Gabriel Sant’Ana

por Alexsandro Vanin (vanin@empreendedor.com.br)

Não há quem questione a importância das in­cubadoras para o desenvolvimento do empreende­dorismo. O aconchego das incubadoras permite às empresas que estão dando seus primeiros passos possam desenvolver com calma suas inovações e possam suportar com mais facilidade os sempre difíceis primeiros anos de vida.

Mas o mundo mudou, assim como os empreen­dedores, e as incubadoras também precisam mudar para não perderem a sua relevância e para ajudar ainda mais as empresas a se desenvolverem. Hoje o virtual está presente em todas as esferas da eco­nomia, e o espaço de tempo para desenvolver um produto ou serviço, lançá-lo no mercado e inovar para driblar a concorrência é cada vez mais curto. É preciso agilidade, e o processo de incubação de uma empresa precisa refletir essa característica.

A incubadora MIDI Tecnológico, gerida pela Associação Catarinense de Empresas de Tecnologia (Acate) e mantida pelo Sebrae/SC, preparou-se para esta nova etapa desenvol­vendo um novo modelo de seleção, incubação e aceleração de empresas, chamado MIDI 2.0. Entre outras estratégias, o MIDI 2.0 envolve a elaboração de um Plano Empresarial Anual para cada empresa, com acompanhamento mensal da evolução das metas.

O coordenador geral do MIDI Tecnoló­gico, Gabriel Sant’Ana, fala, a seguir, sobre este momento do mercado de tecnologia e do empreendedorismo e explica um pouco mais sobre o novo modelo, mais focado no desen­volvimento individual de cada empreendedor. Entre as ações, serão trabalhadas questões de liderança, além de habilidades e competências dos empresários, em um programa baseado em valores, por meio de treinamentos e sessões de coaching individual.

As incubadoras são merecidamente reconhe­cidas pelo seu relevante papel no ambiente empreendedor, sendo cruciais para a geração e desenvolvimento de novas e fortes empresas. Esse modelo já chegou ao seu limite?

Gabriel Sant’Ana – O MIDI tem 15 anos, foi uma iniciativa do Sebrae/SC e da Acate numa época em que praticamente ine­xistia o setor de tecnologia na região. O que se percebia é que era necessário apoiar as empresas de base tecnológica de alguma ma­neira; mas de fato não existia uma tradição no setor que pudesse ser tomada como referên­cia. Naquele tempo, o mais importante era o espaço físico e as facilidades que podiam ser oferecidas aos empreendedores: basicamen­te uma sala, um telefone, mesas, cadeiras, lo­cal para retirar cópias, receber um fax.

O público sempre foi alunos e recém-formados das universidades, principal­mente a UFSC, a maior parte engenheiros e graduados em Ciências da Computação. Com o passar do tempo, o que se viu é que, graças ao espírito empreendedor e o esforço destes jovens, foi se criando um setor de tecnologia. Os precursores deste movimento (como a Intelbras, a Dígitro, etc.), que hoje são grandes empresas, ajudaram a consolidar o que um dia era apenas uma ideia.

A incubadora foi uma iniciativa muito bem-sucedida de oferecer uma semente, aquilo que podia ajudar de alguma forma esses jovens, pois na época era muito difí­cil ter uma sala, móveis, consultorias, etc. Já graduamos mais de 70 empresas, muitas delas muito bem-sucedidas. Mas eu diria que muito mais pelo talento e pela compe­tência desses jovens do que pela nossa in­cubadora ou qualquer outra, a incubadora tem o papel de facilitar e promover um am­biente de desenvolvimento, mas, sozinha, não faz nenhum negócio prosperar.

Mas o que é preciso mudar para ser um melhor apoio aos empreendedores?

Sant’Ana – Como a Acate tem 28 anos e o MIDI 15, percebemos que as ne­cessidades de hoje são muito diferentes do que as necessidades daquele tempo, inclusive os empreendedores são diferen­tes. Hoje temos um ambiente tecnológico bem mais maduro no estado, e qualquer jovem com acesso à internet é um em­preendedor em potencial, um milionário em potencial. Percebemos então que o modelo tradicional de incubação é muito interessante, mas precisávamos fazer algo a mais para, de alguma maneira, conseguir apoiar o sucesso das empresas de forma mais rápida. No mundo, o processo de incubação dura de dois a quatro anos, e a gente percebe que hoje o tempo passa mais rápido, uma empresa que está de­senvolvendo um produto não consegue esperar dois anos pra testá-lo, verificar o interesse comercial, etc., para então lançá-lo, e depois em duas semanas a con­corrência coloca um produto parecido e conquista o mercado. Essa rapidez, essa agilidade, precisa fazer parte deste nosso novo momento.

Este momento se intensifica no Brasil, mas já é visto em outros países em algum tempo. O MIDI tomou como referência alguma incubadora internacional para elaborar seu novo programa?

Sant’Ana – O MIDI 2.0, como cha­mamos a nova fase, é o resultado de um estudo que fizemos com várias incubado­ras e aceleradoras de todo o mundo para verificar quais são as melhores práticas e iniciativas que o MIDI poderia ter para aumentar cada vez mais o número de em­presas bem-sucedidas. Nosso foco é o su­cesso os empreendimentos.

E qual é a taxa de sucesso das empresas hoje e em quanto pretendem incrementá-la?

Sant’Ana – Esta é uma pergun­ta muito interessante, porque o que é o sucesso? Para o Sebrae, por exemplo, são empresas que não fecham. Mas empresas que não fecham não necessariamente são empresas de sucesso, pode ser que sim, pode ser que não. No ano passado, parti­cipamos de uma missão à Coreia do Sul, país reconhecido por possuir start-ups de grande sucesso, com alcance mundial logo no início, e fizemos essa pergunta a eles: qual é a taxa de sucesso das empresas? E eles responderam que a taxa de sucesso era muito pequena. Questionamos como pequena, se eles tinham toda uma infra­estrutura de parques tecnológicos, labora­tórios, etc. Como resposta, eles disseram que consideram empresas bem-sucedidas aquelas que exportam pelo menos 5% de sua capacidade.

Então, é necessário levar em conta o que tomar como base. Se for empresas que não fecham, nossa taxa de sucesso é supe­rior a 90%. Agora, se falarmos de empresas que faturam “x” ou exportam “y”, é bem mais baixa. Por isso queremos subir a régua um pouco para conseguir ter empresas de sucesso nesse novo sentido, empresas que de fato tenham um alcance mundial, que de fato desenvolvam inovações de alcance mundial. Nós percebemos que o que nos falta no Brasil são grandes casos. Por que o Brasil não conseguiu gerar uma grande empresa de tecnologia de alcance mundial? Há países muito menores que o Brasil que possuem suas estrelas no ramo de tecno­logia. Nós precisamos criar bons cases, até para atrair a atenção para o setor, atrair novos profissionais, novos jovens. É nesse sentido que vem a ideia de fazer a reformu­lação de nosso processo de incubação, que chamamos de MIDI 2.0.

No que consiste esse novo processo, quais são as principais ações que serão implementadas?

Sant’Ana – Decidimos focar ainda mais no que faz a diferença nos negócios: o empreendedor. Por mais que tenhamos a melhor infraestrutura, os melhores cur­sos, os melhores consultores, por mais que a gente ofereça acesso às melhores tecnologias, no final o que faz a diferença é o empreendedor. E você pode verificar isso em empresas tradicionais, em empre­sas de tecnologia, às vezes duas empresas fazem um bom ERP, uma boa roupa, mas uma dá certo e a outra não. Por quê? Por­que passa pelo talento do empreendedor. Por isso, no MIDI 2.0, decidimos focar na trilha do empreendedor, que significa exatamente traçar um plano para o desen­volvimento do empreendedor: aonde ele quer chegar e o que é preciso fazer para que ele chegue lá.

E como definir esse caminho de formação?

Sant’Ana – Nossa base são casos de sucesso do passado, ou seja, empre­endedores bem-sucedidos, que caminho eles percorreram. Por exemplo, em que momento eles precisaram ter competên­cias na área financeira, em que momen­to eles precisaram ter competências na área comercial, como aliar competências de sócios, de repente tem um sócio com competência mais técnica, outro mais comercial, de que maneira ao longo des­te período conseguimos prover as com­petências necessárias. Porque a maioria quando chega aqui tem um perfil essen­cialmente técnico, são pessoas focadas no desenvolvimento de produtos, não têm experiência em termos de venda, conta­bilidade, legislação, recursos humanos, então falta muita coisa, e a gente precisa saber aonde ele quer chegar e traçar uma trilha para cada um deles.

É um processo mais personalizado, com foco mais no empreendedor do que na empresa, correto?

Sant’Ana – Exatamente. Embora estejamos procurando por projetos inova­dores, percebemos que o fator humano é muito mais importante que as ideias em si. Boas ideias existem muitas, o difícil é colocá-las em prática – e para isso precisa do empreendedor. Nosso foco principal é o empreendedor, e não esperamos pes­soas prontas e perfeitas, mas que sejam dedicadas a esse empreendimento, que acreditem nele, que estejam dispostas a aprender. É um processo de muito apren­dizado, dos dois lados. O empreendedor é o elemento central de toda essa política, ainda mais do que já era.

E nesse sentido o MIDI 2.0 tem uma característica muito importante que é dar o remédio certo, na hora certa e na dose cor­reta. Antigamente, e ainda é muito comum em incubadoras mais tradicionais, chega uma hora em que é promovido um curso, de oratória, por exemplo, e todos os empre­endedores passam por esse treinamento. Mas, de repente, isso não é importante para determinada empresa, naquele momento ela precisa aprender sobre fluxo de caixa. A partir do momento que passamos a ter um acompanhamento mais próximo às empre­sas, conseguimos identificar esses pontos es­pecíficos de cada empresa. Isso é um avanço muito grande para o empreendedor, para a empresa e também para o MIDI, que gera um acompanhamento muito mais apurado pra conseguir fazer esse plano para cada empresa. Além disso, continuamos a ofere­cer consultorias de alto nível. Temos uma equipe com muita experiência, em áreas como RH, marketing, jurídica, contábil, visão estratégica, plano de negócios, etc., enfim, profissionais que se completam.

Qual o papel que os consultores terão neste novo modelo?

Sant’Ana – Uma dificuldade que tí­nhamos era fazer com que esses consulto­res conversassem entre si e soubessem dos pontos fracos de outras áreas, então pro­curamos integrar esses profissionais para que eles tenham uma ideia geral do estágio de maturidade de cada processo nas em­presas. Com este mapeamento, podemos acompanhar a evolução ao longo do tempo e identificar o que está abaixo do espera­do, a tempo de recomendar uma consulta com o responsável da área. Porque no dia a dia de uma start-up, muitas vezes o em­presário é o técnico, o empreendedor, o RH, o marketing, ele é tudo! Então é nosso papel orientá-lo sobre as prioridades, pois no meio de tantas responsabilidades é mui­to comum desviar o foco. O MIDI 2.0 é o conjunto destas alterações muito mais de ordem interna, de gestão, do que externa. Nós vamos continuar a ter toda a infraestru­tura para as incubadas residentes (aquelas que têm uma sala aqui), mas a gente per­cebe que isso não é o maior diferencial, porque hoje qualquer empreender pode conseguir com facilidade uma sala, pode ser num espaço de coworking, ou na pró­pria casa. Nós vamos continuar com as duas modalidades de incubação, a residente e a virtual, mas vamos focar nas iniciativas que completam o perfil do empreendedor, bus­cando auxiliá-lo de alguma maneira.

Há alguma interação entre empresas incubadas e graduadas?

Sant’Ana – O que temos visto pelo mundo é um aumento do chamado movi­mento de “aceleração de empresas”. Nós buscamos vários elementos de aceleração, e trouxemos para o nosso plano. É claro que quando comparamos com o mercado americano, onde as aceleradoras são bem mais comuns, o que se percebe é que há uma cultura muito diferente entre os em­preendedores de lá e os brasileiros, é muito comum que o norte-americano tenha uma tolerância e já crie uma empresa pensan­do na sua venda ou na possibilidade dela receber investimentos em troca de parte dela. E, no Brasil, a gente começa a ver isso agora, anos atrás os empreendedores eram muito agarrados às suas empresas e qual­quer possibilidade de compra era como uma proposta de vender um filho, existia um apego psicológico e emocional muito grande. Hoje percebemos que já está mu­dando, há uma percepção que é muito me­lhor crescer rápido com capital externo do que devagar com o capital próprio.

O MIDI 2.0 é um modelo híbrido de incu­badora e aceleradora. Uma aceleradora nor­malmente fomenta um negócio de maneira muito intensiva e por um período bem curto. O sucesso de uma empresa acelerada é quan­do ela atrai um investidor meses após o início do processo. Percebemos que este conceito puro ainda não era aplicável à nossa situa­ção, estamos num momento de transição, e buscamos um formato para fomentar empre­sas mais rapidamente, mas que forneça um apoio mais duradouro. Além disso, temos empresas incubadas no processo tradicional, e não podemos mudar radicalmente os pro­cedimentos de uma hora para outra.

MIDI Tecnológico

Ano de criação da incubadora: 1998

Número de empresas graduadas: 73

Número de funcionários nas empresas graduadas: 698

Faturamento das empresas graduadas: R$ 72,3 milhões

Taxa de internacionalização das empresas graduadas: 3 empresas exportadoras que, em 2013, faturaram R$ 1 milhão com exportação

Número de empresas incubadas: 17 (6 residentes e 11 virtuais)

Número de funcionários nas empresas incubadas: 126

Faturamento das empresas incubadas: R$ 6,3 milhões

*todos os dados são referentes a 2013 e aqueles relativos às empresas graduadas são oriundos de uma pesquisa realizada com 32 graduadas

ACATE

Número de empresas associadas: 386 associados diretos e aproximada­mente 300 indiretos, por meio dos 8 pólos regionais associados

Facebook
Twitter
LinkedIn