Existe mercado para o setor aéreo, mas a infraestrutura carente é empecilho

Assim como ocorre em outros modais, existe mercado para o setor aéreo, mas a infraestrutura carente é empecilho para sustentar o crescimento

Há tempos que a demanda de passageiros e os investimentos em infraestrutura de transportes deixaram de andar no mesmo ritmo no Brasil. No setor aeroportuário não é diferente. O resultado dessa falta de sintonia é o que costumamos chamar de “caos aéreo”, uma situação que se traduz em aeroportos heios, filas intermináveis para check-in e embarque, voos atrasados ou, ainda pior, cancelados. Tal conjuntura faz do avião um meio de transporte bastante imprevisível no País, independente das condições meteorológicas. É difícil saber quando se vai chegar ao destino, principalmente em datas especiais e feriados como Carnaval, Páscoa e Natal.

Não é para menos. O estudo “Aeroportos no Brasil: investimentos recentes, perspectivas e preocupações”, divulgado em abril pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), aponta que 14 dos 20 maiores aeroportos do País operam bem acima de suas capacidades. Nesses terminais, a taxa média de ocupação passou de 164,3%, em 2009, para 187,2%, em 2010. É o impacto provocado por uma demanda que evoluiu de 71 milhões de passageiros em 2003 para 154 milhões em 2010. Um crescimento de 117%, não atendido pela evolução dos investimentos públicos no setor aéreo, de R$ 503 milhões em 2003 para mais de R$ 1,3 bilhão em 2010.

Em declaração feita ao jornal Zero Hora no final de maio, a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, disse que o País está “pagando o preço do sucesso”, uma referência à melhoria de indicadores como geração de emprego e renda. Na avaliação do Ipea, a atual situação aeroportuária reflete um planejamento com olho no retrovisor. “A exemplo dos outros setores da infraestrutura de transportes, o passivo de necessidades dos investimentos que deixaram de ser feitos por mais de 20 anos ainda não permite que esses setores se preparem para o futuro”, conclui a nota técnica do Ipea.

O assunto “aeroportos” tem estado na pauta do dia por conta de um futuro bem próximo: a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016. A luz vermelha se acendeu quando o mesmo estudo do Ipea alertou para a possibilidade de que as obras de 10 dos 13 aeroportos do Mundial não sejam finalizadas para o evento. Em resposta à crise, o governo federal anunciou a privatização parcial de três aeroportos – Viracopos e Guarulhos, em São Paulo, e o de Brasília. Estuda-se o mesmo modelo para Cofins, em Minas Gerais, e Galeão, no Rio de Janeiro. Em julho, vai a leilão a concessão do Aeroporto Internacional de São Gonçalo do Amarante, a 17 quilômetros de Natal, o primeiro terminal privado do País.

Privatização à parte, o presidente da Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), Gustavo Vale, garante que estudos feitos pela organização dão conta de que não há por que se preocupar. Em audiência pública realizada na Câmara dos Deputados, no último dia 1º de junho, Vale disse que os 13 aeroportos da Copa terão capacidade para suprir a demanda até dezembro de 2013. Segundo o executivo, os aeroportos diretamente relacionados às 12 cidades-sede do Mundial receberão ao todo investimentos de R$ 5,56 bilhões. A preocupação não é só com os eventos esportivos que estão na agenda brasileira. Vale ressalta a expectativa de que a demanda continue crescendo a taxas de 10% nos próximos anos.

Os últimos números divulgados pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) têm comprovado essa tendência. No primeiro quadrimestre do ano, a procura por voos domésticos cresceu 20,22% em relação ao mesmo período de 2010. A oferta aumentou 14,75% e a taxa de ocupação dos voos passou de 69,43% para 72,74%. Em relação aos voos internacionais operados por empresas brasileiras, a demanda aumentou 21,28% em comparação ao ano passado, enquanto a oferta cresceu 15,17%. A taxa de ocupação passou de 73,99% para 77,92%. O período de janeiro a abril é marcado por forte movimento nos aeroportos em função dos feriados de Carnaval e também de Páscoa, que neste ano foi prolongado pelo feriado de Tiradentes. Só a TAM Linhas Aéreas transportou na segunda-feira após o domingo de Páscoa 136 mil pessoas, um recorde diário de passageiros para a companhia.

A aposta da TAM para 2011 é um aumento da oferta de assentos em voos domésticos em 10% a 14%. No primeiro trimestre do ano, a companhia transportou 9,3 milhões de passageiros, alta de 11,9% em relação ao mesmo período do ano passado. O presidente da TAM, Líbano Barroso, destaca algumas ações recentes da companhia com o propósito de facilitar o acesso da classe C às viagens aéreas. Entre elas, as parcerias feitas com a Pássaro Marron e a Princesa do Agreste, empresas interestaduais de ônibus do Sudeste e Nordeste, respectivamente, para a venda combinada de passagens de ônibus e de bilhetes aéreos.


As passagens estão disponíveis nas lojas TAM Viagens. A rede tem 90 pontos de venda, mas a meta é ampliar para 200 até o final de 2011. “Nossos números comprovam o sucesso da estratégia que implementamos para tornar as viagens  de avião acessíveis para uma parcela cada vez maior da população”, afirma Barroso. Em fevereiro deste ano, a TAM anunciou investimentos de US$ 3,2 bilhões em 34 novas aeronaves para suprir a demanda esperada pela empresa para os próximos 20 anos. Destes, dois são Boeing, com entrega prevista para 2014, e 32 são Airbus, que deverão ser entregues entre 2016 e 2018. Em 2010, a empresa fechou o ano trô Itaquera, Sé e Luz, além de uma nova loja no Shopping Mais, em Santo Amaro, todos na capital paulista. Nesses pontos o cliente pode comprar passagens e fazer alterações e cancelamentos de reservas. A ação complementa outras ações da Gol para se aproximar das classes C e D. Em 2005, a empresa lançou o Voe Fácil, primeiro programa de parcelamento de passagens aéreas em 36 vezes. com participação de 39% no mercado doméstico e 27% no mercado internacional.

Criada há dez anos, a Gol oferece cerca de 900 voos diários para 59 destinos domésticos e 14 internacionais. No ano passado, a empresa obteve a maior participação no mercado doméstico: 41%. No mercado internacional, a companhia respondeu por 16% do número de passageiros. No primeiro trimestre deste ano, apresentou um crescimento de 9,7% na demanda em relação ao mesmo período de 2010, o que gerou uma taxa de ocupação de 73,5% no mercado doméstico, um recorde para o período, segundo a empresa. Em abril, o aumento da demanda foi de 13,8%, impulsionada pelo feriadão da Páscoa.

Universalização

“O transporte aéreo vive um dos melhores momentos de sua história em relação à demanda de passageiros. Desde 2003 esse processo de universalização do transporte aéreo vem se firmando, ocasionado pela estabilidade econômica, pela redução nos preços das passagens aéreas e pelo aumento do poder de compra dos brasileiros”, avalia o economista Apostole Lazaro Chryssafidis, presidente da Associação Brasileira das Empresas de Transporte Aéreo Regional (Abetar). A entidade tem como principal objetivo desenvolver o segmento da aviação regional. Desde a criação da Abetar, em 2001, a participação no mercado das empresas regionais saltou de menos de 1% para 6%, em 2010.

Atender cada vez mais destinos é um dos principais desafios das companhias regionais, que por operar aeronaves menores conseguem chegar onde as outras não chegam. “Muitas vezes em destinos onde o acesso ou é feito em horas por avião ou em dias por rios, com o risco da viagem ter que ser interrompida”, afirma Apostole. Hoje, as empresas regionais atendem entre 140 e 150 localidades, transportando mensalmente cerca de 300 mil passageiros. “Mas esse número ainda é pequeno se lembrarmos que a aviação civil brasileira chegou a atender mais de 300 destinos na década de 1960”, observa o dirigente. Só nos Estados Unidos há mais de 750 localidades que dispõem de acesso ao transporte aéreo.

Segundo Apostole, a situação da infraestrutura aeroportuária é ainda mais preocupante nos aeroportos secundários, de média e baixa densidade de tráfego, em sua maioria operados pelas associadas da Abetar. “Quatorze deles correm o risco de ver suas atividades paralisadas pela falta de recursos para adequação à legislação vigente”, diz. Entre as exigências, Apostole destaca a aquisição de caminhão de combate a incêndio, segundo ele uma das maiores dificuldades encontradas pelos administradores destes terminais devido ao seu alto custo. Para a Abetar, a solução de boa parte dos problemas pode vir da utilização dos recursos do Programa Federal de Auxílio a Aeroportos (Profaa).

“O programa tem um orçamento anual aproximado de R$ 150 milhões, recursos que podem ser aplicados em obras nos aeroportos, mas que ano a ano deixam de ser utilizados em sua totalidade.” Recentemente o Profaa, cujo gestor é o Ministério da Defesa, liberou R$ 102,3 milhões para aeroportos de pequeno e médio portes. “Foi uma ótima notícia, mas ainda é pouco”, observa Apostole. A Abetar defende que o programa passe a aceitar emendas parlamentares, o que multiplicaria os recursos, que poderiam chegar a R$ 600 milhões por ano. “Esse valor é suficiente para que, em quatro anos, os aeroportos pesquisados sejam totalmente remodelados de acordo com as exigências da Anac e ainda com capacidade suficiente para o atendimento da demanda por novos voos.”

O presidente da Abetar cita pesquisa da consultoria Bain & Company sobre o setor aéreo brasileiro para mostrar a defasagem do modal em relação aos Estados Unidos, também um país continental. De acordo com o estudo, se a demanda de passageiros avançar a uma taxa anual de 7% até 2027, o Brasil terá, em 2030, o mesmo patamar de passageiros embarcados por habitante dos Estados Unidos da década de 1970. “Hoje, com praticamente um passageiro embarcado a cada quatro habitantes, a aviação brasileira se compara à norte-americana na década de 1950. O ideal para o País é que haja a integração dos modais aéreo, ferroviário e rodoviário. Isso permitiria o aumento de localidades atendidas conforme o perfil da viagem. Em um país como o Brasil, com dimensões continentais, é muito mais vantajoso o uso do avião para longas distâncias.”

Para a Associação Brasileira de Aviação Geral (Abag), o modal aéreo é um importante vetor de desenvolvimento e inclusão social. Por isso, a entidade lançou no ano passado uma campanha para discutir a relevância da aviação executiva para o desenvolvimento de 75% das cidades brasileiras. São 3,5 mil municípios que dispõem de aeródromos, mas não são servidos pela aviação comercial. “O momento é de intensa verificação das necessidades. Por um lado empresas visualizam o incremento nos seus serviços, mas, por outro, receiam não ter onde ofertá-los devido à carência de infraestrutura”, afirma Ricardo Nogueira, vice-presidente da Abag. “Por isso, o principal desafio é o aumento da capacidade instalada nos aeroportos brasileiros.”

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