dinheiro está sendo investido na indústria farmacêutica.
A população não somente vive mais, como desfruta de qualidade de vida, ao menos do ponto de vista funcional. O público “maduro” tem aproveitado a “melhor idade” para viajar, estudar, namorar, cuidar do corpo, dos dentes e, sim, trabalhar e abusar da tecnologia. Entretanto, ainda que já tenhamos descoberto os milagres dos “negócios da longevidade”, boa parte desta população sente que o mercado não atende às suas necessidades.
A pesquisa Tsunami 60+, realizada pela Hype60+, consultoria especializada em estratégias para o mercado prateado – voltado à terceira idade –, em conjunto com a Pipe.Social, aponta que os maduros sequer são impactados pela comunicação de marcas das quais gostariam de consumir produtos. Os especialistas responsáveis pelo estudo defendem que esta população seu tornou “invisível” para a maioria das empresas.
Enquanto diferenciamos produtos infantis entre categorias separadas por apenas alguns meses de vida, todos os potenciais consumidores acima dos 60 anos fazem parte de um limbo mercadológico, que, mesmo quando não ignorado, é tratado de maneira completamente generalista: 60, 70, 90 anos. Dentro das nossas estratégias de posicionamento, todos estão no mesmo pacote. Consulte as possibilidades das ferramentas de marketing digital mais populares – a categoria “60+” é a última opção de segmentação etária. Mais de 30 milhões de pessoas no escuro.
Neste ponto, é importante ressaltar que este público atua também como influenciador ou decisor do consumo realizado por filhos e netos. Um levantamento realizado pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) em 2018 apontou que 43% dos idosos entrevistados são os principais responsáveis pelas despesas do lar.
Do outro lado do balcão
A terceira idade é uma potência econômica, mas não somente em função de seu poder de consumo. Instituições como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) oferecem cursos e cartilhas de apoio com o tema “empreendedorismo na aposentadoria”. A organização também aponta que entre 2007 e 2015 o índice de empreendedores iniciantes acima de 55 anos aumentou em 70%.
Ainda que um empreendedor com este perfil não esteja disposto a assumir os mesmos riscos dos investidores mais jovens, existem apostas mais seguras e previsíveis como as apresentadas pelo franchising brasileiro, que registrou crescimento 7,1% em 2018, com faturamento total de R$ 174,843 bilhões, segundo a Associação Brasileira de Franchising (ABF). Muitas marcas, inclusive, apostam na experiência e na maturidade deste público para gerir suas franquias.
Na direção da correnteza
O envelhecimento da população é uma tendência demográfica. A Organização Mundial das Nações Unidas (ONU) aponta que, em 2019, pela primeira vez, o mundo é povoado por “mais avós do que netos”, totalizando 705 milhões de pessoas com idade acima 65 anos, frente a 680 milhões enquadradas entre zero e quatro anos. As previsões apontam que a inversão será acentuada durante os próximos anos. Em 2050, para cada criança, haverá dois idosos.
Seguindo os parâmetros da estratégia do Oceano Azul, apresentada no livro que leva o mesmo título, o “Oceano Prateado” – mercado maduro – representa um cenário parecido com o descrito na obra. Um “mar” de oportunidades, com amplo espaço para inovação e perspectiva de crescimento, distante do banho de sangue provocado por concorrentes que se debatem no Oceano Vermelho – alusão à segmentos com muita oferta, nos quais a disputa acirrada por clientes leva à desvalorização do produto, entre outras consequências.
Por outro lado, os aplicativos focados em mobilidade, relacionamentos e gestão financeira para idosos provam que a tendência já não é exatamente uma novidade. Esta evidência é confirmada pelas polêmicas mudanças na legislação relacionada à terceira idade. As leis levam algum tempo para se adaptarem a novas configurações sociais. Logo, para os que concordam ou não com a reforma da previdência, por exemplo, a ordem é a mesma: precisamos pensar sobre o futuro de uma forma diferente.
Portanto, pode-se concluir que a “Economia Prateada” está em transição, partindo do status de oportunidade para o de obrigatoriedade e, neste ponto, é importante lembrar: todo Oceano Azul – ou Prateado – um dia fica vermelho. Quem sai na dianteira tem mais tempo para consolidar seu legado, aplicando a ideia de longevidade também ao próprio negócio.
*Dr. Fernando Massi é sócio-fundador da rede de franquia OrthoDontic.